domingo, novembro 11, 2012

Grande guerra

Ontem, na "Mairie" de Lillers, no norte da França, tive o gosto de inaugurar uma placa que assinala a memória dos muitos portugueses que perderam a vida na 1ª guerra mundial. Fi-lo a convite do "maire" da localidade e de Félicia Assunção, a orgulhosa filha de um combatente português que, depois do conflito, por lá ficou e cuja larga família hoje cultiva, com grande empenhamento, essa memória.

Hoje, na fria manhã de Paris, assisti à cerimónia em que o presidente François Hollande prestou homenagem aos mortos franceses em combate, nesta que é a data que celebra o armistício que pôs termo a primeira guerra mundial. 

Dentro de pouco mais de um ano, iniciar-se-ão, em vários países, as celebrações da guerra de 1914-1918. Só posso esperar que, em Portugal, haja vontade e capacidade de organização para participar com dignidade, ao lado dos nossos aliados de então, no sublinhar dessa nossa valorosa participação para a liberdade do continente. Por nossa exclusiva culpa, Portugal fica muitas vezes fora do "retrato" dos vencedores do primeiro grande conflito mundial. É necessário aproveitar as comemorações que aí vêm para retificar essa persistente falha e a França é o lugar certo para isso se fazer.

sexta-feira, novembro 09, 2012

Novembro

Saiu há dias. É o romance de uma geração política que perdeu o império em que acreditava, que pretendia que se mantivesse "do Minho a Timor" (então já sem "escala" na Índia), que tentou que o mundo ficasse à espera dum Portugal ditatorial parado no tempo, teimosa e orgulhosamente só com a sua falsa e forçada verdade - como a história do alentejano que achava que eram todos os outros que iam em sentido contrário na autoestrada. 

Em "Novembro", Jaime Nogueira Pinto relata a luta inglória dos "nossos" nacionalistas revolucionários, os fascistas a que tínhamos direito, ironicamente aliados e a usufruirem do capitalismo que ideologicamente antes abominavam. Em 1974, viram surgir abril como uma ameaça à sobrevivência do país com que haviam sonhado e que queriam impor aos todos quantos pensavam de forma diferente - sem nunca considerarem que outros, por esse mundo onde se fala português, também tinham direito a afirmarem as suas próprias pátrias e o seu destino.

Conheci o Jaime Nogueira Pinto em 1973, ao lado de quem iniciei o meu serviço militar, servindo ambos na operosa especialidade de "Ação Psicológica". Tal como ele estava a par do que eu pensava, também eu sabia das suas ideias, até porque o lera com atenção no "Agora" e na "Política" - até hoje, tenho o imparável "vício" de acompanhar o pensamento de quem tem ideias diferentes das minhas. Por isso, foi agora muito curioso ler este retrato de um país pintado a preto-e-branco, entre 1973 e 1975, um Portugal em tudo bem diferente do meu.

Por ele ficamos a conhecer, entre bem desenhados amores e desencontros - de Lisboa a Luanda, de Madrid a Londres, da África do Sul aos Estados Unidos - o trauma e as ressacas de abril, a desilusão com Spínola, a "golpada" frustrada do 28 de setembro, a "esparrela" em que caíram no 11 de março e, depois, no desespero, a conspiração violenta urdida em terras de Espanha. O livro levou-me à outra trincheira, na barricada ideológica que então me separava do Jaime. Por ele fiquei a saber como pensavam e se organizavam, muitos deles circulando entre bons hotéis e belos restaurantes madrilenos, quantos andaram pelo ELP e pelo MDLP, aliados a alguma igreja que os benzia, a uma certa banca que os financiava e a muito "lumpen" que os servia (que é pena não ser posto no livro com a evidência que "merece"), que se dedicavam a pôr bombas e a caçar "comunistas" - conceito abrangente que o radicalismo direitista alargava ao absurdo.

Esta é uma inédita história do "PREC" vista do outro lado, uma revolta revanchista titulada por quantos, se acaso tivessem ganho na noite de 25 de novembro de 1975 (obrigado, sempre, Ernesto de Melo Antunes), talvez tivessem usado as chaves do Campo Pequeno. Que a esquerda, mesmo quando gabarola e no poder, nunca usou, registe-se.

Em minha opinião, este romance, 640 páginas que se leem de um fôlego e que francamente recomendo, acaba por ser um não deliberado elogio à tolerância de quantos souberam conduzir o processo aberto em abril de 1974, e terminado em novembro de 1975, até desembocar pelos caminhos da democracia que hoje é matriz da nossa vida cívica. Embora, como seria expectável, saia algo mal de um livro onde praticamente não é mencionado, Francisco da Costa Gomes acaba, a meu ver, por ser o herói escondido desta obra. 

Estou mais do que certo de que o Jaime estará muito longe de concordar comigo, em toda a avaliação do seu livro que acabo de fazer, como terei oportunidade de testar na conversa que teremos, aqui em Paris, no jantar de hoje. É que, desde há quadro décadas, nós habituámo-nos a celebrar, sempre com muito humor e de há muito com uma leitura irónica do nosso extremado e contrastante radicalismo de então, uma amizade que o facto de termos estado em polos bem opostos da trincheira política nunca beliscou, talvez porque ambos, cada um à sua maneira, pensou sempre no interesse de Portugal. Para a conversa e a alegria da noite ficarem completas, faltar-nos-á, contudo, a Zezinha.  

Empresas

Muitas vezes, Portugal, visto de fora, anima-nos bastante.

Ontem, tive essa sensação ao falar com as 57 PME's portuguesas, presentes no MIDEST, uma feira nos arredores de Paris onde estão representados setores industriais portugueses, maioritariamente na área da metalomecânica.

À entrada, o diretor da feira referia-me o facto de, de ano para ano, haver cada vez mais empresas nacionais neste importante certame de subcontratação. Nas conversas com os empresários, não obstante algumas notas negativas quanto às dificuldades no acesso ao crédito, nos custos energéticos e dos transportes, observei um ambiente de generalizado otimismo e de anúncio de bons negócios. Não encontrei uma única em que a exportação não representasse mais de 50% da faturação e, em grande parte delas, esse valor oscilava entre 75 e 95%.

Há um novo Portugal no nosso mundo empresarial.

quarta-feira, novembro 07, 2012

O meu novo "tacho"

O Centro Norte-Sul é uma estrutura que, desde 1989, tem sede em Lisboa e que tem como finalidade ligar o Conselho da Europa - em temáticas como a democracia, direitos do homem, diálogo intercultural, etc - a uma área a que se convencionou chamar Estados "do Sul", nomeadamente no continente africano.

Desde a sua criação, o Centro passou por várias vicissitudes e, se olharmos bem o tempo histórico, verificaremos que atravessou o período das grandes convulsões contemporâneas, desde a queda do muro de Berlim à emergência do terrorismo global, das grandes polémicas civilizacionais às chamadas "primaveras árabes". O mundo mudou muito, o Centro mudou com ele mas talvez não o suficiente para nele manter interessados Estados tão importantes como a Alemanha ou a França, os quais, com alguns outros, optaram por abandoná-lo, com as consequências orçamentais correspondentes. O Centro apresenta hoje um número de membros que é já inferior àquilo que formalmente é necessário para garantir a sua sustentação. E, porque o orçamento de que dispõe foi seriamente afetado, a sua capacidade para gerar iniciativas e projetos que cativem novos membros está hoje fortemente reduzida.

É perante este cenário de fundo, no mínimo extremamente complexo, que fui convidado a dirigir o Centro Norte-Sul, com o "estímulo" acrescido de não ir ganhar, nessa tarefa, um euro mais do que aquilo que já seria o meu salário normal de base, quando regressasse a Portugal, por imperativo de idade. Faço-o porque achei interessante assumir o desafio de tentar tirar o Centro - cujo acervo de atividades me parece muito interessante - da muito difícil situação em que se encontra. Logo veremos, a partir de 1 de fevereiro, se consigo fazê-lo ou não, com algumas ideias que tentarei pôr em prática.

Dia claro

Hoje, por uma vez, o sol nasceu a oeste. Nada garante que os dias que aí vêm para o mundo sejam brilhantes, mas, como europeu, fico bastante mais sossegado com a vitória de Obama.

Comboios

Era um homem muito simples, das Beiras. Começámos a conversar naqueles corredores estreitos do Sud-Express, em direção a Paris, naquele verão de 1970. Contou-me que ia para a Alemanha, onde trabalhava na construção civil. Para sempre, ficou-me uma frase que me disse, e que dava bem conta do profundo choque cultural entre o mundo de onde provinha e aquele em que habitava, num subúrbio de uma grande cidade: "Perto das barracas onde estamos 'anda' uma grande estrada e, à noite, quando nos chegamos à beira dela, aquilo até mete medo, com as luzes dos carros a passarem tão depressa". Em Portugal, nesse tempo, as autoestradas eram uma miragem.

À medida que nos aproximávamos da gare de Austerlitz, perguntei-lhe como iria para a gare du Nord, de onde partiria num outro comboio, para a Alemanha. Disse-me que havia motoristas portugueses que andariam por ali e que o transportariam entre as duas estações. Pelo que me contou, o preço que habitualmente lhe cobravam era uma exorbitância, um verdadeiro roubo. Era bem conhecida, na altura, a existência dessa máfia de portugueses desonestos, que rondavam Austerlitz e exploravam os desamparados compatriotas, que não sabiam uma palavra de francês e se abandonavam nas suas mãos.

Porque ele só tinha uma mala, perguntei-lhe se não queria ir de metropolitano, cujo bilhete era um preço ínfimo, comparado com o que os motoristas lusos lhe cobravam. Por acaso, eu ia seguir na mesma linha e, com todo o prazar, ajudá-lo-ia até à gare du Nord. O homem, que até então tinha tido comigo uma conversa distendida e cordial, olhou-me, claramente desconfiado com "tanta fartura", provavelmente convencido que eu lhe estava a tentar fazer algum "conto do vigário". À saída, de forma quase ostensiva, evitou-me e lá deve ter ido entregar-se nas mãos dos abutres lusitanos motorizados.

Ontem, na gare de l'Est, veio-me à memória o episódio passado com aquele português, ao constatar a atrapalhação de um cidadão, que vim a saber ser búlgaro, perdido no meio da multidão do fim de tarde, com um ar angustiado, sem falar uma palavra de francês, num ambiente de generalizada indiferença. Vendo-o nervoso, quase tremendo, com claro pânico de perder uma ligação, perguntei-lhe se necessitava de ajuda. Mostrou-me o bilhete. Orientei-o, levando-o até à porta da carruagem. Desfez-se em agradecimentos, talvez surpreendido por alguém se ter disponibilizado a auxiliá-lo, sem nada lhe pedir em troca.

Devo dizer que tive gosto em poder ter esse simples gesto, porque, às vezes, alguns trabalhadores estrangeiros que por aqui encontro, na simplicidade insegura de quem caiu num mundo que não domina, não deixam de me recordar os heróis anónimos das nossas vagas da emigração do século passado.

segunda-feira, novembro 05, 2012

América

Como acontece cada quatro anos, por estes dias, todos somos um pouco americanos. Todos (portugueses, chineses, russos e até israelitas) temos o "nosso" candidato numas eleições que cabe aos americanos decidir, sabendo, de certeza segura, que alguma coisa acabará por sobrar para nós daquele que vier a ser o resultado da sua escolha. Talvez não fique bem dizer isto, mas esta cíclica fatalidade é um sinal claro do que é, na realidade, a "independência" do resto do mundo. 

Ah! e uma coisa é clara: qualquer que venha a ser o presidente americano para os próximos quatro anos, ele vai, forçosamente, desiludir-nos. Porquê? Por uma razão bem simples: porque ele é eleito para defender os interesses americanos e não os nossos. 

Os dias do movimento (*)

Estes não são dias como os outros. Na carreira diplomática, as pessoas mudam de postos, de tempos a tempos. Uns transitam entre embaixadas ou consulados, outros passam de Lisboa (da "secretaria de Estado", no jargão da carreira) para lugares no estrangeiro ("para posto"), ou vice-versa. Às vezes, estas novas colocações acontecem caso-a-caso, espaçadas entre si no tempo. Outras vezes, as nomeações têm lugar para um conjunto mais ou menos largo de funcionários. Neste caso, ocorre aquilo a que se chama, na tradicional linguagem das Necessidades, "o movimento". São esses os dias que vivemos.

O movimento é um evento sazonal importante, uma reorientação dos destinos da casa pela tutela, com a atribuição de novas responsabilidades aos funcionários. O movimento mais importante, como é natural, é aquele que envolve os embaixadores e os lugares de chefia em Lisboa. Nunca se sabe, ao certo, quando esse movimento tem lugar, pelo que é invariavelmente precedido de uma imensidão de boatos sobre a sua efetiva concretização ("dizem que já está para assinatura em São Bento"), com palpites diários sobre datas ("cheira-me que ainda sai esta semana. Já tem o OK de Belém"), sempre de "fontes fidedignas" ("uma senhora do 'quarto andar' garantiu-me que já está para publicação") e bem informadas ("já seguiram os pedidos de "agrément", consta do gabinete") Umas vezes, as coisas vão-se sabendo aos poucos, fruto das fugas nas "consultas" ("Não digas a ninguém! O homem pediu-me silêncio, mas foi sondado e aceitou, com a garantia da "promoção", vá lá!"), noutras permanecem "no segredo dos deuses" até bastante tarde.

Sobre a substância do movimento, a "cultura" do claustro e dos corredores cria, durante semanas consecutivas, "bocas", mais ou menos fundamentadas ("nem te passa pela cabeça quem vai para Bamako!" ou "já está tudo assente: o homem vai mesmo para Hanói. Até já tratou da escola para o filho..."). A coreografia também é vista à lupa ("o tipo já se passeia como se o lugar fosse dele" ou "dizem que o homem anda, há dias, a rondar o 'terceiro andar'" ou ainda "viram-nos a almoçar juntos nas 'Espanholas'; não é por acaso!").

Com a aproximação do seu anúncio, as informações sobre o movimento vão-se tornando mais fidedignas, sendo progressivamente preenchido o quadro virtual de vagas ("afinal, confirma-se que 'fulano' sempre avança para Kampala. O 'beltrano' bem tentou, mas lixou-se e não conseguiu o posto"). Há sempre uns "connaisseurs" frustrados, que depois procuram justificar os seus erros de avaliação ("estava para ser como eu te tinha dito na semana passada, mas houve acertos de última hora, garantiram-me! É sempre assim!"). Há, ainda, as desilusões ("'sicrano' está fulo! Tinha por certo ir para Dushambe e, afinal, fica na secretaria de Estado. Parece que está à espera de Ulan Bator, que só 'abre' em maio, com a passagem 'à disponibilidade' do outro").

E, por fim, há as surpresas. As surpresas são o verdadeiro "sal" dos movimentos, as nomeações de quem se julgava "não colocável" ou de quem se não esperava que viesse a assumir certas funções. Tanto podem emergir de postos atribuídos ("então não queres ver que aquele tipo, depois de tudo o que se passou, ainda conseguiu ser colocado em Cartum? Francamente!...") ou (caramba! Viste o "postaço" que o tipo apanhou, vindo de onde vinha?) como dos lugares "na secretaria de Estado" que foram objeto de preenchimento ("e o homem lá vem para o lugar que queria. Vamos ter que o aturar em Lisboa. Com o feitio dele, vai ser bonito!").

Frases mais ou menos parecidas com estas devem ouvir-se, por estas horas, no claustro e corredores das Necessidades. Foi sempre assim! Os dias do movimento são sempre dias movimentados.


(*) Esta é, no essencial, a reprodução de um post de 3.1.12. Voltou a ser atual, razão pela qual o republico

sábado, novembro 03, 2012


Justiça e Paz

No início da minha intervenção, deixei claro que vinha "de outra freguesia", mas isso não diminuiu o grande gosto que tive em participar em mais uma iniciativa da Comissão Nacional Justiça e Paz, que hoje teve lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O convite foi-me formulado pelo professor Alfredo Bruto da Costa, uma figura por quem tenho grande admiração, pela sua persistente luta em favor daqueles que a sorte esqueceu.

O tema do encontro era "Portugal - o país que queremos ser", mas a mim coube-me, num "mano-a-mano" com o meu amigo Guilherme Oliveira Martins, trabalhar de forma crítica e prospetiva o documento "Para uma reforma do sistema financeiro e monetário internacional na perspetiva de uma autoridade pública de competência universal". Trata-se de um interessante texto que, apoiado em algumas Encíclicas, interpela os cidadãos e os Estados, lançando desafios ao mundo multilateral. O debate que se seguiu foi muito enriquecedor e, como não podia deixar de ser, cruzou a doutrina social da Igreja com a política europeia e algumas temáticas do quotidiano nacional.

Na minha intervenção, procurei sublinhar os aspetos mais relevantes das propostas contidas no texto e julgar da sua compatibilidade realista com os modelos multilaterais relevantes, desde a ONU à OMC, das questões ambientais globais à reforma do sistema de Bretton Woods.

E, de passagem, porque o documento, que tem origem no Vaticano, é impiedoso para as derivas liberais, não deixei de notar a estranha circunstância de ser da Universidade Católica Portuguesa que emana a mais radical produção neoliberal que por aí anda, ao que parece, como fiz questão de dizer, bem menos preocupada com a pauperização da sociedade do que com a promoção da "popperização" das almas.

Abandono

Nesta madrugada, leio no "Público", na net: "Embaixador Francisco Seixas da Costa abandona funções em Paris". Só aparece o título, mas a notícia deve sair logo na edição impressa. Mas para quem, nas horas que faltam, atentar apenas nessa linha, pode ficar a dúvida: foi ele quem abandonou o posto? Ou "sanearam-no"? Não seria a primeira vez...

Nada disso. Dentro de menos de três meses chego, com toda a naturalidade, ao limite da idade em que, por lei, posso permanecer em funções no estrangeiro. Tenho esta data na cabeça desde que, em 14 de agosto de 1975, entrei para o MNE. O meu regresso a Lisboa é, assim, em tudo idêntico ao que abrangeu uma imensidão de colegas, em todas as gerações. 

Se acaso o "Público" me tivesse perguntado, ter-lhe-ia revelado, em exclusivo, que irei chegar a Lisboa 48 horas antes da data do limite de idade, por razões - essas sim! - extremamente ponderosas: tenho nessa noite uma reunião do "praesidium" da "mesa dois" do bar "Procópio", que lançará as bases para o nosso jantar anual, que, desta vez, terá lugar em fevereiro. Há minutos, por lá, entre cervejas e chás, foi escolhido um nome para o repasto 2013, desta vez com inevitável odor a "troika": "Jantar da Refundação". Que tal?

sexta-feira, novembro 02, 2012

Partidas & chegadas

Ainda um dia alguém me há-de explicar por que diabo, perante horas a aguardar o embarque num avião, como aquele que neste momento me faz perder a tarde em Orly, nos é dada a justificação de que "o atraso é devido à chegada tardia do avião". Estão a gozar conosco ou quê? Que nos interessa saber se foi a chegada tardia (e, se foi assim, porque se atrasou?) ou a birra de alguma tripulação ou um parafuso mal apertado?

Essa informação é tão importante quanto aquela pateta indicação (sempre presente em cada voo) sobre a temperatura exterior ou a altura a que o avião segue? O que é que isso interessa? Evita que saiamos para apanhar ar?

Digam-nos apenas, com certeza certa, a que horas sairemos, para podermos planear a vida e, até lá, e também se possível durante o voo, não nos poluam os ouvidos, sim? Pagámos para viajar no sossego que for possível.

quinta-feira, novembro 01, 2012

Condolências diplomáticas

Sempre que uma personalidade política de relevo de um país morre, é de regra que as embaixadas que esse Estado tem espalhadas pelo mundo abram, durante alguns dias, um livro de condolências. Esse livro recolhe notas de simpatia de quem quiser associar-se aos pêsames. As embaixadas de países amigos costumam marcar a sua presença, através do embaixador ou de um outro funcionário por este indicado.

Por regra, os embaixadores reservam-se para as condolências por morte de figuras mais relevantes - chefes de Estado ou de governo -, encarregando da tarefa um seu colaborador quando a figura desaparecida tem uma importância institucional menor. Diga-se que já tenho visto a abertura de livros de condolências pelo falecimento de personalidades que estão muito longe de ser conhecidas no exterior e, muito menos, são relevantes. Mas imagino que as embaixadas não possam eximir-se às instruções que recebem das capitais.

Um dia, algures, um embaixador estrangeiro pediu para me ver, com alguma urgência. Recebi-o pouco depois. Entrou no meu gabinete de semblante grave e com ar muito preocupado. O que tinha acontecido? Na véspera, tinha-se deslocado à embaixada de um país de expressão portuguesa, para preencher o livro de condolências pela morte de uma importante figura de Estado. Porém, por um "lamentável lapso", em todo o longo texto que escrevera no livro, com quase uma página, onde relevara as imensas qualidades e a sabedoria do estadista que desaparecia, colocara erradamente, e por mais de uma vez, o nome de um outro Estado lusófono.

Esse colega, com "pouca África" no currículo e de uma área do mundo dela algo distante, estava seriamente mortificado com as consequências potenciais que esse seu lapso poderia vir a ter nas relações entre o seu país e o Estado lusófono em luto, que seguramente se iria sentir ofendido com o seu grosseiro erro. Vinha perguntar-me o que haveria de fazer, "porque vocês conhecem-nos melhor a eles".  

Pondo implicitamente de parte a "expertise" pós-colonial que me era atribuída, pensei alto, com base no bom senso. Se acaso fosse pedir desculpa ao embaixador que tinha aberto o livro de condolências, seria muito difícil dar-lhe uma razão plausível para trocar o nome do seu país. Seria como que uma presunção da irrelevância do Estado que ele representava ou um atestado à sua própria ignorância (não sei se tive coragem de lhe dizer isto, confesso). Assim, não me parecia que ganhasse grande coisa com um ato de contrição. Mas também não poderia excluir que, se acaso o erro fosse detetado, alguns sobrolhos nacionalistas se cerrariam. Era, de facto, uma situação com contornos algo delicados. 

E, sem ter nenhuma certeza, deixe-lhe um conselho, ou melhor, disse-lhe o que faria se acaso estivesse no seu lugar (situação que, sem falsa modéstia, me parecia implausível). Porque sempre presumira que ninguém se devia dar ao trabalho de ler os livros de condolências abertos pelas embaixadas no estrangeiro, devendo haver apenas um levantamento das assinaturas, eu era de opinião de que talvez valesse a pena, pura e simplesmente, esquecer o assunto. Não o vi muito sossegado, mas agradeceu, concordando, a minha sugestão e lá saiu, ainda ajoujado de culpa. 

Tempos mais tarde, numa conversa com o embaixador lusófono, testei-o quanto ao colega "gaffeur", para tentar perceber se acaso existiria, da sua parte, algum agravo. Inventei, assim, que tinha ouvido, da parte deste, palavras muito simpáticas a seu respeito. A resposta surpreendeu-me: "Ah! mas é um grande amigo! Ainda há dias, organizou um jantar em minha honra na sua residência. Temos excelentes relações!". 

Ora ainda bem, pensei para comigo. E, inapropriadamente divertido no meu íntimo, tenho-me sempre lembrado desta história quando, nas embaixadas, assino os livros de condolências, coisa que faço sempre com a maior atenção à geografia.

O outro défice


Das notícias de hoje:
  • a justiça deixou prescrever o caso Bragaparques.
  • Valentim Loureiro recusa-se abandonar a Câmara municipal de Gondomar, apesar da decisão da justiça. (E, em Oeiras, tudo continua como dantes, à espera das prescrições).
  • estivadores, que prosseguem uma greve que está a condicionar fortemente as exportações, assumem tristes atitudes públicas de desrespeito em frente ao parlamento.
  • os maquinistas da CP voltam, uma vez mais, a tomar o país como refém.
  • os sindicatos da (pública) Caixa Geral de Depósitos aproveitam para gozar a ponte.  
Em tempo: e que os puristas não venham com a tese da independência do poder judicial e os obreiristas com a "justa luta" dos que têm ótimos empregos...

quarta-feira, outubro 31, 2012

Eça, agora!


Como diria enfaticamente José Hermano Saraiva, "foi aqui", no nº 5 da rue Crevaux, que liga a avenue Foch à avenue Bugeaud, que José Maria Eça de Queiroz, recém nomeado Cônsul de Portugal em Paris, alugou a sua primeira habitação, das três que viria a ocupar durante a sua estada na capital francesa, onde morreu em 1900. 

Eça viveu na rue Crevaux entre 1889 e 1891 e, por alguma razão, esta sua morada não estava assinalada com uma placa. Decidi tomar a iniciativa de colmatar esta lacuna e, passados meses de autorizações e procedimentos administrativos, vai ser agora possível descerrar essa memória.

Assim, no domingo, dia 25 de novembro, às 12.00 horas, celebrando nesse dia a data do nascimento de Eça de Queiroz, será feito o descerramento formal da placa. De seguida, quem estiver presente ao ato é convidado a beber uma taça de champanhe na Embaixada de Portugal, que fica relativamente perto. Apenas se pede que as pessoas que se queiram associar se inscrevam pelo mail portugal.paris@gmail.com.

Vigília


Não resisto a transcrever, do seu blogue Tim Tim no Tibet, o poema do meu colega embaixador Luís Filipe Castro Mendes, intitulado "Vigília":

Não te deixes adormecer: 
é o que dizem a quem luta por estar vivo,
é o que nos dizemos quando
o frio já entrou muito fundo dentro de nós
e toda a vida se deixou cobrir de nevoeiro.

Não, eu não me deixarei dormir.
Descansa, tu que cada madrugada 
encontras as minhas mãos 
a afastar o frio e o nevoeiro.
Eu não me deixarei dormir.
Nós não nos deixaremos dormir.
O nosso amor é uma vigília sem quebras
e nunca nenhum povo se deixou hibernar.

Em tempo: e, para quem estiver em Lisboa, porque não dar uma saltada aqui.?

Emigração

O comportamento do Estado Novo face à emigração é o tema de um livro de Victor Pereira, intitulado "La dictature de Salazar face à l'émigration - L'État portugais et ses migrants en France (1957-1974)". O autor é doutorado em História pelo Instituto de Estudos Políticos, em Paris.

Convidei Victor Pereira para apresentar o seu trabalho na Embaixada, no dia 26 de novembro. Dada a escassez de lugares, quem estiver interessado em estar presente nesta sessão de lançamento e no debate que terá lugar na ocasião deverá inscrever-se através do mail portugal.paris@gmail.com.

terça-feira, outubro 30, 2012

Ben Barka

Em 29 de outubro de 1965, ao sair de um almoço da brasserie Lipp, no boulevard Saint-Germain, o oposicionista marroquino Mehdi Ben Barka, foi raptado. Seria mais tarde barbaramente torturado e morto.

Ben Barka foi um democrata que desde muito cedo lutou pela liberdade no seu país e é uma figura por quem nutro grande admiração. A saga do seu rapto e a teia de cumplicidades e interesses que estiveram por detrás do seu assassinato constituem, aliás, um terreno de investigação histórico-político do maior interesse.

Tinha prometido a mim mesmo que, durante estes quatro anos de Paris, tentaria saudar a sua memória, almoçando, na data do seu rapto, no mesmo restaurante. Acabei por conseguir fazê-lo uma única vez, levando comigo dois amigos que partilhavam a mesma recordação.

Ontem, uma vez mais, compromissos profissionais, a que não pude nem quis escapar, impediram-me de celebrar na Lipp (os "connaisseurs" dizem "no Lipp") a memória de Ben Barka.

Resta-me assim deixar uma nota neste blogue.

segunda-feira, outubro 29, 2012

Decanato

O novo presidente da Assembleia Nacional francesa, Claude Bartolone, tomou a simpática iniciativa de organizar, na noite de ontem, um jantar de debate, reunindo um grupo pouco comum de embaixadores: os representantes diplomáticos dos países da zona euro. Ao sentarmo-nos à mesa, reparei ter tido direito ao lugar de honra, entre os convidados. Olhei à volta e dei-me conta que já era o "decano" dos diplomatas presentes. Como o tempo passa...

A rotação temporal dos embaixadores é uma regra comum. Em geral, em cada quatro ou cinco anos, os embaixadores mudam de funções, indo assumir a chefia de outras representações diplomáticas ou consulares no exterior, ou regressando temporariamente às suas capitais. Esta regra aplica-se também aos restantes diplomatas, sendo que há alguns países que optam por seguir modelos diferenciados.

Com o tempo, percebi que essa mudança regular dos diplomatas tem todo o sentido. Se bem que, à primeira vista, se possa argumentar que se ganharia em ter as pessoas mais tempo nos postos, aproveitando a sua experiência e melhor explorando as redes de contactos entretanto estabelecidos, a verdade é que se constata que o "refrescamento" dos lugares favorece a assunção de novos olhares sobre a realidade local, evitando a queda em rotinas e vícios de perspetiva. Não raramente, o diplomata que fica muitos anos num posto deixa de "ver" o que entretanto mudou e acultura-se a uma certa leitura dos factos e das pessoas, que pode acabar por afetar a eficácia do seu trabalho. Além disso, a rotação permite um enriquecimento dos diplomatas, através de experiências diferentes, em contacto com outras sociedades e situações, o que constitui um importante fator de formação profissional. Não será por acaso que a generalidade das carreiras diplomáticas segue um procedimento basicamente idêntico.

Mas há exceções. Em 2001, nas Nações Unidas, vi-me um dia confrontado com um caso singular. Tinha chegado há escassas semanas e fiquei sentado, num almoço, ao lado do embaixador do Kuwait. Perguntei-lhe há quanto tempo estava em posto, em Nova Iorque. A resposta deixou-me siderado: "21 anos". Comentei que, assim sendo, deveria ser o "decano" dos embaixadores. Respondeu-me que não, que o colega do Iémen estava por lá há ... 28 anos!

Mal eu sabia então que, no meu caso, iria ficar por Nova Iorque apenas cerca de ano e meio...

A nova emigração

O novo surto migratório originário de Portugal é um fenómeno de que, só muito recentemente, começa a traçar-se um perfil mais rigoroso. Os dados estatísticos existentes assentam apenas em estimativas e têm um elevado grau de incerteza, pela inexistência de referências absolutamente seguras. Mas fica evidente que estamos já perante um movimento quantitativamente significativo, com uma dispersão geográfica bastante maior do que a das vagas migratórias de um passado mais recente.

Globalmente, e como não será de surpreender, os novos migrantes que procuram a Europa têm uma qualificação académica média bastante superior à de quantos, nos anos 60 e 70 do século passado, saíram pelos caminhos de França, da Alemanha e do Luxemburgo, ou mesmo dos que, de forma sazonal ou mais permanente, procuraram depois a Suíça e o Reino Unido*. Os dados e as informações disponíveis mostram-nos que muitas dessas pessoas saem acompanhadas pelas famílias, o que altera significativamente o modelo de outros tempos e, naturalmente, induz outros impactos nas exigências do seu quotidiano.

Há um ponto que me parece importante registar, porque dele resultam consequências comportamentais muito particulares: a maioria desses novos emigrantes portugueses obtém ocupações profissionais que se situam, quase sempre, abaixo daquelas que, legitimamente, o seu nível académico poderia justificar, o que constitui um natural elemento de frustração pessoal, com efeitos no seu estado de espírito. A crise e o aumento do desemprego em muitos dos seus países de destino faz com que, uma vez mais, apenas lhes sejam oferecidas tarefas profissionais que os nacionais desses países procuram menos e, frequentemente, com um elevado grau de precariedade no vínculo laboral. Daqui resulta, muitas vezes, uma tendência para uma fixação breve nos postos de trabalho obtidos, na busca incessante de outras oportunidades entretanto vislumbradas. Alguns empresários portugueses em França, que para aqui vieram em gerações anteriores e perseveraram muitos anos em tarefas modestas antes de descobrirem os caminhos do seu sucesso pessoal, referem essa instabilidade como um fator que, por vezes, os desmotiva ao acolhimento dos novos migrantes portugueses. Mas os casos de solidariedade neste domínio são cada vez mais frequentes e louváveis.

Como por aqui tenho dito, ser obrigado a emigrar por razões económicas é a triste constatação de que o país não é capaz de criar condições para a plena realização, no seu seio, dos cidadãos nacionais. As pessoas que saem, não apenas são forçadas a esse sacrifício como, muitas vezes, acabam por ser elas a contribuir, com aquilo que ganham no exterior, para o aumento da riqueza nacional. Só podemos desejar que, deste novo ciclo da viagem dos portugueses pelo mundo, acabe por resultar um futuro mais feliz para a sociedade portuguesa, com o retorno de muitos dos que agora são obrigados a partir, depois de novas experiências e de qualificações adquiridas, que possam ajudar a reforçar a modernidade e o desenvolvimento do país.
* Em tempo: e Espanha e Andorra, claro.

domingo, outubro 28, 2012

Subtileza

No início de um espetáculo, na noite de domingo, ouvi esta "pérola", de uma elegância mais do que subtil, antes do início da "performance": "Chama-se a atenção das pessoas presentes para a necessidade de ligarem o seu telemóvel quando saírem do teatro".

Hora

Hoje, temos a mais uma hora, coisa que, por ora, ainda está isenta de impostos. Aproveitem-na!

sábado, outubro 27, 2012

Os tomates e a Europa

Só hoje me chegou uma crónica de Miguel Esteves Cardoso, no "Público", há três dias, sob o título "Não mexam nos tomates", que passo a transcrever, sem quaisquer comentários e sem sombra de modéstia:

"Estava ontem na primeira página do "Público": só a Califórnia é mais produtiva do que Portugal no tomate. Lá dentro, na peça de Jorge Talixa, são de festejar os 1,2 milhões de toneladas de tomates produzidas este ano. Este ano, por acaso, os tomates foram bem mais suculentos do que nos dois anos anteriores. Comemos muitos mas, sobretudo, não esbanjámos nenhuns, como naquela absurda festa espanhola do tomate, que todos os anos deixa larga nódia na nossa imprensa, como se fosse novidade. Quem nunca tiver visto uma foto de um jovem espanhol encharcado em sumo de tomate tem uma sorte invejável. Conseguimos até exportar 95% desses tomates. Isso rende-nos 250 milhões de euros: é um número redondo demais para ser inteiramente crível mas, pronto, é muito dinheiro.

O medo agora é que a UE, através da Política Agrícola Comum (PAC), venha a proibir tal abundância. Nesta altura em que de novo se fala de Portugal ser o melhor aluno da zona euro, lembro uma notícia de maio de 1996, altura em que Portugal produzia só 900 mil toneladas.

Também há 16 anos a PAC quis cortar-nos os tomates. O secretário de Estado para os assuntos europeus de então, Francisco Seixas da Costa, avisou logo que se tinha acabado essa história de sermos os "bons alunos" da Europa, com tudo o que isso "implicava de subordinação".

Mantenha-se a mesma insubordinação e pode ser que, daqui a 16 anos, cheguemos a 1,5 milhões de toneladas. E passemos à frente da Califórnia".

"Resgatados"

Em Portugal, não há tradição de surgimento de relatos serenos sobre eventos políticos situados num passado próximo, centrados em temáticas indutoras de forte polémica, ainda prolongadas nos dias em que as obras são publicadas. Por essa razão, entendo que a edição de "Resgatados - os bastidores da ajuda financeira a Portugal", dos jornalistas David Dinis e Hugo Filipe Coelho, merece ser saudada como uma interessante contribuição para se conhecerem melhor os bastidores do tempo muito complexo que antecedeu o pedido de ajuda externa feito em 2011. 

O livro, no seu ritmo quase cinematográfico, descreve uma tormenta em progressivo desenvolvimento. E, como todos sabemos, quem se envolve em tempos revoltos lê os factos e as suas circunstâncias de modo, muitas vezes, oposto. Por essa razão, sei que algumas pessoas não apreciaram este trabalho, porque continuam a cultivar sobre os factos nele referidos uma memória de envolvimento que se não coaduna com a frieza equilibrada que os autores - a meu ver, bem - procuraram atingir.

Como em todos os textos deste género, há evidentes lacunas, há perguntas implícitas que ficam sem resposta. Mas este tipo de trabalhos vive sempre da abertura dos interlocutores que é possível mobilizar, bem como da sabedoria e equilíbrio com que neles se colocam as várias versões dos factos, sempre enviezadas pelo interesse de todos em edulcorar o seu lugar na pequena História. Nem toda a gente esteve, com certeza, disponível para contribuir para este livro. Sei do que falo, porque fui contactado por um dos autores, a quem, com toda a cordialidade, expliquei que a lealdade imanente às funções que exercia à época, e que ainda exerço, me não autoriza a revelar o pouco que sei de alguns factos e que, de resto, rigorosamente nada adiantaria de substancial ao trabalho.

Este livro é, assim, o livro possível, escrito por dois "impacientes da História", como Jean Daniel qualifica todos os jornalistas. Mas é um "guião" que reputo de muito útil e pelo qual felicito os autores. A sua leitura permite recortar melhor o papel das principais personalidades envolvidas, a sua diferente avaliação das circunstâncias vividas e, porque não dizê-lo, estabelecer um primeiro inventário das várias decisões e das motivações, políticas, económicas e até pessoais, que, no seu todo, desenharam o caminho que obrigou o país a recorrer ao "resgate". Acho que todos saímos deste livro com uma perspetiva mais clara sobre o papel desempenhado por cada responsável político, do governo e da oposição, na crise que acabou por estar na origem da situação que o país hoje atravessa, cuja moldura institucional e as condicionantes, em matéria dos compromissos que vieram a ser assumidos, não poderão nunca ser desligadas dos factos elencados neste trabalho. 

sexta-feira, outubro 26, 2012

24 horas em Lyon

1. Foi muito instrutivo anotar as várias interrogações no tocante ao futuro da Europa que ontem ouvi de um conjunto de qualificados empresários franceses, perante os quais fiz uma palestra em Lyon. Nela procurei fazer entender a nossa posição no processo integrador, sem esconder as fragilidades que nos são próprias, mas tentando simultaneamente que, da sua transparente explicitação, resultasse evidente que jogamos com todas as cartas em cima da mesa. Se bem que, neste momento, com uma evidente escassez de trunfos. Mas alguns trunfos continuam a existir, não sendo por acaso que os investimentos franceses em Portugal continuam a comportar-se de forma positiva.

2. Lyon é a sede da Euronews. Encontrei-me com o seu presidente, que se mostrou fortemente interessado em dar continuidade à cooperação que mantém com a RTP. Num passado recente, as emissões em língua portuguesa - e o trabalho dos portugueses que trabalham na Euronews - estiveram em forte risco. Alertei Lisboa, à época, para o assunto e, pelo menos por algum tempo, foi possível garantir um balão financeiro de oxigénio, com a ajuda da Comissão Europeia e, segundo o presidente da Euronews, muito graças ao empenhamento do deputado Ribeiro e Castro.

3. O "Banque BCP" é uma instituição financeira franco-portuguesa, com forte expressão no seio da nossa comunidade. Sempre que a tal solicitado, tenho procurado sublinhar o papel neste país de todas e cada uma das entidades económicas e financeiras com capitais portugueses, pelo que tive muito gosto em testemunhar a imagem de modernidade da unidade ontem apresentada numa das zonas mais prestigiadas de Lyon. A presença de muitos franceses no evento mostrou que a nossa banca está longe de ser "comunitarista".

4. A comunidade portuguesa em França não é imune às preocupações que, sobre o futuro, atravessam toda a sociedade portuguesa. Ficou-me isso claro nas conversas com vários dos nossos compatriotas que vivem na região de Lyon. Porque não vendo ilusões, não consegui dar-lhes grandes certezas que acalmassem as suas angústias, até porque as não possuo. Apenas lhes disse da minha profunda convicção de que vamos "sair disto", porque, felizmente, na nossa democracia e na negociação europeia, existem sempre saídas. E não ousei dizer aos nossos compatriotas que o slogan "tina" ("there is no alternative"), que a senhora Thatcher e os seus turiferários utilizavam para tentar convencer os britânicos de que o mercado das soluções se esgotava nas soluções do mercado, é de um tempo que já lá vai...

quinta-feira, outubro 25, 2012

Pausa diplomática

Colegas do Quai d'Orsay lançaram um blogue com alguma graça. intitulado "Chroniques Diplomatiques", com pequenas frases sobre situações correntes ilustradas por imagens com algum movimento.

Aconselho a que se visite o arquivo do blogue, desde o início. 

Pergunto-me que tipo de frases surgiriam nas Necessidades...

"Vamos falar português"

Foi ontem, ao final da tarde, na UNESCO. Em mais uma sessão da iniciativa "Vamos falar português", algumas dezenas de luso-falantes e outros apenas amigos juntaram-se para ouvir falar do fado e ouvi-lo tocar cantar. Para tal, fiz a apresentação da doutora Ana Paixão, que é musicóloga e dirige a casa de Portugal na Cité Universitaire de Paris, e de Mónica Cunha, uma voz do fado em Paris, que também combina com a sua atividade docente.

As origens do fado estiveram inevitavelmente na berlinda, tendo sido evocada a polémica luso-brasileira em torno da teoria de que o fado "é brasileiro". Uma certa doutrina aponta no sentido do fado ter nascido, nos anos 20 do século XIX, em torno de figuras regressadas com a corte de dom João VI, portadoras de uma musicalidade onde se misturavam influências africanas e já brasileiras, que acaba por se fixar nos arredores de Lisboa e dar origem ao início daquilo a que hoje chamamos fado.

Uma amiga (brasileira, claro!) perguntou-me: "Você vai ter coragem de colocar no seu blogue que o fado é brasileiro?". Respondi-lhe que sim e que até acrescentaria que há rumores de que dom Afonso Henriques tinha uma prima do Ceará...

quarta-feira, outubro 24, 2012

"Frappés"

Os dois diplomatas chegaram tarde ao restaurante, para o almoço. Algumas mesas começavam a esvaziar-se. Naquela que ficava ao seu lado, um casal conversava animadamente. No balde com gelo entre as duas mesas, surgia uma garrafa de Chablis, "frappé", consumido por esses vizinhos. 

Chablis! Ora aí estava uma boa ideia! Pediram ao empregado dois copos de Chablis. O tempo passou, a conversa fluiu, os copos dos diplomatas foram-se esvaziando.

A certo passo, os convivas da mesa ao lado levantaram-se e saíram porta fora. Os diplomatas miraram a quase meia garrafa de Chablis por usar e, depois de um olhar discreto em torno, serviram-se. Sempre era melhor do que o vinho ir "para dentro", levado pelos empregados, conluiaram em voz baixa.

O Chablis estava excelente. Cada um acabou mesmo por se servir de mais do que um copo. A garrafa chegou ao fim, mas já estavam saciados. Iam pedir a sobremesa e, depois, dois cafés.

De súbito, os vizinhos da mesa ao lado regressaram, depois de, aparentemente, terem ido ao exterior fumar um pouco. Os diplomatas levantaram-se num salto, correram para o balcão, pagaram a conta e desapareceram, antes que a evaporação súbita do Chablis, na garrafa dos vizinhos de mesa, fosse notada.

Ontem, divertidos, contaram-nos a história. Noutro restaurante, claro.

Impostos

Estive hoje presente num pequeno almoço de trabalho que reuniu empresários franceses com o ministro do Orçamento, Jérôme Cahuzac. Para além de tentar perceber a racionalidade de algumas medidas que desenham o difícil orçamento francês para 2013 (as dificuldades, embora em grau variável, andam um pouco por todo o lado), tinha alguma curiosidade em assistir à conversa entre um ministro oriundo do Partido Socialista e um mundo empresarial que, não raramente, tem dado mostras de alguma incomodidade com decisões do novo poder político emergido em França.

Jérôme Cahuzac é médico cirurgião e explicou que a sua profissão o ensinou a "cortar" e a não hesitar, quando a decisão está tomada. Disse isso quanto à despesa, embora os seus interlocutores estivessem mais preocupados com o lado da receita. O diálogo com os empresários foi sereno, bem humorado mas bem franco. Dele não darei pormenores, porque a regra deste tipo de encontros (a famosa "Chatham House rule") assim o obrigam. Apenas revelarei que, a propósito da política fiscal deste governo, alguém lembrou, no final, uma frase de San-Antonio, que deixo em francês: "C'est au moment de payer ses impôts qu'on s'aperçoit qu'on n'a pas les moyens de s'offrir l'argent que l'on gagne".

terça-feira, outubro 23, 2012

Clark Kent

Onde isto chegou! Segundo a imprensa americana, na edição próxima das aventuras do Superman, o jornalista Clark Kent, uma espécie de "Mr Hyde" tímido da personagem, demite-se do "Daily Planet" por discordar da aquisição do jornal por um outro grupo de imprensa.

Não sei se os leitores do blogue estão familiarizados com as sagas do Superman, com o seu namoro eterno com Lois Lane, com as fragilidades que a "kryptónita" lhe provoca, para além dos ódios de Lex Luthor e outras imaginativas peculiaridades que fazem viver, há quase sete décadas, este sempiterno mito americano. Verdade seja que nunca teve um Pulitzer e não se lhe conhecem grandes peças de imprensa, mas essa parece ser a pecha dos "jornalistas" da BD, de que o Tim Tim é o melhor exemplo.

Hoje, ao ver-se a Controlinveste em riscos de ser dirigida da Maianga, com o "Público" já quase sem ele, com a "Lusa" a definhar e a RTP pelas ruas de uma progressiva amargura, tudo indica, de facto, que só um Superman terá condições para resgatar este estado de coisas. Ninguém quer contratar o Clark Kent? Talvez dessa forma nos convencêssemos de que tudo isto não passa de uma simples ficção, embora de gosto duvidoso.

À mesa de Portugal

Ontem, coincidiram em Paris três eventos em que as indústrias agro-alimentares portuguesas estiveram em destaque.

Na grande feira internacional bianual da especialidade, a SIAL ("the Global Food Marketplace"), mais de 40 empresas portuguesas apresentaram dezenas de produtos de alimentação, algumas delas mostrando-se pela primeira vez neste contexto, outras consagrando uma presença externa habitual. O que mais me surpreendeu, e muito positivamente, foi o otimismo da generalidade dos empresários, olhando "em frente" e com um discurso comum de saída da crise.

Durante todo o dia, os salões da embaixada encheram-se de escanções e responsáveis pelos mais importantes restaurantes e hotéis de Paris, numa iniciativa reservada a profissionais promovida pela recém-criada "L'Art em bouteille", uma empresa que pretende trazer para França os melhores dos nossos vinhos e que, nesta sua primeira grande iniciativa, contou com a presença de importantes produtores do Douro.

Ao final da tarde, numa operação que anualmente aqui costuma ter lugar, o destaque foi para os vinhos da Madeira, num evento que decorreu num prestigiado hotel de Paris.

No esforço exportador em que muito assenta a possibilidade de recuperação económica do país, o setor agro-alimentar está a ter um comportamento de algum destaque. Mas Portugal tem de conseguir firmar uma imagem sustentada de qualidade ligada ao que produz neste domínio, coisa que outros países já fizeram com imenso sucesso. 

segunda-feira, outubro 22, 2012

Editoriais

O "Diário da Assembleia da República" (que até ao 25 de abril se chamou "Diário das Sessões") é um dos menos difundidos jornais portugueses. Nele se relatam, em pormenor, os debates ocorridos no nosso parlamento, com registo de alguns apartes (infelizmente, não todos) e interrupções. Se se olhar para uma fotografia do plenário verificar-se-á que, no espaço entre os deputados e a tribuna, há sempre duas pessoas que tomam notas numa pequena mesa, que se revezam ao fim de alguns minutos. A sua tarefa parece ser anotar aquilo que a gravação da sessão possa não ter deixado claro, como a autoria dos apartes e outros pormenores que o "Diário" tem obrigação de registar. Sempre que alguém faz uma intervenção escrita, invariavelmente esses funcionários solicitam-na discretamente ao orador, para aferição do texto com a gravação. Uma tarefa discreta, mas essencial.

Um dia dos anos 90, numa das tardes em que, pelo governo, ia à Assembleia, e porque o humor é parte da política, resolvi "lançar a confusão" nas hostes do executivo, testando o "calo" de um dos seus membros. No gabinete do ministro dos Assuntos parlamentares, onde o primeiro-ministro e os membros do governo que iam a debate se reuniam um pouco antes, lancei, em jeito de confidência, para um ingénuo e recente secretário de Estado, "maçarico" nas lides governativas e sem nenhuma experiência parlamentar:

- Parece que o primeiro ministro está furibundo com o Almeida Santos! Dizem que ele não desiste da ideia de, a partir da próxima semana, fazer um pequeno "editorial" em cada edição do "Diário da Assembleia da República".

O meu querido amigo Almeida Santos era então presidente da Assembleia da República e o seu gosto pela escrita era bem conhecido. Mas a ideia era de total implausibilidade. 

- A sério? Mas isso tem sentido? A oposição é capaz de "saltar"!, disse-me o meu colega, com ar já preocupado.

- Pois é, mas ninguém trava o homem! Até já ouvi dizer que o assunto vai a "conferência de líderes".

- O Guterres tem razão, não achas? Isso pode vir a dar uma "bernarda" das antigas, comentou o meu colega, ciente de que já bem nos bastavam as crises que a vida política, à época, nos trazia.

Afastei-me e deixei o jovem governante a aboborar a angústia. Minutos depois, dei-me conta de que passava a "notícia" a outros membros do governo, que o ouviam com ar divertido. Pelos olhares oblíquos que me eram dirigidos, percebi que o meu nome, como veículo do boato, começava a circular. Temi mesmo que acabasse por chegar a António Guterres, que estava num canto da sala (que fora o antigo gabinete de Oliveira Salazar). 

O debate parlamentar iniciou-se, entretanto, com Almeida Santos a presidir aos trabalhos. A meio dessa tarde, um contínuo aproximou-se de mim, na bancada do governo, com um bilhete: "Meu caro amigo, está convidado, quando quiser, para publicar alguns artigos no "Diário da Assembleia da República", que aproveitarei para os dias em que eu não tiver inspiração para os meus editoriais".

Fiquei preocupado. Afinal, até ao próprio António de Almeida Santos tinha chegado a minha graçola. O tom do bilhete era muito irónico. Estaria ofendido? Durante uma hora mais, enquanto o debate continuava, remoí algum arrependimento. Em que diabo de brincadeira eu me tinha metido! À saída da sessão de perguntas ao governo, encaminhei-me para a tribuna da presidência, a fim de lhe dar uma explicação. Nessa altura, fui travado por um ministro que, sorridente, me disse: "Não vás! Fui eu quem te escreveu... "pelo" Almeida Santos".

Fui buscar lã e saí tosquiado!

Aniversário

É um amigo que conheço há muito. Faz anos hoje. Há minutos, telefonei, a felicitá-lo.

Agradeceu, comentando: "Meu caro, só damos conta de que envelhecemos quando o preço das velas começa a ser superior ao do bolo de aniversário".

Boa "malha"!

domingo, outubro 21, 2012

Fazer das fraquezas forças?

"A União Europeia suscita interesse como ator de paz para além das suas fronteiras, precisamente porque é tecnocrática, a-nacional, a-estatal, uma "coisa". Como uma mini-ONU. Ninguém suspeita que tenha apetites de dominação ou de captação de recursos. A UE nunca foi, enquanto tal, uma potência colonial. Não há uma "Europáfrica" como houve uma "Françafrique". A UE não invadiu o Iraque. Não tem pretensão de ser "polícia do mundo". A sua força reside na pedagogia de si própria, no modelo de valores que oferece. No fim de contas, são os próprios "defeitos" da UE, a sua ausência de encarnação, o seu fácies anónimo, a sua burocracia que lhe confere as vantagens de um ator quase desinteressado e, por isso, com legitimidade para se imiscuir nos assuntos dos outros. Ela deveria assumir isso, clamá-lo, gabar-se disso. Aquando da entrega do prémio?"

 Natalie Nougayrède, "Le Monde"

Quatro notas

1. Por definição, a situação interna que se vive em países próximos e aliados deve merecer, da nossa parte, um tratamento muito prudente. E, por maioria de razão, quando se trata do nosso único vizinho terrestre, essa delicadeza aumenta. Mas maior é também, por esse mesmo motivo, a importância de que a Espanha se reveste para nós. Por isso, e ainda a montante do resultado das eleições que hoje têm lugar no País Basco e na Galiza, apenas gostava de deixar aqui expresso que a questão da "pulsão" independentista na Catalunha é um tema que, sendo espanhol, não nos pode ser indiferente. E quero afirmar aqui, como cidadão português e como amigo da Espanha, o meu desejo pessoal de que qualquer futuro do Estado espanhol passe pela preservação da unidade do país. É que julgo ser esse o interesse da Espanha e, muito em especial, tenho a certeza que esse é o interesse de Portugal.

2. Na Grécia, uma deputada do partido neo-nazi (curiosamente anti-alemão), com representação parlamentar, tratou os imigrantes no seu país como "sub-homens". Essa formação partidária defende, entre outras barbaridades, a expulsão dos hospitais gregos dos doentes imigrados estrangeiros, bem como os seus filhos das escolas. Nesta temática da xenofobia e do racismo, Portugal pode apresentar-se ao mundo como detentor de uma representação parlamentar onde, sem a menor exceção, os princípios da tolerância e do respeito pela diferença sempre foram observados com todo rigor. É um orgulho para a nossa diplomacia poder representar um país em que tais fenómenos não têm a menor expressão política organizada, sabendo-se, além do mais, que há um implícito e saudável consenso nacional no sentido de combater qualquer afloramento desse tipo de derivas.

3. O mortífero atentado que ontem teve lugar no Líbano veio demonstrar que o regime sírio, depois de ter conseguido "empatar" o jogo político-militar interno até às eleições americanas, demonstra que tem ainda força para poder ativar a influência de que sempre dispôs no xadrez político libanês, tentando assim aumentar a sua moeda de troca para o processo político que se vai seguir.  Diretamente ou através do Hezbollah, Damasco tenta agora sacudir do seu território a pressão militar de uma oposição interna cuja segmentação não facilita o apoio do mundo ocidental. As bombas de ontem são a prova de que a Síria não vai permitir que as fronteiras libanesas possam servir de apoio aos insurgentes. E é bom que o mundo comece a preparar-se para enfrentar a possibilidade de que uma nova guerra civil no Líbano esteja aí de novo, ao voltar da esquina.

4. Por razões óbvias, sobre temáticas europeias, tenho vindo a ser muito parco nas palavras que por aqui escrevo. Apenas gostava de notar que o último Conselho europeu, que sempre foi considerado como de natureza transitória, teve a virtualidade de acabar por não infirmar as orientações do anterior e, embora com visível entusiasmo diferenciado na vontade expressa pelos "major players" (que se reflete de forma interessante nas respetivas Conclusões), manteve uma linguagem que não fragiliza, no essencial, o calendário previsto para a "união bancária". Há que reconhecer que alguma maior serenidade que a vida europeia começa a mostrar - talvez pelo termo das ridículas cimeiras "históricas" a que uma certa coreografia nos vinha habituando - fica muito a dever à sabedoria do Banco Central Europeu, cuja firmeza e determinação terão sido responsáveis por uma relativa confiança que foi induzida nos mercados, como a evolução dos "spreads" obrigacionistas no mercado secundário bem demonstra. Só pode desejar-se que, ao invés do que vulgarmente tem sucedido, do lado de alguns governos europeus não haja a tentação, num tropismo de expressão mediática para consumo político interno, de "sair-se" com declarações incendiárias, que prejudiquem os delicados consensos já obtidos.

sábado, outubro 20, 2012

Estratégias

Há meses, o governo nomeou uma comissão para a preparação de um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Para esse grupo, com uma composição mais do que heterogénea, foi convidada uma vintena de pessoas, com nomes publicamente tão conhecidos como Adriano Moreira, Jaime Gama, Loureiro dos Santos, António Vitorino, Fátima Bonifácio, Ângelo Correia, Francisco Pinto Balsemão, Leonor Beleza, Luís Amado, João Salgueiro, Gomes Canotilho ou Eduardo Lourenço. Durante alguns meses, sacrificando as férias de muitos, sob a coordenação do professor Luis Fontoura, o grupo preparou um trabalho que agora será entregue ao ministro da Defesa Nacional. Tive o prazer de integrar esse grupo, acompanhando, pela diplomacia, o meu colega embaixador Leonardo Matias e a dra. Maria Regina Flor e Almeida.

Leio agora, na "Sábado", que um conjunto de militares e alguns civis se reuniram no Instituto Geográfico do Exército, para contestar a necessidade de um novo Conceito. A liberdade de abril permite e estimula o aberto contraditório, que é sempre desejável, aguardando-se agora a produção de um contra-texto que permita abrir um debate enriquecedor. E noto, sem surpresas, que uma certa diplomacia de outrora não deixou de "cunhar" a sua presença nesse outro lado do espelho do pensamento estratégico nacional.

sexta-feira, outubro 19, 2012

Manuel António Pina (1943-2012)

Foto António Sabler
É aí vamos nós, neste ritual de obituários. As mortes não se programam. Agora foi a vez de Manuel António Pina, uma das mais lúcidas e desassombradas vozes deste país, senhor de uma escrita que, até quando era agreste, era poética. E com um humor subtil, muito raro entre nós. 

Conheci-o no Porto, em meados dos anos 6o do século passado, onde ambos frequentávamos o "Piolho". Nessa altura, a diferença de idades não nos aproximou. Também por isso, embora nos conhecêssemos, nunca fomos íntimos. Iamo-nos encontrando, em contextos muito diversos, de anos a anos. Lia-o com regularidade e recordo-me de, um dia, lhe ter dito, aqui em Paris, em 2000, ano em que Portugal foi o país convidado para o Salão do Livro: "Às vezes tenho raiva de si, por você escrever aquilo que penso de uma forma que eu não sou capaz fazer". Dele recebi, de volta, um sorriso sereno e uma palavra amável. Foi sempre muito portuense, até na constante cerimónia nos nossos contactos breves. 

No último ano, encontrávamo-nos no Conselho geral de Guimarães - capital da Cultura, a que ambos acedemos no mesmo dia, com António Mega Ferreira, a convite de Jorge Sampaio. 

Nesta hora da despedida, são muito tocantes as palavras que Francisco José Viegas lhe dedicou: "Neste dia, plantemos uma árvore em seu nome. Uma árvore que transporte a sua poesia para dentro dos nossos dias. Este é um dos dias mais tristes da minha vida. Nenhuma lágrima conseguirá redimir essa tristeza, infelizmente". Um abraço também para si, Francisco. 

Da noite para o dia

1. Um grupo angolano estará prestes a adquirir a empresa proprietária do "Diário de Notícias", "Jornal de Notícias" e a rádio TSF. Depois do semanário "Sol", fica agora uma imensa curiosidade sobre um eventual futuro angolano para uma RTP privatizada.

2. Recém-sexagenária, morreu ontem a holandesa Sylvia Kristel, que o mundo recordará para sempre em pose prometedora numa cadeira entrançada de desenho oriental. O imaginário em torno das viagens aéreas de longo curso, apoiadas numa música dengosa, nunca mais foi a mesmo depois do "Emmanuelle", não obstante a mediocridade do filme e de todas as suas sequelas.

3. A "Newsweek" vai passar a não ter versão em papel. No género, fica apenas no mercado a "Time", sua grande rival. Só desejo que o "The New Yorker" não venha a ter um destino idêntico.

4. Anuncia-se que os supermercados gregos vão poder passar a vender produtos fora de prazo de validade, a preços mais baratos. Em Portugal, espero, não iremos por aí. Entre nós, embora com elevado preço, apenas algumas ideias, que já ultrapassaram o seu tempo razoável de vida útil, continuam a ser tidas como boas e consumíveis.

5. O presidente do Conselho europeu, Von Rompuy, que devia ir a Oslo no dia 10 de dezembro, acompanhado do presidente do Parlamento europeu e do presidente da Comissão Europeia, para receberem o prémio Nobel da Paz atribuído à União Europeia, sugeriu que todos os 27 chefes de Estado e de governo se juntem a eles. Admiro-me que os presidentes do Banco central europeu, do Comité económico e social, do Tribunal de justiça, do Comité das regiões, do Tribunal de contas, do Banco europeu de investimentos não tenham ainda protestado: ou há moralidade ou comem todos. E, de caminho, seria justo levarem também a senhora Catherine Ashton, chefe do Serviço europeu de ação externa - a cara que a Europa tem para mostrar ao mundo.
 
6. Começa em Lisboa o Congresso Europeu das Ciências e Práticas do Riso. Finalmente!

quinta-feira, outubro 18, 2012

Augusto de Carvalho

A consciência do tropismo para registos necrológicos, em que este blogue tende vulgarmente a cair, terá sido subliminarmente responsável pela omissão que aqui fiz, há cerca de dois meses, quando desapareceu a figura de Augusto de Carvalho, um jornalista sui generis que, há duas décadas, decidiu ir para Moçambique, a grande afeição da sua vida.

Augusto de Carvalho desempenhou um papel muito interessante, e pontualmente muito importante, na imprensa portuguesa. A história do "Expresso" não seria a mesma sem ele, jornal de que chegou a ser diretor. Mas por outras aventuras de imprensa, como a curiosa fase da "Vida Mundial" depois de 1966, ele deixou também o seu nome. 

Conheci-o brevemente, numas almoçaradas, através de um amigo comum, no final dos anos 70. Recordo o sotaque e o ritmo de voz, que não iludia o seu percurso religioso anterior: Augusto de Carvalho chegou a ser padre.

Ontem, em conversa com um amigo à distância, este lembrou, a propósito de uma historieta africana que por aqui contei há dias, um episódio curioso que lhe fora relatado por Augusto de Carvalho, referente a uma sua anterior estada em Moçambique, já depois da independência do país.

Um dia, ao sair da praia, no Maputo, um grupo de jovens pediu-lhe boleia. Na conversa, a caminho da cidade, interrogaram-no sobre a sua profissão. Ele esclareceu que era jornalista e disse o seu nome. A reação de uma das jovens ficou-lhe para sempre gravada:

- Ah! Você é o Augusto de Carvalho do nº    (e disse o número do telefone do jornalista)? Eu trabalho nas escutas dos telefones. Você fala tão depressa e diz coisas tão estranhas! Já desisti de acompanhar as suas conversas...

PS - Deixo uma fotografia bem antiga do Augusto de Carvalho onde, se me não engano, figura também o meu amigo José Mário Costa, quando ambos coincidiram no "Expresso". 

"Quem quer regueifas?"

Sou de um tempo em que, à beira da estrada antiga entre o Porto e Vila Real, havia umas senhoras a vender regueifas. Aquele pão também era p...