Eu sei que este post é muito críptico, mas creio, com ironia, que, hoje à noite, Pedro Passos Coelho teve saudades do Carrajola...
sexta-feira, setembro 11, 2015
Pensão completa?
Há tempos, um amigo referia-me o facto de ter pretendido obter alojamento em algumas pequenas unidades hoteleiras da Região do Douro e ter verificado que muitas delas não dispunham de quaisquer lugares vagos, fosse para que data fosse. Disse-me ter-lhe acontecido o mesmo em algum turismo de habitação e turismo rural, já noutras regiões. E explicou-me que isso não ocorria apenas no verão, como seria natural, mas ao longo de todo o ano.
Congratulei-me, naturalmente, com o facto da nossa ocupação hoteleira viver um período de alta, de haver uma crescente procura de zonas do país que fogem ao conceito do "sol e praia". Muitos estrangeiros estavam, por fim, a perceber que, neste canto da Europa, existe a oferta de um produto turístico de qualidade, com diversidade cultural e monumental, servido por uma excelente rede viária, muito pouco "viciado" no modelo de exploração intensiva que "matou" outras regiões, com espaços naturais preservados, com uma diversidade gastronómica e vinícola muito rara, tudo isto cumulado por um acolhimento pessoal quase sempre de grande simpatia. Graças também a fatores externos que nos ajudam, Portugal está "na moda" e é preciso apoiar e estimular esse movimento.
Esse meu amigo logo arrefeceu, contudo, o meu entusiasmo. De facto, tudo isso era verdade, só que muitas dessas pequenas unidades hoteleiras, afinal, estavam, na prática, vazias. Vazias? Ao que ele constatou por mais de uma vez, ao contactar mais de perto muitos desses espaços, alguns proprietários mantêm essas unidades sem a menor utilização turística, ficcionando a sua ocupação apenas para justificarem os fundos que receberam para a construção ou remodelação das casas.
Ao longo das últimas décadas, já tinha ouvido falar de casos semelhantes: solares, casas antigas e muitas unidades de turismo rural cuja reconstrução tinha sido feita com dinheiros públicos (sim, porque as verbas da União Europeia são verbas públicas), numa ajuda que tinha como contrapartida obrigatória aumentar a oferta hoteleira regular mas que, na realidade, apenas serviram para alguns "empocharem" essas ajudas, comporem as habitações e, depois, manterem-nas comodamente vedadas ao uso turístico.
A pergunta que eu faço é muito simples e gostava de para ela poder ter uma resposta de quem de direito. É feito um acompanhamento do modo como as casas que foram construídas ou remodeladas com fundos públicos cumprem a sua obrigação de se manterem permanentemente abertas à utilização de potenciais utentes? São feitas inspeções regulares sobre as taxas de ocupação? É que se casas estão sempre assim tão "cheias", então quero crer que a receita fiscal deve ser bem significativa. Ou não?
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
quinta-feira, setembro 10, 2015
quarta-feira, setembro 09, 2015
Orbán
Há já bastantes anos, acompanhei o então presidente Jorge Sampaio numa visita oficial à Hungria. No curso dessa deslocação, Sampaio teve um encontro com o primeiro-ministro, Viktor Orbán. Foi uma conversa de cerca de meia-hora. A Hungria ainda não era membro da União Europeia, embora já o fosse da NATO, desde há escassos meses.
Não vem aqui para o caso o teor detalhado dessa conversa, quando estavam iminentes os ataques militares à Sérvia, por virtude da tragédia que se vivia no Kosovo. Passei muitos anos na vida diplomática e, fruto dessas andanças, ouvi uma imensidão de políticos estrangeiros em registo privado. Mas recordo-me sempre - e conto isto a amigos, desde há muito - que, ao terminar essa conversa entre Orbán e Sampaio, estava um pouco perturbado. Não apenas por algumas coisas que ele então disse, pela forma como as disse, mas também pela maneira como nos olhava ao dizê-lo. Ambos saímos desse encontro - e estou certo que Jorge Sampaio tem isso bem presente - com um sentimento estranho, cujo fundamento confirmámos noutras conversas, nesses dias de Budapeste.
Sempre fui um defensor do alargamento da União Europeia mas, nessa tarde na Hungria, dei-me conta, não sei se pela primeira vez, que alguma da "nova Europa" que aí vinha trazia consigo algo de diferente, que tinha bastante menos a ver connosco, com a nossa forma de estar no mundo, do que era habitual entre aqueles que connosco se cruzavam nos corredores de Bruxelas.
Várias vezes entrei em choque com amigos dos países bálticos ou outros vizinhos da Rússia por virtude do modo como olhavam para Moscovo. Nessas conversas, contudo, eu podia perceber o trauma profundo de países que haviam estado sob a tutela soviética e até justificar, nas suas atitudes, alguma irracionalidade anti-russa, mais recentemente ajudada pelo manifesto autoritarismo ameaçador de Putin. Mas com Orbán era diferente. Era outra maneira de equacionar o poder, era um sentimento de afirmação nacional que, mesmo que implicitamente, como que tocava alguns fantasmas indizíveis do passado do centro do continente.
O tempo veio a dar razão a esta minha perceção. Todos assistimos, durante os últimos anos, ao progressivo desprezo de Orbán pelas regras de separação de poderes na Hungria, à produção legislativa que, no limite, foi cerceando direitos, numa "mainmise" progressiva do aparelho político-institucional, no sentido da limitação da alternância do poder. A Europa, salvo algumas posições do Parlamento Europeu e pontuais reações da Comissão, passou a conviver, aparentemente sem pejo, com um parceiro que, dia após dia, se vai afastando do património de valores em que se funda a comunidade a que todos pertencemos - e que a Hungria se comprometeu a respeitar na sua adesão. Mas nem por isso Orbán deixa de figurar, sorridente, entre os seus pares, nas fotos de família dos Conselhos europeus. E os outros sorriem para ele, o que é bem mais grave.
Quando hoje penso na humilhação que fizémos passar ao governo austríaco, em 2000, por ter feito uma aliança de incidência governamental com um grupo de extrema-direita, e comparo com o que se vive em governos desta Europa de 2015, quase que me apetece pedir desculpa pela pressão a que então sujeitámos Viena. E quando observo o inqualificável comportamento de Viktor Orbán e das autoridades húngaras face aos refugiados que, em desespero, pretendem atravessar o país para chegaram a uma Alemanha que, com grande dignidade e generosidade, admite recebê-los, tenho a sensação de que não faço parte da mesma Europa que esse cavalheiro.
Há dias, Orbán proferiu uma frase que melhor define o seu espírito "europeu". Perguntado qual era a diferença entre a "cortina de ferro" do tempo soviético e o "muro" de 175 km que mandou construir entre o seu país e a Sérvia, disse isto apenas: "O primeiro era contra nós, este é a nosso favor".
terça-feira, setembro 08, 2015
Recado aos taxis
Vistam-se como deve ser, usem carros cómodos, impecavelmente limpos e sem cheiro a comida, tabaco ou odor pessoal intenso, fechem as janelas e usem o ar condicionado quando o pedirmos, sejam educados, simpáticos e atentos com os clientes, calem a rádio aos berros, baixem a voz da "menina" da central a chamar os colegas, não protestem com os outros condutores, conduzam suavemente e com a preocupação da comodidade e segurança dos clientes, não nos atazanem os ouvidos com queixas contra "eles" e contra "isto", não nos falem do estado do trânsito, de futebol, de política e dos "pretos", não façam cenas com os trocos e passem recibo sem o pedirmos, deem-nos a permanente garantia de conseguirmos ir do aeroporto ao Campo Grande sem ter de passar por Alcântara, tratem os estrangeiros como clientes normais e não como fonte de especulação. Quando oferecerem um serviço SEMPRE assim, podem estar certos que esqueceremos o UBER. Até lá, habituem-se!
"Olhar o Mundo"
Na sexta-feira, dia 11, na RTP, estarei a comentar a situação internacional com António Mateus, em mais uma edição de "Olhar o Mundo".
Adeus, Chico
Olhei sempre para o Chico Menezes como alguém mais velho. Nesses idos de 60, então com 16 ou 17 anos, ser cooptado para integrar grupos mais maduros significava uma orgulhosa ascensão social no estatuto de adolescente.
O Chico Menezes era um desses "mais velhos". Filho de militar, ele próprio viria a seguir essa carreira. O inconfundível "estilo" com que se passeava pela cidade, passo pausado, serenidade madura, patilhas longas e atitude já adulta, tudo isso lhe conferia um estatuto que, teoricamente, o distanciava de nós, mais novos, mais "putos". Quantos anos mais velho era o Chico? Sei lá! Dois ou três, o que é uma imensidão quando não se havia chegado ainda aos 20 anos. E, por isso, ser integrado pelo Chico no seu grupo foi, para mim, uma coisa importante.
Em meados dos anos 60, naquela inenarrável "seca" de vida que era Vila Real, o Chico tinha ao seu regular dispor um carro, coisa não muito comum à época. Era mesmo um carro grande, creio que um Vauxhall, preto, pertencente ao pai. Um grupo de "habitués", de que tive o privilégio de fazer parte, passou a ser utente regular dos passeios no carro do Chico. Eu tinha "chumbado" a Ciências no 7º ano e, por isso, "fiquei" com essa cadeira, como então se dizia. Isso significava um período de imensa "calaceirice", sem aulas, sem horários, uma espécie de "preparatórios" para aquilo que viriam a ser os "dois anos em férias" (tomo de empréstimo o título do livro do Jules Verne), que, logo de seguida, fui passar ao Porto, nesse projeto frustrado que foi o "meu curso" de Engenharia Eletrotécnica.
O Chico Menezes foi assim meu companheiro quase diário nesse ano de 1965. Ao final da manhã, depois de um sagrado "covilhete" na Gomes, encontrávamo-nos no "Excelsior", para um café de saco servido pelo Manuel Rato, em cujo setor de bilhares o Chico "tinha taco". "Ter taco" estava para os bilhares como "ter garrafa" estava para os bares: conferia automático estatuto, implícito prestígio. O Chico Menezes era um dos grandes bilharistas de Vila Real, aproximado, mas ainda assim à distância, pelo Olívio das bicicletas (o pai tinha uma loja disso), esse o meu mais antigo amigo - nascemos na mesma rua, no mesmo ano, fomos para a escola juntos.
Com o Chico, o Olívio e o Mourão, este último funcionário da garagem S. Cristóvão (ainda há dias o vislumbrei numa tertúlia de reformados, no "shopping"), às vezes com outros integrantes menos regulares, constitui-se, nesse ano de 1965 (caramba, já lá vão 50 anos!), uma "troupe" que, à hora de almoço, fazia um invariável e sucessivo percurso, para ver "miúdas". Às dez para a uma passávamos a "galar o pequename" à saída do liceu, depois subíamos a Avenida rumo à Escola Comercial e Industrial, daí rumávamos ao Pioledo observar as "externas" do Colégio de S. José e, descida a rampa do Calvário e chegados ao "cabo da Bila", "cobríamos", finalmente, a saída da Escola do Magistério Primário. Em 15 minutos, melhor era impossível!
O percurso era feito no imenso Vauxhall, com cada um de nós, se o tempo o permitisse, bem estilosos, com o cotovelo fora do vidro (o meu lugar era atrás, à direita - o Chico, muitos anos mais tarde, brincava que eu já ensaiava para assento "de embaixador" ou "de governo"!). Hoje, posso imaginar o ridículo dessa "troupe" motorizada, a armar em "conquistadores", com um sucesso, diga-se, raramente muito expressivo.
Aos sábados, o programa era, muitas das vezes, exterior: partilhada irmamente a "gasosa", rumávamos em expedições a Chaves, à Régua, a Amarante, a Famalicão e até a Guimarães! Nunca ousámos o Porto, terreno mais denso, desconhecido. Connosco aperaltados para o engate, as coisas às vezes corriam "bem", na maioria dos casos vínhamos de "orelha murcha", porque o "fossado" romântico redundara em insucesso. Não concretizámos uma muito especulada ida a Espanha, a Orense, mas isso nunca nos deprimiu porque, com base nas experiências com as jovens "hablantes" que passavam em excursões por Vila Real, a doutrina era que "com as espanholas nunca dá nada!" Não era verdade: às vezes, "dava"! Teorias empíricas, antes da "movida", claro...
Os domingos eram "sagrados": as tardes eram passadas em mesas de "lerpa", a doer, no primeiro andar da "Maria do Carmo", uma tasca (hoje um simpático restaurante) em Abambres, no "circuito", regadas a "lapardana", uma mistura de vinho branco, cerveja e, creio, açúcar. Em fundo sonoro, ouviam-se então os relatos de futebol "da Emissora", com a expressão clássica do Artur Agostinho, em Alvalade ou na Luz, a passar a emissão ("alô, Nuno"), para o Nuno Braz prosseguir das Antas. A função dominical acabava, impreterivelmente, às seis, porque, às seis e meia, estávamos todos, armados em galãs, encostados à esquina da Gomes, a assistir à saída das pequenas da "missa das seis" na Sé. Alguns bailes nesse tempo, em garagens, não são para aqui chamados. Outras expedições noturnas, de outra índole iniciática, idem.
Os domingos eram "sagrados": as tardes eram passadas em mesas de "lerpa", a doer, no primeiro andar da "Maria do Carmo", uma tasca (hoje um simpático restaurante) em Abambres, no "circuito", regadas a "lapardana", uma mistura de vinho branco, cerveja e, creio, açúcar. Em fundo sonoro, ouviam-se então os relatos de futebol "da Emissora", com a expressão clássica do Artur Agostinho, em Alvalade ou na Luz, a passar a emissão ("alô, Nuno"), para o Nuno Braz prosseguir das Antas. A função dominical acabava, impreterivelmente, às seis, porque, às seis e meia, estávamos todos, armados em galãs, encostados à esquina da Gomes, a assistir à saída das pequenas da "missa das seis" na Sé. Alguns bailes nesse tempo, em garagens, não são para aqui chamados. Outras expedições noturnas, de outra índole iniciática, idem.
No ano seguinte, saí de Vila Real. Desde então, fui encontrando o Chico Menezes a espaços, pelas esquinas da cidade, nos Natais ou outras férias. Sem surpresas, como referi, seguiu a carreira militar, na tradição familiar, chegando a oficial superior. Projetava sempre o seu ar muito sereno, simpático, com grande dignidade e esmerada educação. Não sei se voltou aos bilhares ("bilhar livre", claro, clássico, nada dessa coisa de "snooker") ou se, com o tempo, foi "perdendo a mão". De qualquer forma, o "Excelsior" entretanto fechou, as mesas da "Pompeia" e da "Brasileira" também se foram há muito, as "tabelas" dos bilhares da cave da "Gomes" secaram com o estranho desuso e o Chico nunca confiou (nem eu) no equilíbrio da lousa da mesa do "Clube". Ainda haverá hoje bilhares (livres, claro) em Vila Real?
No "Primeiro de dezembro" do ano passado, numa "ceia" de amigos e conhecidos, alguém me apontou o Chico numa mesa. Já quase o não conheci. Fui ter com ele. Caímos em abraços mas, no meio dos sorrisos, achei-o algo triste, disseram-mo doente. Nunca mais o vi.
Ao final do dia de ontem, contaram-me que morreu. Adeus, Chico! Não cheguei nunca a matar a curiosidade sobre qual foi a tua maior "tacada", nas gloriosas jornadas de que fui testemunha na mesa do "Excelsior". Fosse ela qual fosse, meu caro, ontem perdeste a última partida. Deixo-te aqui um abraço, muito amigo e sentido.
segunda-feira, setembro 07, 2015
Está tudo doido?!
Com o representante da empresa que vai gerir o nosso condomínio, marquei hoje, para o meio-dia, a abertura de uma conta bancária, numa dependência da Caixa Geral de Depósitos. Ainda tive a tentação de combinar um almoço com um amigo para uma hora e tal depois, mas tive um pressentimento de que seria algo imprudente fazê-lo.
Era a terceira vez (!) que passávamos por aquela dependência da Caixa. Das duas anteriores, ou a ata da assembleia geral não estava explícita ou faltava um papel ou faltava uma assinatura ou não aceitavam uma fotocópia ou um outro pormenor qualquer ("Sabem? É o Banco de Portugal..."). Desta vez, a cara da "menina" pareceu-me ser outra. Cheirou-me "a esturro". Era outra! O espaço em que somos recebidos até nem é mau: guichezinhos com cadeiras, num "open space" disfarçado com tabiques de nova geração, a dar ares de tratamento personalizado ao "sr. Francisco" - já desisti de me irritar com esta designação de tasca de aldeia. Já quase só falta "musak" em fundo, para completar a "música" com que nos cobram as cada vez mais elevadas taxas, num oligopólio miserável a que a Autoridade da Concorrência fecha os olhos e a Deco não tem força para pôr termo.
As "meninas" são educadas, formatadas, só sabem mesmo aquilo que lhe dizem para saber, escudam-se nos "regulamentos", numa espécie de "need to know" que lhes facilita a vida, que as isenta de pensarem de forma prática, de terem a menor flexibilidade. "Eu bem gostava de poder ajudar, mas já sabem, é a lei!"). Vivem redomadas num "template" mental, que, lá no fundo, lhes deve ser cómodo. Trabalham por "objetivos" e nós ali estávamos, pela terceira vez - se o nosso "objetivo" fosse medido pelo tempo que temos perdido para abrir uma conta de condomínio estávamos irremediavelmente arrumados na nossa "promoção".
As "meninas" são educadas, formatadas, só sabem mesmo aquilo que lhe dizem para saber, escudam-se nos "regulamentos", numa espécie de "need to know" que lhes facilita a vida, que as isenta de pensarem de forma prática, de terem a menor flexibilidade. "Eu bem gostava de poder ajudar, mas já sabem, é a lei!"). Vivem redomadas num "template" mental, que, lá no fundo, lhes deve ser cómodo. Trabalham por "objetivos" e nós ali estávamos, pela terceira vez - se o nosso "objetivo" fosse medido pelo tempo que temos perdido para abrir uma conta de condomínio estávamos irremediavelmente arrumados na nossa "promoção".
Como não há duas sem três, as coisas iam, uma vez mais, correr mal. Afinal, elementos que a "menina" anterior tinha dado por conhecidos e desnecessários de prova, da última vez que lá foramos, tornavam-se agora necessárias ("Sabe? São os regulamentos, não posso fazer nada..."). Os regulamentos devem ter mudado drasticamente desde 21 de agosto, quando interrompi férias para, infelizmente sem sucesso, visitar a outra "menina".
Dez minutos passados, não tendo a nova "menina" aceite que o AP no meu cartão da ADSE significava que eu estava aposentado (a minha aposentação é paga pela Caixa Geral de Aposentações, na Caixa Geral de Depósitos, isto é, que consta "lá na casa"), exigindo-me dados pessoais que a Caixa tem de mim há décadas (entrei como funcionário da Caixa em 1971, recebo lá a minha aposentação, numa conta criada, para mim, pelo meu pai, em 1965, há meio século!, também, por isso, que consta "lá na casa"), "passei-me": levantei-me, pedi à "menina" para fazer o obséquio de dizer ao gerente dela que era uma "imensa estupidez" tudo aquilo que me estavam a pedir, rasguei delicadamente, na frente dela, toda a papelada já meio preenchida, agradeci a atenção e rumei a outra dependência da Caixa Geral de Depósitos. Tudo acompanhado com o funcionário da empresa de administração de condomínios, tão siderado como eu. Podia ser que tivéssemos mais sorte, se mudássemos de "menina".
Ali, na nova dependência, de facto, as coisas foram um pouco mais simples, embora demorassem, mesmo assim, uma hora e tal. As "meninas" que nos atenderam, primeiro uma depois outra, a quem, num eficaz "preemptive strike" dei nota da fúria com que vinha, tiveram a sensatez de perceber o caráter ilógico de alguns dos anteriores pedidos. Nem por isso, porém, deixei de ter de preencher uma folhas imensas com espacinhos para maiúsculas, de repetir o meu mail por três vezes e o NIF e endereço sei lá quantas! Até me pediram a data do casamento (creio que foi a primeira vez, em toda a vida, que isso me aconteceu!). Vá lá que me dispensaram de uma certidão de nascimento narrativa completa...
Depois dessa montanha de papelada ter sido completada, assinei e rubriquei (sem ler, claro, porque tinha de ir almoçar, já eram duas e meia!) mais de uma dezena de folhas, fiquei com (mais) uma resma de códigos (para a caderneta, para o netbanco, sei lá para que mais) e, se tudo tiver corrido bem, lá teremos conseguido, eu e o paciente representante da empresa que gere o condomínio (com quem já passei tantas horas que quase já se tornou meu íntimo), abrir essa coisa, pelos vistos de grande magnitude formal, que é uma conta bancária para o nosso condomínio. Diga-se que somos três simples condóminos, e que a tarefa imensa de administração se resume a pagar a luz da escada, o elevador e a mulher-a-dias (será politicamente correto escrever isto?). Ah! A "menina", a quarta e última, espera-se, não deixou de nos avisar que a taxa bancária a aplicar será a mais elevada, porquanto o saldo da nossa conta será muito baixo.
Será que sou eu que sou esquisito? Andam por aí uns fabianos a anunciar que se constitui uma "empresa na hora" e eu já perdi quase cinco horas, entre conversas com "meninas" várias em guichets a armar a modernos, com deslocações e custos de estacionamento, para abrir uma simpes conta bancária para um condomínio! Há uns anos, antes da vaga de meios informáticos, supostamente criados para nos facilitar a vida, em poucos minutos abria-se uma conta bancária. Agora é isto! Está tudo doido?!
domingo, setembro 06, 2015
O segundo mergulho de Marcelo
Foi em 1989 que Marcelo Rebelo de Sousa mergulhou num Tejo poluído para chamar a si alguma visibilidade, por ocasião da sua candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Como ele já explicou, embora à época fosse um cronista influente do "Expresso" e até antigo membro do governo, o professor não era a vedeta mediática em que os anos vieram a transformá-lo e os portugueses, mesmos os lisboetas, não o conheciam muito bem. Esse mergulho, tal como outras iniciativas pretendidamente inéditas, como guiar um taxi pela cidade, não lhe vieram a servir de muito: seria derrotado facilmente por Jorge Sampaio.
Neste fim de semana, assistimos a Marcelo a visitar a Festa do Avante. Dir-se-á que, no passado, já havia estado naquela feira, mas ninguém deixará de ligar esta visita, acompanhada por câmaras de televisão, em tempos de uma próxima eleição presidencial, a um gesto marcado por algum oportunismo.
Marcelo (o facto de ser conhecido por "professor Marcelo" e não por "professor Rebelo de Sousa" é algo que deve ser ponderado) é uma figura única no panorama público português. À sua notoriedade corresponde um evidente registo de simpatia. Consegue ser popular sem ser popularucho, talvez porque o qualificativo de "professor", isto é, de alguém "que sabe" (ao que quer fazer parecer, sabe um pouco de tudo), introduza sempre uma certa distância face àqueles que o contactam e o ouvem. Ao encontrá-lo na rua, as pessoas sentem que está ali alguém que lhes entra pela casa dentro com regularidade, são naturalmente tocadas por uma espécie de distanciada intimidade, na sensação de que, no fundo, o conhecem, tantas vezes e tão obsessivamente o ouvem falar de tudo e de alguma coisa.
Será isso suficiente para o fazer eleger presidente da República? Melhor: será isso imperativo para que o PSD de Passos Coelho o venha a apoiar para essa aventura, sabendo, à partida, que, em caso de eleição, estaria longe de ter um "yes man" em Belém (também o não teriam com Rui Rio)? Depois da saída de cena de Santana Lopes, de um Rui Rio que continua a dizer coisas muito pouco marcantes, embora com ênfase quase artificial, o que não contribui para a fixação de uma imagem nacional sólida, Marcelo surge como alguém que todos achamos que já "conhecemos", pelo que parece ter a vida cada vez mais facilitada à direita - e, sejamos honestos, a cacofonia à esquerda também lhe está a "dar uma mão".
Mas, voltando ao princípio: no que me toca, ver um potencial candidato da direita a ir à Festa do Avante, para tirar umas "selfies" e ter um banho de abraços de camaradagem (no sentido mais "típico"), condiz muito pouco com a imagem que me apetece ter do presidente da República para o meu país. Mas eu não faço parte do eleitorado de Marcelo Rebelo de Sousa, pelo que o meu voto aqui nada conta...
sábado, setembro 05, 2015
Presunção
Há cerca de nove meses, em 9 de dezembro de 2014, publiquei no "Diário Económico" este texto, sob o título "Presunção":
Falemos claro. Está criado em largos setores da sociedade portuguesa o sentimento de que José Sócrates é culpado. O “esquema” das ligações financeiras, que alguém passou à comunicação social para credibilizar a “operação Marquês”, caiu como “sopa no mel” na convicção de quantos, de há muito, tinham o antigo primeiro-ministro como um potencial, ou mesmo consumado, delinquente. O que agora sucedeu só vem confortar aquilo em que sempre acreditaram. Julgo mesmo que, para essas pessoas, dificilmente é concebível outro desfecho que não seja a prisão por longo tempo de José Sócrates.
José Sócrates não beneficia assim da presunção de inocência, em grande parte da opinião pública. Pelo contrário, há mesmo uma forte presunção de culpabilidade que o afeta e que, nos dias de hoje, leva muitas pessoas a tentar apenas saber como se passaram as coisas e, em nenhuma hipótese, se esses factos são ou não verídicos ou se, sendo-o, pode haver para eles alguma simples e plausível justificação.
A perplexidade perante as acusações a José Sócrates atingem também, não vale a pena escondê-lo, muita gente que tem por ele um real apreço e que valoriza muito daquilo que fez como governante. Gente que não se revê no labéu de um Sócrates “coveiro” do país e que tem a sua leitura para o que aconteceu em termos financeiros até 2011. Inundadas por notícias que remam todas no mesmo sentido, muitas dessas pessoas mantêm a esperança de que Sócrates seja capaz de clarificar tudo e desmontar a operação instalada à sua volta. Outros há ainda que, escudados no que foi a falta de fundamento para outras acusações surgidas no passado, alimentam a tese de uma cabala urdida pelos operadores judiciários.
Muito se tem falado sobre o papel da comunicação social neste processo. Grande parte dos meios de comunicação, confessando-o ou não, já tomou partido e esse partido não é o de José Sócrates. Não vale a pena negar nos editoriais o que os títulos não escondem.
Sobre este assunto eu sei tanto como o leitor, isto é, nada. Como me recuso a deixar-me cair no “achismo”, vou acompanhando as notícias, sou delas dependente e procuro pensar friamente.
Tenho, porém, duas certezas.
Se José Sócrates fosse culpado por atos que tivesse cometido no exercício das suas funções de Estado, por ações ou omissões dolosas que pudessem ter traído a confiança que milhões de portugueses nele depositaram, tratar-se-ia de algo muito mais grave do que os próprios delitos. A vida pública concede a um grupo restrito de cidadãos a possibilidade de, por mandato de outros, gerirem o país. Quem trai este compromisso merece o opróbrio definitivo.
Se o caso contra José Sócrates não for suficientemente sólido, se do trabalho dos acusadores viesse a sair apenas um novelo de suspeições circunstanciais, um pacote de meras convicções, estaríamos perante uma canalhice sem nome, uma ação miserável sobre um homem, que credibilizaria então todas as suspeições que existem sobre a instrumentalização do setor da Justiça.
Sócrates saiu agora da prisão. Releio o que escrevi e não retiro uma linha. E continua a ser tudo quanto tenho a dizer sobre este caso.
"O Cantinho do Abade"
Há iniciativas empresariais que estiolam por anos, incapazes de darem um salto e de se projetarem no mercado, alargando, com criatividade, os seus potenciais consumidores. No comércio, isso é muito evidente e todos somos testemunhas de casas comerciais que se foram degradando, conformadas com a modéstia de um nível de procura que, por não ter grande exigência, se acomodou à mediocridade da oferta. E esta deixou de ter estímulos para evoluir, num círculo vicioso sem remédio. A rutura com esta monotonia, que, a prolongar-se, é meio caminho andado para um fracasso anunciado, para um futuro trespasse, para uma eventual mudança de ramo, pode ser feita por via de duas motivações. Uma delas, por uma reformulação do conceito, eventualmente assente em algum investimento suplementar, procurando explorar segmentos sociais novos, através do recurso a fórmulas de empreendedorismo mais imaginativas, associadas, muitas vezes, a mudanças drásticas ou evolutivas no "layout", a novos serviços e a campanhas promocionais inovadoras, não necessariamente muito onerosas. Uma outra evolução é, em si, menos dinâmica, mais reativa, porque se baseia, no essencial, no aproveitamento de uma conjuntura pontual que, nem por ser por definição breve, deixa de ser potencialmente explorável e pode vir a revelar-se rentável. O ideal é um modelo poder vir a complementar o outro, mas isso, como se torna evidente, depende sempre muito da massa crítica, em matéria de gestão, que possa ser mobilizada para o empreendimento.
Devo dizer que estou com uma certa curiosidade em perceber qual vai ser a estratégia do "Cantinho do Abade".
sexta-feira, setembro 04, 2015
O desastre dos eletrões
Como por aqui tenho contado, Vila Real é uma terra com muitas histórias. (As outras terras também devem ter as suas, mas eu conto por aqui as da minha terra.) Algumas delas são fantasiadas, outras um pouco mais reais. Há figuras conhecidas da cidade que surgem regularmente ligadas a algumas delas, outras em que só pontualmente emergem, como atores ou figurantes desses episódios que temos por divertidos - embora eu possa e deva perceber que, muitas das vezes, as coisas se nos afiguram mais "divertidas" porque conhecemos as personagens, porque as historietas nos foram reveladas num tempo em que um humor simples era suficiente para nos tocar, garantindo dessa forma o prolongamento na nossa memória afetiva do impacto que então nos causaram.
Há dias, sentado num fim de tarde na esplanada da Rosas (a Gomes estava fechada...), vi aproximar-se pela rua uma figura que já conheço há muitas décadas, com quem nunca tive uma proximidade particular, mas que sempre projetou em mim uma imagem simpática e muito cordial. Um homem da cidade, mais velho do que eu cerca de uma década, com quem recordo ter partilhado algumas "tainadas" na velha "Pompeia", nas noites raras em que o Neves, o proprietário, fechava a porta e decidia cozinhar uma tortilhas para os amigos. Coisas dos anos 60, muito bem regadas pela noite dentro.
A essa figura da cidade, hoje um próspero industrial, ouvi sempre associada a historieta de uma carta que havia escrito à mãe, abastada senhora com comércio tradicional florescente em Vila Real, ao tempo em que estudava no Porto, nos "preparatórios" de Físico-Químicas. Eu ouvira já várias versões da história, pelo que ousei perguntar-lhe pela versão original. E a pessoa em causa não se fez rogada.
Ao que me contou, a vida que levava então no Porto, onde frequentava, com discutível assiduidade, a universidade, obrigava-o a grandes dispêndios. Estava-se no final dos anos 50 e o Porto era, para quem vinha de Vila Real, uma espécie de grande metrópole quase mítica (dez anos mais tarde eu viria a sentir precisamente o mesmo), cheia de tentações, quase todas caras. No aproveitamento dessa vida, o dinheiro desaparecia com uma velocidade incontrolável. Um dia, em desespero de causa e de fundos, viu-se na "obrigação" de recorrer a uma patranha para esportular mais dinheiro à senhora sua mãe, deixada lá por Vila Real.
Para tal, elaborou uma carta muito bem estruturada, na qual fazia sentir à progenitora o momento difícil que atravessava, por virtude de um lamentável "acidente" ocorrido numa aula de Física. O que é que se passara, em concreto, ou melhor, nos termos da carta?
Num exercício de Física com o Plutónio 451, enquanto usava um contador Geiger para medir radiações, um descuido imperdoável levara-o a deixar cair ao chão, inutilizando-os por completo, "24 mil pares de eletrões". O dano era fortíssimo, a universidade exigia ser ressarcida e, por falta de verbas, ele estava na iminência de ser expulso da faculdade, logo agora que tão brilhantes perspetivas se abriam para o prosseguimento, com sucesso, do seu curso. Confessava assim o seu embaraço, percebia que estava a passar para a mãe um problema de que fora ele o único causador, mas não tinha outra solução senão pedir um reforço de fundos.
A carta concluía, naturamente, com uma estimativa dos encargos, que eram, de facto, muito pesados, para os valores de então. Como ele explicava no texto, que a mãe cuidadosamente guardara e que lhe devolvera antes da morte, "cada par de eletrões custa quatro tostões", o que fazia orçar o dispêncio final em "nove contos e seiscentos". Era muito dinheiro? Era, mas o bom nome da família e o futuro da sua carreira de estudante disso dependiam.
A mãe compreendeu? Claro que sim. O dinheiro lá chegou ao Porto, o zeloso estudante terá "liquidado o débito" e a única coisa que é certa é que ficou com mais "nove contos e seiscentos" para a estroina das noitadas na Invicta. O curso? Nunca o "tirou", talvez por não ter a quem...
O primeiro patrão
Um dia, no final de 1967, no bar do Centro Universitário do Porto,
ali perto da rua da Torrinha, onde então vivia nos meus primeiros anos
universitários, alguém me disse que o "Jornal de Notícias" andava à
procura de "recrutas" para cobertura de jogos dos campeonatos
distritais de futebol.
Eu andava então convencido que percebia de futebol: tinha feito, dois
anos antes, um curso de arbitragem promovido pela Associação de Futebol de Vila
Real e vivia fascinado pelas táticas, discutindo com afinco e (suposto) saber a
evolução do WM, as diferenças entre o "ferrolho" suíço e o
"catenaccio" italiano, a então magna questão sobre quando o 4-2-4
deveria, em face de certas circunstâncias, evoluir para um 4-3-3.
Leitor atento dessa "bíblia" que era "A Bola",
mandava bitaites com ar de iniciado, opinava mesmo sobre as opções táticas de
uma forma algo pretensiosa. (Nada, porém, que se compare com as cátedras que
agora por aí se veem nas televisões).
Sob a recomendação de alguém, fui então falar com Frederico
Martins Mendes ao "Jornal de Notícias". O jornal ainda não era conhecido
pela sigla JN, mas sim por “Notícias", da mesma forma que se dizia o "Janeiro"
para "O Primeiro de Janeiro" e o "Comércio" para "O
Comércio do Porto", os quais, com o “Diário do Norte”, faziam então o pleno
da imprensa diária portuense.
As minhas expetativas de potencial "grande repórter"
desportivo ficaram logo reduzidas à modéstia da realidade do que me era proposta:
o que se pretendia era que eu escrevesse umas escassíssimas linhas sobre cada
jogo, complementadas pela constituição das equipas, pelas substituições e pelos
marcadores dos golos. Tudo em muito poucas palavras, pouco mais do que uma
mensagem de "twitter" para cada partida.
O óbice, para quem vivia então num ambiente em que a noite era o
lugar onde passava os dias, é que os jogos eram aos domingos de manhã, em
campos às vezes recônditos na periferia da cidade, obrigando a levantar
"de madrugada" ou, em desespero, a fazer "diretas" das
noitadas na "Candeia" ou na "Japonezinha", às vezes culminadas
com uma ceata no “Ginjal” ou no “Transmontano”. Vida difícil!
Durante alguns meses, para arredondar a mesada e melhorar as doses
no “Zé dos Bragas”, para ir ao cinema ou comprar mais livros na Unicepe, lá fui
ganhando algum dinheiro na tarefa, em ensonadas e frias manhãs ao lado de “rivais”
do “Comércio” e do “Janeiro”.
O Frederico Martins Mendes desapareceu, há dias. Desde que numa divertida
noite, em Lamego, recordámos, entre risadas, esta nossa comum historieta, ele
passou a dizer que me tinha dado o meu primeiro emprego. E era verdade! Aqui deixo
um abraço saudoso ao meu primeiro “patrão”.
(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")
quinta-feira, setembro 03, 2015
António Pinto da França
Um grupo de amigos do Embaixador António Pinto da França tomou a iniciativa de organizar uma sessão em sua homenagem, poucos dias após a data em que teria completado 80 anos de idade.
O Círculo Eça de Queiroz acolheu amavelmente a ideia e facultou as suas instalações para o evento.
A sessão terá lugar no dia 17 de Setembro, Quinta-Feira, pelas 18 horas, nas instalações do Círculo, no Largo Rafael Bordalo Pinheiro, n° 4, ao Chiado, em Lisboa.
A sessão será presidida pela Dra. Teresa Patrício Gouveia, tendo como oradores o Embaixador Fernando d'Oliveira Neves, o Dr. Pedro Canavarro e o Dr. Jaime Gama.
A entrada é livre mas, atendendo ao número limitado de lugares, pede-se que as pessoas interessadas em estar presentes disso informem o Círculo por email (geral@circuloecadequeiroz.com ) ou por telefone (213 428 758 ou 960 364 685).
Agradece-se a divulgação da presente informação.
Santana Lopes
De há muito, Pedro Santana Lopes criou uma imagem que, por razões que não vêm aqui para o caso nem vou agora discutir, se afasta bastante da ideia que ele mantém e quer projetar de si próprio.
Porém, após a decisão de se afastar da corrida presidencial, Santana Lopes tem agora uma oportunidade de ouro para fazer com que o país acabe por aproximá-lo do retrato que ele pretende deixar no imaginário coletivo.
Esse ensejo é a crise dos refugiados. Santana Lopes é provedor da Santa Casa da Misericórdia, uma instituição com muitos meios e experiência em situações de emergência humanitária. Uma boa gestão por parte da Santa Casa desta questão, com sentido político e sensibilidade social, pode trazer a Santana Lopes um amplo reconhecimento nacional.
Saberá ele aproveitar esta oportunidade?
Rui Machete
As palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, defendendo a liberdade de circulação na Europa, na véspera da visita do PM britânico David Cameron a Portugal, revelam bom senso e sentido de defesa do interesse nacional português no contexto europeu.
Não sei
Alguns leitores deste blogue e de notas que deixo no Facebook fizeram-me notar a quase ausência de comentários da minha parte sobre a gravíssima questão, humanitária mas cada vez mais política, que hoje atravessa a Europa, fruto da conjugação temporal da tragédia das travessias migratórias do Mediterrâneo, oriundas em especial através da Líbia, somadas aos fluxos de populações saídas em pânico do atoleiro da Síria.
É verdade. Tenho escrito muito pouco sobre esse assunto, que, mais ou menos silenciosamente, parece estar a mudar a face da Europa. O diferenciado modo como cada país que é confrontado com a questão está a reagir, desde a criação de novos muros e reforço de fronteiras a atitudes de maior compreensão e abertura face aos refugiados, mostra que a Europa está muito longe de caminhar para uma unanimidade nas soluções. Cada país, fruto da sua exposição geográfica, da sua história, da sua riqueza, mas também do modo como as respetivas opiniões públicas olham para o tema e da capacidade e clarividência das suas lideranças, tem uma atitude diversa, às vezes pontualmente conjugada em posições comuns em Bruxelas, outras vezes em claro confronto entre si, com troca de acusações nada amenas, que em nada ajudam à decantação da imagem de uma União Europeia a caminho de uma política comum. Esta é a realidade e não podemos fugir a ela.
Tenho a sensação que, sem nos darmos muito conta, estamos a avançar, com esta nova questão migratória, para a gestação, no seio da Europa comunitária, de uma das realidades mais marcantes na formação das opiniões públicas de cada país, com implicações crescentes no plano da evolução relativa das forças político-partidárias. Para ser mais claro: em alguns Estados, este tema está em vias de tornar-se central na agenda política e pode mudar a respetiva relação interna de forças, num sentido que, estou certo, só favorecerá aquelas que fazem o seu "fond de commerce" no medo e no egoísmo, às vezes na xenofobia e no racismo.
Dito isto, quero deixar claro que não tenho por ora muito mais para dizer. Quem comenta a atualidade tem a obrigação de não ir para além daquilo que julga poder saber. E eu, confesso, não tenho ainda uma opinião firme sobre que tipo de comportamento, em matéria de políticas de fundo, a Europa deveria adotar nesta matéria, para além das platitudes que se dizem sobre a necessidade de intervir, em termos de paz e desenvolvimento, a montante dos problemas, isto é, nos países e regiões de origem dos fluxos migratórios.
Mas há uma coisa que eu sei e sobre essa não tenho a mais leve dúvida: a Europa perderia toda a dignidade e o mínimo de respeito que deve a si própria se não fosse capaz de acomodar e encontrar solução para as pessoas que já estào no seu solo e que agora aqui procuram uma solução para a sua vida. Os homens, mulheres e crianças que nos interrogam, com olhares de desespero, por esses já muitos espaços europeus onde se acolhem hoje refugiados de diversas origens, têm de encontrar um destino de acolhimento.
Portugal pode ter problemas de pobreza, exclusão e desemprego, mas nada se compara à tragédia que aquela gente vive. Essa é a razão pela qual temos a estrita obrigação de assumir a nossa quota de responsabilidade nesta questão. Sem hesitações. Num tema em que tenho muitas dúvidas, essa é a única coisa que eu tenho por certa.
quarta-feira, setembro 02, 2015
O adversário
O curioso debate ontem entre Catarina Martins e Jerónimo de Sousa constatou uma realidade insofismável: o verdadeiro adversário que ambos se propõem abater é, como já se suspeitava, o Partido Socialista.
Amáveis um com o outro - longe parecem idos os tempos de um ódio figadal, quando PCP pensava ter a sua existência em perigo pelo crescimento do Bloco -, os simpáticos representantes da "esquerda da esquerda" há muito perceberam que é na disputa das franjas de simpatizantes do PS (o Bloco debate-se ainda com a "cissiparidade" histórica da extrema-esquerda) que estão as suas margens possíveis de crescimento. Ou os riscos de diluição de apoios.
Um governo de esquerda moderada é o mais perigoso cenário para a progressão eleitoral do PCP e do Bloco, partidos cuja contribuição objetiva para a construção de uma qualquer alternativa política é pouco mais nula, porquanto alimentam posturas sobre questões tidas por essenciais para o posicionamento identitário do país no plano externo que não são compatíveis com nenhuma outra força política com condições de governar, desde logo o PS. PCP e Bloco não gostam do conceito de "arco da governação", que consideram excluí-los. O curioso e óbvio é que são eles próprios quem cuida em se pôr de fora desse "arco".
Imagina-se que, na noite de ontem, os espíritos para os lados da Santana à Lapa e do Caldas devem ter estado bem altos. Têm razões para isso.
Nas quatro semanas que aí vêm, PSD, CDS, PCP e BE reencontrar-se-ão nessa frente comum contra esse temível adversário que os ameaça - o PS. Como nunca deixarei de lembrar, esta "santa aliança", este "bloco lateral" direita/esquerda, não traz essencislmente nada de novo: foi precisamente o mesmo que derrubou o governo do Partido Socialista em 2011, abrindo caminho àquilo por que Portugal passou nos últimos quatro anos.
Nas quatro semanas que aí vêm, PSD, CDS, PCP e BE reencontrar-se-ão nessa frente comum contra esse temível adversário que os ameaça - o PS. Como nunca deixarei de lembrar, esta "santa aliança", este "bloco lateral" direita/esquerda, não traz essencislmente nada de novo: foi precisamente o mesmo que derrubou o governo do Partido Socialista em 2011, abrindo caminho àquilo por que Portugal passou nos últimos quatro anos.
O Partido Socialista está assim sozinho "no meio da praça". Só me custa dizer "orgulhosamente só" para não trazer outras memórias a quem já as tem.
Os russos de Setúbal e outros soviéticos
De um amigo "chegado" (gosto deste conceito caído um pouco em desuso) chegou-me esta nota bem curiosa.
"Não se pode ler tudo e sempre e eu só agora e por um acaso cheguei ao teu post “Petróleo, mentiras e árabes”, recriando uma história famosa dos anos 70. (Tratou-se do episódio dos falsos árabes que foram jantar ao restaurante "Tavares").
Nos dias seguintes, ao jantar, na Rina*, os jornalistas não falavam de outra coisa.
Acontece que em Novembro desse mesmo ano de 1971 houve nova incursão desse grupo de intrépidos foliões, na qual tive a felicidade de participar, fazendo a reportagem no dia seguinte no programa Tempo ZIP, na Rádio Renascença.
O Spartak de Moscovo vinha jogar a Setúbal a segunda mão dos 16 avos de final da Taça UEFA, após empate da zero na Rússia, e a trupe decidiu constituir-se como uma espécie de claque da equipa russa. O Raul Solnado tinha feito o Inspector-geral, de Gogol, no Teatro Villaret, e o guarda-roupa foi o ponto de partida para a brincadeira. Todos vestidos à maneira de aldeões russos do século XIX, embarcámos de autocarro, com partida dos Stones e paragem no Ad Lib, rumo a Setúbal, onde a “claque” russa tinha jantar marcado, antes do jogo, na pousada de São Filipe.
Eu fui introduzido no grupo pelo Solnado, fazia de intérprete e, à socapa, ia gravando elementos para a reportagem da rádio. O chefe de mesa apanhou-me a gravar conversas mas eu chamei-o de lado e segredei-lhe que a gravação era para o KGB, o que o deixou sossegado.
O jantar correu em ambiente de grande exaltação, própria de uma “claque” de camponeses russos do século XIX.
Nem o “colinho” da “claque” valeu aos russos: o Vitória de Setúbal ganhou por 4-0, mas na eliminatória seguinte caiu aos pés de uma equipa romena.
No dia seguinte, dois vespertinos – creio que "A Capital" e o "Popular" – publicaram fotos da extravagante claque do Dínamo de Moscovo na bancada do Bonfim. O Tempo ZIP fez a reportagem por dentro do acontecimento."
Quem me fez este relato, que aqui deixo para a história das diversões mediáticas (na altura ninguém dizia isto), foi o João Paulo Guerra, um grande repórter e uma das grandes vozes da nossa rádio.
Desde há anos, o João fazia, todas as manhãs, para a Antena 1, uma síntese de imprensa que levava a milhares de ouvintes o que de mais importante os jornais reportavam nesse dia. Para tal, o João iniciava cerca das cinco da manhã o seu trabalho. Sabendo-me amigo dele, muitas pessoas me transmitiram, ao longo dos anos, o prazer e utilidade dessa companhia, feita de inteligência, sensibilidade e conhecimento.
A RTP/RDP, ao que fui agora informado, colocou um ponto final nesse espaço informativo. Insondáveis são os caminhos dos senhores que por lá mandam e que, neste caso, terão antecipado mesmo de alguns meses o termo do contrato que tinham com o João Paulo Guerra.
Mas não convém precipitarmo-nos: é importante verificar se isto não está no "MoU" da "troika" e se este governo não obedece apenas àquilo que o mandato de quem o tutela impõe.
Há uma boa notícia nisto tudo: deixando de estar já obrigado a estas matutinas horas, o João passa a estar disponível para umas jantaradas que, até agora, só podiam ter lugar em fins de semana, com ele a bocejar, numa espécie de "jet lag" endémico. Para a semana começamos, João!
* Ó João, explica lá o que é a Rina, porque eu não sei
"The Bastards"
Há poucos meses, no meio de uma caixas com livros do meu tempo de Londres, dei com "Bastards", um panfleto provocatório escrito em 1993 por uma deputada conservadora, Teresa Gorman, contra a liderança do primeiro-ministro John Major.
O título do livro estava ligado a uma entrevista dada por Major a um canal de televisão. Recordo-me muito bem dessa conversa, dirigida por um dos mais experientes entrevistadores. À época, a questão europeia estava no centro do debate no Reino Unido e nós, na embaixada, acompanhávamo-la com muita atenção. Estando longe de ser um euro-entusiasta e debatendo-se com a limitação de ser um fraco "sucedâneo" de Margareth Thatcher, que não fazia o pleno do partido, Major tentava pilotar a difícil posição de Londres perante os seus parceiros. O seu esforço era procurar acomodar um euroceticismo nacional muito evidente com a preservação do papel do Reino Unido na Europa, com vantagens importantes para a City e para o prestígio do país à escala global.
Essa entrevista até não correu mal a John Major. As últimas perguntas haviam sido precisamente sobre os deputados conservadores minoritários, que se mostravam mais rebeldes. Entre eles, havia uma mulher, Teresa Gorman. Era uma figura expressiva, "outspoken", muito anti-Bruxelas e assumidamente situada à direita, em várias temáticas políticas essenciais.
Na conversa tida com o jornalista, Major foi firme perante a dissidência que se adivinhava, mas, ao que me lembro, até foi bastante correto no modo como a abordou. Quando a entrevista acabou, a gravação do som continuou, inadvertidamente. Horas depois soube-se, por um "leak" do canal televisivo, que, nesses segundos de conversa, tida como "off the record" com o jornalista, Major tinha qualificado os seus opositores de "bastards"! Foi o bom e o bonito!
Na conversa tida com o jornalista, Major foi firme perante a dissidência que se adivinhava, mas, ao que me lembro, até foi bastante correto no modo como a abordou. Quando a entrevista acabou, a gravação do som continuou, inadvertidamente. Horas depois soube-se, por um "leak" do canal televisivo, que, nesses segundos de conversa, tida como "off the record" com o jornalista, Major tinha qualificado os seus opositores de "bastards"! Foi o bom e o bonito!
Nos dias seguintes, a imprensa explorou o assunto e os conservadores que mais descontentes estavam com o primeiro-ministro reagiram fortemente quanto à agressividade que, mesmo se em privado, Major se permitira ter. Teresa Gorman foi das personalidades mais escandalizadas e, poucas semanas depois, publicou um livro que, por algum tempo, fez sensação e que se intitulava precisamente "The Bastards". Nele se apresentavam os argumentos eurocéticos e se atacava violentamente John Major. O meu exemplar do livro repousa agora na Biblioteca Municipal de Vila Real onde, aliás, creio que não deverá ter grandes filas para consulta...
Perdi de vista o percurso de Teresa Gorman desde então, tendo apenas sabido que foi suspensa do partido e se tornou, por várias outras razões, uma personalidade mediática. Morreu agora com 83 anos, num tempo em que o Reino Unido volta a um novo "round" de tensão com a Europa.
terça-feira, setembro 01, 2015
Sérgio Godinho
Sérgio Godinho fez 70 anos. Sem qualquer nostalgia pateta mas com um sincero reconhecimento pessoal, noto que a sua música me fez companhia serena por mais de quatro décadas. Alguns dos seus temas fazem parte da minha "playlist" íntima, interpretaram, às vezes na perfeição, sentimentos que fui tendo ao longo do tempo, das raivas às ternuras, das esperanças aos desencantos, confirmando-me que a sintonia geracional é uma realidade sem discussão. Godinho, porém, está mesmo um pouco para além disso, porque não ficou colado, como acontece com outros, a uma espécie de gueto etário. E não deu ares de ter feito um esforço especial para isso. A inteligência com que conseguiu fazer evoluir as suas palavras e melodias, dotando-as de uma contínua modernidade, nem artificial nem obsessiva, transformou-o num dos raros autores que mantêm hoje entre nós uma singular transversalidade de públicos. Sérgio Godinho tem 70 anos. Quem nos dera a todos envelhecer, e ver envelhecer aquilo que dizemos e fazemos, dessa mesma e alegre forma. Não conheço Sérgio Godinho. Se o conhecesse, dava-lhe hoje um abraço. Como se dá a um amigo.
Os velhos turcos
É um lugar comum em algum discurso europeu dizer-se que não
soubemos lidar devidamente com a questão da Turquia e que o que hoje por lá se
passa, da deriva islamizante ao tropismo autoritário de Erdogan, com
gravíssimas consequências geo-políticas potenciais para o futuro do continente,
configura um cenário que poderia ter sido evitado. Dou por mim a repetir esse
mantra com regularidade, mas reconheço que raramente me interrogo sobre se as
coisas poderiam ter seguido um caminho diferente.
A Turquia foi um aliado essencial do ocidente durante a
guerra fria. A NATO e os EUA utilizaram-na como guarda avançada face a Moscovo,
porquanto era, com a Noruega, o único Estado-membro com fronteira com a então União
Soviética. Seria precisamente a importância do vetor militar no contexto do
país (que iria ter também forte expressão nas tensões com outro vizinho na Aliança,
a Grécia) que permitiu que as forças armadas aí desempenhassem, por décadas, um
papel de poder silencioso, a tutela por detrás do palco onde se digladiavam os
atores político-partidários.
No final da Guerra Fria, setores importantes da sociedade
turca manifestaram-se favoráveis a uma aproximação institucional com a Europa
comunitária. Esta demorou a perceber que o “timing” para uma resposta positiva
tinha um prazo de validade. Com efeito, os pró-europeus turcos sabiam que, à
diluição inexorável da tutela militar, corresponderia o recrudescimento daquilo
a que ela fazia frente: o avanço muçulmano na sociedade e nas instituições do
país. A “janela de oportunidade” começava a fechar-se.
Para a Europa, à época, a prioridade eram os antigos países
comunistas do seu Centro e Leste, aproveitando a fragilidade conjuntural da
Rússia. Daí a “pressa” da sua integração na UE e na NATO. Nesse processo, a UE
seria dotada de novos tratados, agora assentes na importância do fator demográfico
no processo decisório, por forma a preservar o poder dos grandes Estados e
anular o impacto da “multidão” de novos países a absorver. Ironicamente, se acaso
a Turquia entrasse nesse novo contexto, Ancara iria ficar no centro do poder em
Bruxelas, o que não era admissível para países como a Alemanha ou a França, com
esta última da “blindar-se” com a necessidade de um referendo de impossível
vitória no caso da entrada da Turquia vir a estar iminente. E, está hoje muito
claro, outros países se juntariam a essa recusa. Desde então, o processo de
adesão da Turquia é um patético “faz-de-conta” em que já nem os turcos acreditam.
A Europa recusou a Turquia, sem perceber o erro estratégico
que isso significou? Ela foi apenas incapaz de gerar, no seu seio, uma vontade coletiva
que permitisse uma solução institucional para a integração turca. Só isso.
Com a crise síria, com o eixo sunita a afirmar-se, a memória
de Ataturk e dos seus “jovens turcos” só sobrevive hoje no crescente autoritarismo.
No resto, é a velha Turquia em progressão, com Istambul a ser cada vez mais
Constantinopla.
(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")
segunda-feira, agosto 31, 2015
A idade na política
A maioria agora cessante prestou um péssimo serviço à imagem política das gerações mais novas. Naquilo que aparentemente procurou ser uma espécie de refrescamento etário, o governo que termina funções acabou enxameado de figuras sem um currículo político significativo, alguns saídos da blogosfera e da intriga nas redes sociais, outros de cenáculos de obsessão neoliberal e do deslumbre das academias estrangeiras, outros ainda do serralho dos gabinetes, como é sempre típico dos tempos de “seca” política. Algumas exceções pontuais de qualidade só ajudaram a melhor definir aquilo que foi uma triste regra nestes quatro anos.
Esta pretendida geração da “rutura”, fortemente marcada por
uma ausência de experiência na gestão do Estado, havia mesmo sido aculturada no
ódio à coisa pública: menos Estado, menor Estado e, como se viu... o que sobrar
“para eles”! O “memorando de entendimento” foi a bíblia mais à mão, a qual,
aliás, tentaram completar com a rápida passagem “a patacos” de tudo quanto
tivessem à mão para privatizar, não fosse o Estado ter a “ousadia” de renascer
após a sua passagem de Átila. O patético afã com que agora estão a delapidar, à
última hora, o que ainda resta no domínio público envergonha e revolta até setores
que lhes são próximos.
A máquina política tem necessidade permanente de ser
rejuvenescida. Os “cabelos brancos” não são, em si mesmos, uma garantia de
competência e de experiência com utilidade e, em especial, de capacidade de
saber ler, com olhos de modernidade, as mudanças de orientação que os novos tempos
exigem. Ter mais idade não é, necessariamente, uma garantia de maturidade com
qualidade. Mas, naturalmente, como agora ficou patente, também o voluntarismo cego no “jeunisme” não assegura, por
si só, um desempenho eficaz.
Uma coisa é, contudo, clara. Por toda essa Europa, os membros
dos governos são cada vez mais jovens e começa a ser evidente que a regra é fazer
assentar na geração com 40/50 anos o essencial da responsabilidade política. Fora
disso, e não obstante a maior longevidade dos quadros, é hoje bastante mais natural
conferir funções governativas a jovens na casa dos 30 anos do que a figuras
entradas na faixa dos 60. Algumas pessoas não gostarão de ler isto, mas esta é
a realidade dos factos.
Por isso, um futuro governo PS deverá apostar na
responsabilização de quadros políticos jovens, militantes ou independentes, que
hajam dado provas ou deem garantias de um forte sentido de Estado, de devoção
desinteressada pela vida cívica, de maturidade na ação política e na gestão da
coisa pública, a somar a uma necessária formação académica e profissional,
assente em currículos que passem para além das funções de “aparelho”. Urge preparar
a geração de responsáveis políticos para os anos exigentes que aí vêm.
Atribuir-lhes desde já responsabilidades, dar oportunidade a que usem os anos
mais produtivos das suas vidas adultas ao serviço da comunidade, é uma aposta
essencial para assegurar que o país poderá contar com quem assuma, com
eficácia, a sua futura liderança.
(artigo hoje publicado no Acção Socialista digital)
Folhetim
O "Diário de Notícias" encerra hoje o seu folhetim de verão, um curioso espaço de ficção política que, desde o início de agosto, entreteve os seus leitores e trouxe mesmo um pouco de "sal" à campanha pré-eleitoral. Embora podendo parecer fácil, tratou-se de um exercício complexo, porque elaborar sobre uma suposta realidade futura daquela sensibilidade torna-se, às vezes, bem mais perigoso do que especular sobre a banalidade dos factos realmente ocorridos.
O autor do folhetim, hoje revelado, foi Ferreira Fernandes, um dos grandes nomes do nosso jornalismo e, muito provavelmente, o mais brilhante cronista atual da imprensa portuguesa. Encher diariamente, durante semanas, a última página de um importante jornal, adequar o texto à evolução da situação política, trabalhar, de forma rigorosa e culta, mas também equilibrada e equitativa, um contexto político sob permanente tensão, não deve ter sido uma tarefa simples. Os textos foram corajosos e ousados, pelo que imagino que certas figuras estejam, a esta hora, aliviadas pelo termo do folhetim. Outras, coitadas, devem ter ficado furibundas pelo facto do autor as ter ignorado.
Deixo aqui ao José Ferreira Fernandes a expressão da minha admiração pelo seu notável trabalho e o voto de que continue, sem falhas, a dar-nos o diário prazer daquela sua indispensável coluna no DN. Já faz falta, sabe?
Direito à preguiça
Há dias, estava burguesmente a comentar com um amigo que só em muito raras ocasiões sou capaz de aguardar mais do que um par de minutos por uma mesa num restaurante, que detesto ficar em filas de qualquer espécie (prefiro desistir das coisas), que não tenho a menor pachorra para ir a locais onde não possa estacionar o carro perto (se possível, mesmo à porta!), que detesto ter de servir-me em self-services de tabuleiro, que só em desespero de causa como em buffets, de pratinho na mão, e outras coisas tão altamente cansativas e irritantes, onde se inclui, naturalmente, dar o NIF para obter uma fatura (somos o único país do mundo onde esta prática existe, sabiam?).
A minha única deriva desta linha descansativa de comportamento, que em mim já é quase uma vertigem de natureza "workaholic" ou "stakhanovista", é o estranho gosto que tenho em meter gasolina no carro eu próprio (e já descobri a razão: porque detesto aquela mania dos funcionários de "acertarem" números redondos, quando lhes peço "depósito cheio").
A reação desse meu amigo, que, não por acaso, também é um admirador do Taki do "The Spectator", foi magnífica (e definitivamente instrutiva!):
- Meu caro, és cá dos meus! Eu nem às mesas dos doces vou! Era o que faltava! Sabes que até já desisti de comer fondue ou racklette, só pela trabalheira que aquilo dá?!
(Será só ironia? Ou "com a verdade me enganas"?)
Em tempo: esqueci-me de acrescentar que não vou a restaurantes que não aceitam reservas (gostava tanto de visitar a "Taberna da Rua das Flores", mas a vida é assim...) e, nunca por nunca, aceito ir a lugares sociais onde, à porta, haja um porteiro de cuja vontade dependa a minha entrada.
(Será só ironia? Ou "com a verdade me enganas"?)
Em tempo: esqueci-me de acrescentar que não vou a restaurantes que não aceitam reservas (gostava tanto de visitar a "Taberna da Rua das Flores", mas a vida é assim...) e, nunca por nunca, aceito ir a lugares sociais onde, à porta, haja um porteiro de cuja vontade dependa a minha entrada.
domingo, agosto 30, 2015
Paulo Rangel
Tenho um sentimento ambivalente face a Paulo Rangel.
Várias vezes, tenho lido e ouvido, até em debates onde coincidimos, reflexões suas sobre questões europeias que relevam da sensatez de alguém que, tendo uma sólida formação académica, tem vindo a refletir com serenidade sobre o estado da Europa e das suas políticas e, no seu caminho recente pelas instituições bruxelenses, tem aproveitado para sedimentar ideias e decantar juízos que podem ajudar à construção de uma nova postura nacional nesse contexto. Num país que não se pode dar ao luxo de clivagens levianas na sua postura externa, algumas ideias de Paulo Rangel merecem ser ponderadas.
Contudo, e para (já não muita) surpresa minha, esse mesmo Paulo Rangel convive, frequentemente, com uma personagem com laivos trauliteiros, quase populistas, com um tropismo para o ataque descabelado e "ad hominem", nada consentâneo com o perfil respeitável antes referido. Fica a sensação de que o intelectual Paulo Rangel, não encontrando entre os seus um ambiente de apreço e acolhimento à altura da qualidade das suas ideias, se resigna a procurar aplausos de satisfação através de um recurso a um registo caricatural, demagógico, descendo o discurso a níveis que chegam a chocar pelo seu primarismo.
O que Paulo Rangel ontem afirmou na "universidade de verão" do seu partido, mesmo descontado o facto de se estar em tempo de campanha eleitoral (mas talvez justificado por ser na "silly season") toca um registo verdadeiramente inqualificável. Duvido seriamente que o intelectual Paulo Rangel, regressado à serenidade do seu gabinete, possa aceitar, sem um sorriso embaraçado, o que o militante Paulo Rangel foi capaz de afirmar, em coreografia saltitante de palco, para arrancar alguns títulos e meia dúzia de palmas de "jotas".
Há uma coisa que, um destes dias, Paulo Rangel vai ter de decidir, de uma vez por todas: se quer ser levado a sério ou não.
China
A economia chinesa está em forte desaceleração e isso está a ter impactos negativos sérios nos países cuja produção era absorvida pela expansão dessa economia.
Este interessante mapa do "The Economist" mostra, em percentagem das exportações por cada país, essa mesma dependência.
Olhe-se a África Subsariana (Angola e Moçambique), os países do Golfo, o Irão, Ásia Central, a Austrália, mas também alguma América do Sul (Argentina e Chile, mas também Brasil, Venezuela e Colômbia) e, naturalmente, muito do Sudeste asiático. Curiosamente, verifica-se que Índia e Indonésia não sofrem efeitos significativos.
Ingrid Bergman
Passam 100 anos desde que nasceu e o "toast" de Rick continua cada dia mais válido: "Here's looking at you, kid!"
sábado, agosto 29, 2015
A sina do Brasil
Um gráfico do "The Economist" que é muito elucidativo sobre a evolução do PIB no Brasil. Creio que isto pode ajudar a entender também a situação política que por lá se vive. Ou, como disse um dia James Carville, numa célebre réplica para explicar as flutuações do eleitorado, na campanha presidencial de Bill Clinton: "It's the economy, stupid!".
A ferramenta
Era 1975, foi há precisamente 40 anos. Aproximavam-se as eleições para a Assembleia Constituinte, no dia 25 de abril. O país estava ao rubro. Um mês antes tinha sido o "11 de março", as nacionalizações, um crescendo de tensão que iria transformar o verão seguinte em meses de inusitada conflitualidade política. Os partidos, em especial à esquerda, eram então imensos, nasciam como cogumelos, as paredes estavam pintadas ou pejadas de cartazes com os símbolos e as frases de apelo e luta.
Numa "saltada" de Lisboa a Vila Real, aproveitei para ir às Pedras Salgadas. Por lá moravam, numa mesma casa, quatro tias, irmãs da minha avó, duas solteiras e duas viúvas, que ainda hoje fazem parte da minha mais saudosa memória afetiva. Ir ver "as tias" não era uma obrigação, era um imenso gosto conversar e tomar o inevitável chá com aquelas bondosas e incomparáveis senhoras que, à época, tinham entrado quase todas na casa dos 80 anos.
A política nunca fora tema de conversa naquele ambiente mas, mais por curiosidade do que por outra coisa, não deixei de lhes perguntar se já tinham decidido em que partido ou partidos tencionavam votar, nas eleições que estavam à porta, de que tanto se falava. A televisão era a sua companhia habitual e, não sendo embora pessoas muito ilustradas, eram pessoas atentas à realidade e com um grau de educação que lhes facilitava o acompanhamento da situação. A Revolução não era, com certeza, algo que as sossegasse, tanto mais que, na nossa família, o 25 de abril trouxera algumas consequências pessoais menos fáceis de gerir e, em certos casos, suscitara temores que eu me divertia sempre em amenizar.
Com exceção de uma delas, apenas ligeiramente mais nova, regressada poucos anos antes do Porto, onde vivera bastante tempo, e que talvez votasse no PS, eu estava em absoluto convicto que o CDS ou o então PPD seriam o destino normal dos votos das outras minhas tias. Talvez tivessem mesmo sido já "apalavradas" pelo prior da freguesia, o excelente e simpático padre Domingos, que, com certeza, seguia a onda de um clero nortenho que, à época, "diabolizava" fortemente a esquerda.
Recordo-me, contudo, que se mostravam muito hesitantes, julgo que chegaram a perguntar-me a minha opinião (eu ia votar no MES, mas não tinha coragem de as tentar convencer...), embora sem necessariamente prometerem seguir o que eu dissesse, claro. Até que uma delas contou:
- Esteve cá há dias a dona Albertina - que tu conheces! - e veio falar-nos das eleições, dos comunistas e coisas assim. Deu-nos um conselho...
Fiquei imensamente curioso sobre qual teria sido o "conselho" da dona Albertina, uma senhora bastante mais nova, que tinha vivido até há pouco em Lisboa, que devia andar a fazer proselitismo conservador, pela certa. Mas a minha curiosidade foi logo saciada:
- Ela disse-nos que se pode votar em todos os partidos desde que não tenham ferramenta no emblema...
Dei uma imensa gargalhada, lembrei-me da imensidão de foices e martelos que adornavam as imagens dos partidos, bem como de enxadas e rodas dentadas que ilustravam outras formações. O conservadorismo da dona Albertina, afinal, era muito moderado. Aliás, a senhora informara-as de que ia votar no "partido da mãozinha", do Mário Soares, que "parecia boa pessoa e que não gostava dos comunistas".
Nunca soube ao certo em quem votaram as minhas queridas tias. Uma coisa sei hoje, de ciência certa. Por essas e por outras é que o PCP guarda nas eleições "a ferramenta" e opta por um azul celestial em lugar do vermelho da luta. Brincamos, não?!
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