quinta-feira, maio 24, 2018

O “reviralho”

Há qualquer coisa de comum entre os termos “reviralho” e “geringonça”. Ambos são expressões depreciativas crismadas pelos opositores situados mais à direita.

Os “reviralhistas” ou “os do reviralho” foram historicamente os opositores democráticos ao golpe militar autoritário de 28 de maio de 1926, que instituiu a Ditadura Militar (1926-1933), a que se sucederia a ditadura civil que se auto-intitulou de Estado Novo (1933-1974). 

Os adeptos da “situação” (nome comummente dado ao regime ditatorial, mesmo pelos seus apoiantes, para contrastar com “oposição”), chamavam “reviralhistas” aos republicanos, que tinham como programa da sua acção de resistência (política e revolucionária, em inúmeras intentonas) regressar ao regime da I República (1910-1926). Também no seio da oposição à ditadura, onde passaram a florescer tendências mais ideológicas (anarquistas, comunistas, socialistas) o nome de “reviralhista” era dado, também depreciativamente, a esses “democráticos” ou “republicanos”.

Havia gente “do reviralho” um pouco por todo o país, embora, com o avançar dos anos, eles constituíssem cada vez mais uma minoria no seio das estruturas que, aquando dos atos eleitorais permitidos pela ditadura, se organizavam de forma unitária para ações de oposição.

Por altura das “eleições” legislativas para a Assembleia Nacional, em 1969, em Vila Real, percebi um dia o que era o “reviralhismo”, na sua forma mais caricatural. 

Tinha calhado à conversa, na sede da Comissão Democrática Eleitoral (CDE), com um velho democrata local. Era uma figura pouco prestigiada, às vezes mesmo objeto de algum gozo por parte de quem tinha com ele mais confiança. Porém, com os meus vinte e poucos anos, eu mantinha naturalmente uma atitude respeitosa perante alguém que era mais velho do que o meu pai. 

Procurava eu demonstrar-lhe, com argumentário da época, que era necessário assumirmos uma postura anti-colonial no discurso oposicionista da nossa candidatura local. O tema era polémico entre os oposicionistas do distrito e eu fazia parte da ala mais radical. O meu interlocutor, contudo, era da “velha guarda” republicana, defendia o “colonialismo” de Norton de Matos e, para ele, a preservação do “império” era ainda sagrada: “foi para defender as colónias que a República quis que entrássemos na Grande Guerra”, proclamava (e era verdade). E, claro, tinha expressões como “os pretos não sabem governar-se” e coisas assim.

A certo ponto, com grande respeito mútuo, “acordámos em discordar” no tema, como se diz na gíria das negociações internacionais. Foi então que o homem, para selar um terreno comum de entendimento, me disse esta frase que nunca mais esqueci: “Há uma coisa em que concordamos, não é? É preciso tirar esta gajada do poleiro. Já é tempo de irmos nós para lá. Não acha, ó Costa?”

Até hoje, interrogo-me sobre qual terá sido a minha resposta. Mas, naquele instante, fixei para sempre o sentido concreto do “reviralhismo”.

quarta-feira, maio 23, 2018

Honestidade

Acho, com toda a franqueza, que a questão da notificação atrasada do primeiro-ministro ao Tribunal Constitucional, por uma pequena aquisição imobiliária, é um “fait-divers” burocrático, de quase nula importância.

Já o “lapso” do ministro Siza Vieira é talvez um pouco mais grave, mas, ainda assim, é também uma “technicality” formal.

Dito isto, o PS e o governo - que, note-se, apoio e defendo - deveriam coibir-se de atacar a oposição por estar a explorar politicamente estes casos. 

Porquê? Porque ninguém tem a mais leve dúvida de que, fosse a atual oposição governo e estivesse o PS a lutar pelo poder, o PS estaria a fazer uma enorme “barulheira” política sobre o assunto. Com o PCP e o BE por arrasto.

Sejamos honestos, pois...

Wall Street

Pela primeira vez, uma mulher assume a função de líder da poderosa Bolsa de Nova Iorque. 

Ao ler a notícia, não pude deixar de ter um pensamento para Benjamin Mendez Seixas, filho de um português ido de Lisboa, fundador daquela ”catedral” financeira. 

Infelizmente, os factos provam que os genes de genialidade naquele domínio não se adquirem por via familiar.

terça-feira, maio 22, 2018

Pomar


Morreu Júlio Pomar. Tinha 92 anos. Conheci-o tarde na vida, em S. Paulo, um pouco antes de ter trabalhado, com sucesso, para a recuperação de um seu painel de azulejos que está hoje numa parede da biblioteca de Brasília, graças ao entusiasmo de Silvestre Gorgulho, então secretário da Cultura.

Em Paris, numa noite do ano estranho que foi 2011, jantei com Pomar e a sua mulher, numa galeria onde era feita a apresentação, para venda a investidores, de várias obras de pintura portuguesa, do espólio de Jorge de Brito. 

A mim, o momento entristeceu-me bastante. Ver fantásticos óleos de vários e renomados autores portugueses prestes a serem passados a patacos, para as mãos de estrangeiros, colocou-me a interrogação sobre o que estava por ali a fazer o embaixador de Portugal. 

Disse-o a Júlio Pomar, que me respondeu, com aquele seu amplo sorriso: “Deixe lá! Faça como eu. Aquilo que está ali a ser vendido já não tem nada a ver comigo. É do mercado!”. Como o país.

Encontrei-o, uma última vez, a jantar com Carlos do Carmo, seu grande amigo. Despedimo-nos sem saber que era para sempre.

(*) Reproduzo um quadro de Pomar que estava à venda na galeria, que faz parte do meu “top” de pintura portuguesa. É o “Mai 68 (CRS-SS II)”. Nem arruinando-me alguma vez o conseguiria comprar...

Do Porto? (2)

A propósito da referência que aqui fiz a Carvalho Araújo como “vila-realense”, alguém fez notar que ele nasceu no Porto.

É verdade. Os seu pais viviam em Vila Real. De visita casual ao Porto, a mãe teve a criança, regressando depois à cidade onde residia e onde Carvalho Araújo foi educado.

Assim, o caráter “portuense” de Carvalho Araújo é em tudo idêntico à ligação que uma figura como Medeiros Ferreira tinha com o Funchal, onde nasceu, precisamente nas mesmas circunstâncias. E ninguém se lembra de chamar-lhe “madeirense”, não é?

Do Porto? (1)



A designação de “vinho do Porto” nem sempre foi consensual para as gentes da região. 

Tempos houve em que os lavradores sentiam necessidade de marcar distância face à cidade em que os exportadores tudo controlavam. 

O meu amigo Manuel Cardona, à mesa de um almoço este domingo, recordou uma quadra que ouvia na família:

Vinho “velho” para os antigos,
“tratado” para os lavradores,
“generoso” para os amigos,
“do Porto” para os doutores

segunda-feira, maio 21, 2018

Um magnífico gesto

O presidente da República subscreveu a decisão do governo de decretar luto nacional pela morte do “pai” do Serviço Nacional de Saúde, António Arnaut. 

Um magnífico gesto de Marcelo Rebelo de Sousa, que muito o honra.

António Cabral



António Cabral morreu há mais de uma década. A recolha e divulgação da cultura popular ocupou muito tempo da sua vida, após o 25 de abril. Dirigiu estruturas dedicadas à cultura e editou interessantes livros sobre jogos populares transmontanos. E escreveu muito - poesia, teatro, variada ficção. 

Era padre, quando eu o conheci. Era professor e explicador de literatura, um pedagogo notável, como atestam os que com ele aprenderam. A literatura estava-lhe nas veias e, nela, era à poesia que mais se dedicava e seria o género em que mais se destacou, com obra publicada desde muito cedo. 

Foi o grande animador, na primeira metade dos anos 60, do movimento “Setentrião”, que editou uma revista cultural que foi uma lufada de ar fresco na cidade abafada que Vila Real então era. Com ele estiveram António Barreto, Eurico de Figueiredo, Carlos Loures, Eduardo Guerra Carneiro, Gonçalinho de Oliveira e alguns outros. 

Um dia, em 1969, conheci-o melhor. Coincidimos na aventura política que foi a Comissão Democrática Eleitoral (CDE) de Vila Real, o movimento oposicionista que concorreu às “eleições” legislativas desse ano, liderado no distrito por Otílio de Figueiredo. António Cabral esteve envolvido na CDE até que o bispo de Vila Real lhe deu instruções para se afastar dessa “perigosa” atividade cívica. Discretamente, continuou sempre a acompanhar-nos. 

Desde então, mantive com ele uma relação amiga. Recordo-me que, a seu convite, comigo já há muito a viver em Lisboa, escrevi vários artigos sobre Sociologia do Desporto para o jornal do Sport Clube de Vila Real, que dirigiu.

António Cabral viria a abandonar a vida religiosa. Casou, continuando a viver em Vila Real, onde se consagrou como uma prestigiada figura do mundo da cultura. Era um homem do Douro, região que esteve no cenário de fundo de muita da sua poesia. 

No passado sábado, no Espaço Miguel Torga, em São Martinho de Anta, estivemos a homenageá-lo através da reedição dos seus “Poemas Durienses”, com capa de uma obra de Nuno Barreto, bem como de uma excelente e comovida evocação feita por Vitor Nogueira.

domingo, maio 20, 2018

O Sporting é isto?

Nas últimas semanas, tenho ouvido e lido vários adeptos do (meu) Sporting afirmarem, com esforçada convicção que “o Sporting não é isto!”.

Com isso, essas pessoas querem afirmar que uma instituição centenária e com um historial como o do Sporting é algo de muito distinto de um clube que hoje é formalmente tutelado por um evidente perturbado mental que apoia a sua alegada “liderança” num bando de arruaceiros e energúmenos, oriundos de uma claque que, tal como ocorreu noutro tempo no Reino Unido, deveria ser de imediato interditada por decisão judicial.

Voltamos à questão: o Sporting é isto? Na realidade, goste-se ou não, o Sporting, infelizmente, será hoje isto se os seus associados não forem capazes de afastar e substituir de imediato o bando que, com a cumplicidade do seu voto, o tomou de assalto. Tão simples como isto!

Como adepto, deixo uma saudação grata a Jorge Jesus e aos jogadores. Compreendo perfeitamente a impossibilidade de um melhor resultado no ambiente miserável que a direção do clube lhes proporcionou.

Haja saúde!

"Até que idade faz sentido que o Estado garanta cuidados de saúde caríssimos que prolongam vidas já com pouca qualidade?", pergunta o jornalista José Manuel Fernande, a quem, com sinceridade, desejo uma ótima e longa saúde, até para dela poder exonerar o Estado que tanto detesta.

Carvalho Araújo


José Botelho de Carvalho Araújo é a figura representada numa estátua que domina a avenida principal de Vila Real, que leva o seu nome.

Foi o oficial da Marinha que comandou o caça-minas “Augusto de Castilho”, um débil navio da Armada portuguesa que, em 14 de outubro de 1918, durante mais de duas horas, defrontou um poderoso submarino alemão, dando tempo a que o navio mercante “São Miguel”, que lhe competia escoltar, com mais de duas centenas de pessoas, no seu trajeto da Madeira para os Açores, pudesse pôr-se a salvo. O “Augusto de Castilho” acabou afundado pelos alemães, Carvalho Araújo morreu no combate, parte dos seus companheiros conseguiu aportar, em botes, nas costas açoreanas. Foi um ato heróico que a nossa história naval regista com orgulho.

Carvalho Araújo era vila-realense. Ontem, a convite da Câmara Municipal de Vila Real, no seu salão nobre, no início de um programa de celebrações nacionais em sua memória, na presença de representantes da Marinha portuguesa e de familiares do homenageado, falei dessa interessante figura da cidade. Conspirador contra a monarquia, membro da Assembleia Constituinte que redigiu a Constituição de 1911, Carvalho Araújo foi também uma interessante personalidade republicana, que teve uma distinta passagem pela administração colonial. 

Nasci e vivi perto da estátua de Carvalho Araújo. Em 1958, pela mão do meu pai, vi nela ser depositada uma coroa de flores pelo general Humberto Delgado. Nos anos da minha infância e juventude, todos os dias 9 de abril, data da batalha de La Lys, observei por ali cerimónias com antigos participantes transmontanos na batalha, entre os quais o célebre soldado Milhões, o qual, tal como Carvalho Araújo, era possuidor da mais alta condecoração militar portuguesa, a Torre Espada de Valor, Lealdade e Mérito.

Tive muito gosto em participar na evocação desta personalidade, política e militar, que diz muito à minha cidade. Por vezes, o facto das estátuas fazerem parte da paisagem urbana contribui para uma certa banalização histórica das figuras nelas representadas. Por essa razão, parar para as lembrar com alguma atenção é um gesto que ajuda a relegitimar a respetiva implantação e a justificar, histórica e afetivamente, a sua permanência nessa mesma paisagem.

sábado, maio 19, 2018

Datas e nomes


Há pouco, numa estante na minha casa em Vila Real, descobri, alinhados, lado a lado, os quatro livros que publiquei. 

Por curiosidade, fui ver as datas das introduções que para eles escrevi : 25 de abril, 31 de janeiro, 1° de dezembro e 5 de outubro.  Com toda a franqueza, não me recordo de ter planeado estas datas, mas a verdade é que elas correspondem àquelas que me são mais caras.

Tratando-se embora de livros de natureza política, ligados às relações internacionais, os “clássicos” de quem faço uma citação, a abrir cada uma dessas mesmas notas iniciais, podem não ser muito comuns, mas também não corresponderam a nada de deliberado: Sérgio Godinho, Jorge Palma, Fausto (Bordalo Dias) e dom Luiz da Cunha (o primeiro “MNE” português).

Qual é a pressa?


Emmanuel Macron alertou em Sófia para o risco de um novo alargamento apressado da União Europeia, desta vez envolvendo seis países dos Balcãs, depois da Croácia e da Eslovénia. O presidente francês diz ser imprudente fazê-lo antes de uma reforma interna da União. E tem razão.

No termo da Guerra Fria, as estruturas comunitárias alargaram-se de modo inédito. Para além de 10 países do centro e leste da Europa - três decorrente da implosão da União Soviética e sete Estados do antigo “socialismo real” -, entraram também Malta e Chipre, neste caso com a esperança (que se revelou vã) de tal poder contribuir para a reconciliação na ilha. 

Quem viveu de perto o processo lembra-se bem da cumulação de lóbis que deu origem a este imenso alargamento, que mudou profundamente a natureza da União Europeia. Ele foi feito correspondendo ao que foi então visto como um imperativo ético-político - oferecer a partilha de uma associação de democracias de sucesso a países que procuravam acolher-se a esse modelo - e com o objetivo estratégico de aproveitar a janela de oportunidade, criada pela fragilidade de Moscovo, para trazer para o campo ocidental novos aliados a leste (o alargamento da NATO completaria o processo), deslocando a fronteira de defesa da Europa ocidental, que antes passava pelo meio de Berlim. 

Como resultado, veio a ser criada uma espécie de “buffer zone” entre a Alemanha e a Rússia, que deu algum conforto de segurança à grande potência da União. A França “comprou” isso com o euro, o Reino Unido apostou na diluição do projeto e cavalgou, em conjugação com os EUA, a aposta estratégica na “nova Europa”, com o êxito que se viu na invasão do Iraque. Esse imenso alargamento, pelo envolvimento dos grandes poderes europeus, acabou por tornar-se inevitável para todos os Estados da União a 15, mesmo nos moldes em que se processou. Ele foi fruto de uma específica conjuntura e não vale a pena hoje “estar a chover no molhado” sobre os seus efeitos, parte deles amplamente negativos, no atual tecido da UE. Mas podemos e devemos aprender com o que se passou.

É que um novo alargamento aos Balcãs não tem os mesmos pressupostos. Não há nenhuma “pressa” estratégica que o justifique, não existe um evidente imperativo político que obrigue a dar desde já esse passo. Recordo que, por altura do anterior alargamento, e quando se falava então da sua possível extensão à Turquia, algumas vozes preconizavam a criação de um modelo de associação faseada e progressiva, a anteceder o “full membership”. Pergunto-me se não seria possível, em lugar de ceder à pressão da Comissão Europeia, que parece querer incluir os Balcãs a todo o preço, ponderar devidamente sobre se não deveríamos revisitar essa ideia. Tal não deveria significar o frustrar definitivo das aspirações europeias desses Estados, mas seria um ato de mera responsabilidade, num tempo em que ainda temos de digerir as consequências não medidas do Brexit, os inúmeros desafios criados pela nova administração americana e as roturas evidentes que estão criadas no tecido político-social europeu, da dimensão financeira às clivagens perante os migrantes e refugiados, entre outras.

Macron tem razão. Os tempos de euro-entusiasmo são uma coisa do passado nas opiniões públicas. Embora a atual União não deva dar de si a imagem de um clube exclusivista e fechado, é irrealista adotar linhas para a sua evolução imediata que possam mostrar-se menos compatíveis com a maturação responsável de um projeto que está longe de viver as suas horas mais brilhantes.

sexta-feira, maio 18, 2018

Justiças

Há uma regra nas redes sociais que quase nunca falha: quando uma decisão da justiça agrada ao consenso mediático criado, proclama-se: “deve-se deixar funcionar livremente a justiça!”; se a decisão não agrada à “vox populi” que o escriba ecoa: “o sistema de justiça está corrompido”.

Destruição

Sem querer pôr em causa a perfídia estratégica potencial dos adversários do Sporting, devo dizer que acho que nunca teriam suficiente arte para montar uma operação de destruição do clube com a eficácia conseguida pela sua alegada “direção”.

Rescisão

Sendo muito evidente que o que ainda resta dos corpos “sociais” do Sporting, a começar pelo seu presidente, está agarrado aos lugares por razões dos cifrões mensais recebidos, não seria de encarar pagar-lhes para se irem embora? Seria talvez mais barato do que suportar os estragos que estão a causar ao clube.

Caráter

As reações à crise no Sporting têm sido uma excelente montra, nas redes sociais, sobre o caráter de algumas pessoas. Tenho lido comentários de adeptos de clubes adversários que, com grande dignidade, se têm solidarizado com a difícil situação do clube. E também tenho lido o resto, isto é, o lixo sectário e oportunista. Repito: um excelente barómetro de caráter.

Elogio das batatas


Há dias, no Porto, durante um debate a propósito daquele que é o setor produtivo mais relevante nas nossas exportações – não, não é o calçado, os têxteis, o azeite ou o vinho; é a metalurgia e a metalomecânica, sabiam ? – fui interrogado sobre se a nossa diplomacia económica estava a funcionar convenientemente.

Comecei por responder que aquilo a que vulgarmente se chama diplomacia económica é apenas a diplomacia de negócios, isto é, o trabalho dos agentes diplomáticos na facilitação da ação dos nossos empresários – da promoção comercial e turística aos esforços de captação de investimento externo. 

Ora é sabido que a dimensão económica da diplomacia não se esgota nisso. Todo o universo de negociação e fixação de instrumentos de regulação económica na ordem externa, nos planos bilateral e multilateral, constituiu, desde sempre, uma tarefa central da diplomacia. Sem esse enquadramento a funcionar de forma otimizada, por exemplo, o regime das trocas comerciais seria hoje muito menos fluído e eficaz, os sistemas de ajudas europeias de diversa natureza muito menos generoso.

Faço parte de uma escola diplomática que sempre entendeu que a expressão “diplomacia económica” acarreta algo de redundante. Uma diplomacia que não tenha no centro das suas prioridades a dimensão económica não é digna desse nome. 

Mas temos de ser rigorosos. A diplomacia não se esgota no apoio direto à projeção económica externa do país. A atenção à imagem de Portugal na ordem internacional, o cultivo das redes de interesses políticos e culturais que o nosso bilateralismo histórico justifica, a promoção da língua e a proteção da diáspora são outros, entre tantos, pontos importantes que importa salvaguardar, como decisivo é sabermos potenciar o nosso valor acrescentado nacional de natureza política, como país construtor de pontes e entendimentos, à escala global. E, acreditem, tudo isso acaba por ter inescapáveis decorrências positivas no terreno da economia.

Quando, há bem mais de quatro décadas, entrei para a carreira diplomática, fi-lo pelo setor económico do ministério. Com uma diplomacia que tinha tido décadas de concentração obsessiva na política colonial, a então Direção-Geral dos Negócios Económicos era designada depreciativamente como “as batatas”. Anos depois, quando a alta política europeia passou a dominar a nossa agenda externa, lembro-me de ter chocado alguns nas Necessidades porque, enquanto embaixador, afirmei numa entrevista, o que me deu um polémico título de jornal, que, no MNE, o nosso lema deveria ser “menos Kosovo e mais batatas”. Continuo hoje a pensar exatamente o mesmo.

quinta-feira, maio 17, 2018

Al Quochete ?

Parece que vão acusar os energúmenos que estiveram em Alcochete de “terrorismo”. Já não há sentido do ridículo, no Ministério Público? 

quarta-feira, maio 16, 2018

Adeus, Caramuru!


Ontem à noite, passei pela Praça da República, em Viana do Castelo, e pensei para comigo mesmo: “quando é que desaparecerá daqui este mostrengo que é a estátua do Caramuru?”, uma peça escultórica que, já há muitos anos, foi ali colocada, quebrando fortemente o equilíbrio daquele belo espaço. Há minutos, passei de novo pela praça e vi que o mono já desapareceu.

Excelente decisão, presidente José Maria Costa! Parabéns!

O sucesso silencioso


O calçado, o têxtil ou os vinhos (bem como outros produtos agroalimentares) são importantes setores que se qualificam nas nossas exportações, e de que todos ouvimos constantemente falar. Curiosamente, porém, pouco se refere o setor metalúrgico e metalomecânico - que é o grande “driver” das nossas exportações. Só o aumento do seu crescimento, de 2016 para 2017, compara com o valor total das exportações do setor do calçado. É um setor de imenso sucesso, que tem hoje como principal condicionante ao seu crescimento e expansão a falta de recursos humanos qualificados.

Ontem, em Serralves, sob a moderação de Pedro Santos Guerreiro, diretor do “Expresso”, a convite da associação do setor AIMMAP, tive o gosto de participar num debate sobre os grandes desafios do setor. Coube-me, nomeadamente, falar das dificuldades que o Brexit (num RU que é o quarto mercado externo do setor) e as novas medidas decididas pelos EUA (onde o crescimento estava a ser promissor) podem acarretar para a nossa metalurgia e metalomecânica. Abordei também a questão dos riscos e oportunidades em possíveis mercados alternativos, bem como as tendências que a atual fase da globalização aponta como mais prováveis e condicionantes, com nota para o que a diplomacia económica e as políticas públicas de apoio à ação externa dos nossos empresários podem fazer.

terça-feira, maio 15, 2018

Sporting

O fascismo também foi assim: personalização do poder, culto fanático do chefe, populismo alarve e sectário, demagogia e agressividade verbal, ambiente intimidatório e procura de bodes expiatórios, desordeiros violentos à solta. Será que a Polícia Judiciária não sabe o nome de quem originou tudo isto?

segunda-feira, maio 14, 2018

E se a pala cai?




Anteontem, ao entrar no Pavilhão de Portugal, a anteceder o espetacular “barulho das luzes” a que depois assisti no Pavilhão Atlântico, na final da Eurovisão, recuei 20 anos, lembrando-me da imensa aventura que por ali foi a Expo98.

Por um instante, com toda aquela genta à volta, recordei o banho de entusiasmo desses tempos, a romaria nacional e internacional em que tudo se transformou, a impressionante recuperação que o projeto operou numa zona degradada da cidade - embora nos possamos perguntar se não houve muito de especulativo na volumetria de construção que foi permitida após o evento.

Mas esta nota destina-se apenas a fixar aqui, duas décadas depois, uma memória grata às pessoas que tiveram ideia da Expo: Vasco da Graça Moura e António Mega Ferreira, duas figuras intelectuais de exceção que, um dia, numa mesa do Martinho da Arcada, gizaram um projeto cuja concretização o tempo europeu de “vacas gordas” viria a permitir. O primeiro já não está entre nós, o segundo permanece uma figura ativa e criativa na nossa vida cultural. É justo não os esquecermos.

Ontem também recordei, numa das minhas várias idas oficiosas à Expo (quase dezena e meia, pelas minhas contas, para acompanhar governantes estrangeiros, nos seus dias nacionais), ter passado por um grupo onde uma senhora de aldeia, em alta bem voz, se mostrava renitente em atravessar o espaço do Pavilhão de Portugal, interrogando-se: “Ó filha! E se aquilo nos cai na cabeça?” No fundo, as dúvidas sobre a fiabilidade da obra de Siza Vieira não eram muito diferentes das que, no século XV, questionavam a arte de Afonso Domingues, no Mosteiro da Batalha.

domingo, maio 13, 2018

Sporting!

Não é fácil ser sportinguista. Mas, com treino, consegue-se.

Rosado Fernandes



Há muito que tinha deixado de ver Raul Rosado Fernandes. Acabo de saber que morreu.

Conhecemo-nos no Parlamento Europeu, de que ele era membro pelo CDS, lugar de que, durante vários anos, fui regular visitante em trabalho. Lembro-me de que era então muito crítico do governo de que eu fazia parte, em particular do modelo de Europa que eu defendia. Cáustico, com alguma assumida sobranceria, alimentava um euroceticismo endémico e irreconciliável. Uma insuperável distância política manteve-se sempre entre nós - e a isso seguramente não era indiferente o facto de uma noite, num jantar no Kammerzell, em Estrasburgo, o antigo presidente da CAP, que ele tinha sido, ter percebido que tinha à sua frente alguém que, sem complexos, defendia abertamente as virtualidades da Revolução de abril. Com o tempo, fiquei contudo com a sensação de que essa barreira se diluiu um pouco, ao ele se ter dado conta de que eu partilhava algumas das suas preocupações no tocante à necessidade de preservar o poder decisório nacional no quadro europeu. 

Há sete anos, depois de um painel em que ambos interviémos na Universidade de Lisboa - onde ele fora catedrático de Filologia Clássica -, escrevi neste blogue: “Devo dizer que, discordando genericamente da leitura que o antigo deputado europeu e dirigente da CAP faz sobre o "saldo" da nossa presença na Europa, respeito a sua perspetiva soberanista e reconheço nela uma genuinidade que me não é indiferente.”

Lembro-me de lhe ter dito, nessa ocasião, de que tinha lido as suas “Memórias de um Rústico Erudito”, um livro publicado anos antes e que tinha passado quase despercebido da crítica. “A sério?! Leu?” Pareceu-me ter ficado satisfeito pelo facto de alguém que estava muito longe da sua área política se ter dado ao cuidado de estar atento a essas suas recordações da vida que hoje acabou.

Entendido?

A propósito do dia da mãe, que já passou, dou-me conta de que há por aí muitas senhoras cuja honra é regularmente maculada por sonoras interjeições que são apenas devidas ao comportamento dos respetivos filhos. 

Israel




Israel, para além de ter ganho ontem o festival da Eurovisão, está em infeliz evidência pela “luz verde” que claramente recebeu dos Estados Unidos para atuar como força “subcontratada” na guerra da Síria.

Porque, por estes tempos, Israel faz 70 anos - uma bela idade! -, decidi republicar aqui algo que escrevi há quatro anos, no saudoso “Diário Económico”.

Na altura em que publiquei este texto, a então embaixadora de Israel, pessoa que conhecia de outros postos onde ambos tínhamos trabalhado, ficou profundamente desagradada com o artigo e disse-mo de forma enfática. Relendo-o, não encontro razões para retirar uma linha ao que então escrevi - e até poderia acrescentar algo mais.

Aqui fica:

Na minha vida diplomática, dei-me conta de que criticar a ação internacional de Israel obrigava sempre a um "disclaimer", implícito ou explícito, sem o que se erguia o risco de cair, de imediato, na jurisdição dos atentos polícias do espírito: cuidar em não poder ser acusado de anti-semitismo e nunca deixar de referir que o povo judeu foi vítima da violência nazi. 

A ajudar a este temor reverencial soma-se, desde o primeiro momento, um racismo anti-árabe, que condicionou o discurso popular. Tutelados por regimes retrógrados, embrulhados em panejamentos que os indiciavam noutro patamar da civilização, os árabes são-nos mostrados como uma espécie de bárbaros, apenas desejosos de "deitar os judeus ao mar". Por isso, e porque não eram aceitáveis os métodos extremistas da Fatah ou o não são os das várias seitas em que a revolta palestiniana se balcaniza, aos olhos de muito mundo passou a "valer tudo" por parte de Israel, desde os assassinatos da Mossad ("extra-judicial killings", na linguagem eufemista das Nações Unidas) às incursões sem limite pelas terras vizinhas. Ninguém ousa lembrar que Israel se recusa a cumprir as resoluções que a ONU (já agora, sem oposição dos EUA) aprovou, muito embora se levante um escarcéu se outros países procederem de forma similar (desde logo, o Iraque).

Durante a "guerra fria", Israel estava do lado "de cá" e os árabes do "outro lado", embora se soubesse que as coisas não eram bem assim. Os judeus eram o povo perseguido, rodeado de "facínoras" que aproveitariam o seu menor descuido para o esmagar. Por isso, para o ocidente, era de regra apoiar, sem limites, tudo o que pudesse ser apresentado em favor desse "enclave" não árabe, que "dava jeito" quando era necessário (sem que ninguém tivesse de "sujar as mãos"), por exemplo, para dar uma lição às ambições nucleares iranianas ou ver-se livre de alguns terroristas, esquecendo leis. É que, neste "racismo nuclear" que por aí anda, o Irão não pode ter a arma atómica, mas Israel está aparentemente "isento" da observância do Tratado de não-proliferação.

Os EUA, mobilizados pelo lóbi judaico, neutralizam toda a atitude que possa limitar a liberdade do Estado israelita. A Europa, com o ferrete da guerra a marcar-lhe a memória, vive entre piedosos protestos perante os "exageros" de Telavive e os negócios com a constelação dos governos árabes. Estes, com os conflitos entre si a prevalecerem hoje sobre a sua acrimónia face a Israel, vivem mais preocupados em fazer sobreviver os seus heteróclitos regimes do que se sentem mobilizados para a causa palestiniana.

O absurdo de tudo isto é que, se alguém se atrever a afirmar que Israel tem o indeclinável direito de ver respeitadas as fronteiras que lhe foram consagradas pelas resoluções da ONU, é imediatamente acusado de ser inimigo jurado do Estado judaico. E se ousar dizer que, em troca da segurança desse território, garantida, por exemplo, pela colocação de forças internacionais de paz, protetoras dessas mesmas fronteiras, Israel deve prescindir de quaisquer ambições territoriais e recuar na construção de colonatos em territórios que ninguém reconhece como seus, de imediato fica crismado de anti-israelita, provavelmente de anti-semita e, ainda com alguma probabilidade, sei lá!, de simpatizante nazi. Dei-me conta que não falei de Gaza. Para quê?”

Ó vizinho!


Nos idos dos anos 70, representei a Caixa Geral de Depósitos num torneio corporativo (isso mesmo!) de futebol de salão (o nome de futsal é muito mais recente). 

Ainda guardo uma fotografia da nossa equipa desses tempos. Eu era guarda-redes. Tratava-se de uma posição na qual - do andebol, no liceu e no CDUP, no futebol de salão, no ISCSPU e na CGD - eu me "especializara" e em que tinha veleidades de ter algum jeito. Hoje, reconheço ter sido sempre um praticante apenas sofrível, em ambas as modalidades.

De um desses jogos noturnos, defendendo as cores da Caixa em futebol de salão, guardei um episódio divertido. 

A certo passo, num pavilhão cujas bancadas estavam quase desertas, "dei um frango" monumental. Por detrás da baliza que eu defendia, estava sentado, sozinho, um miúdo com uns onze ou doze anos, provavelmente ali do bairro próximo. Mal a bola se afastou para o "centro do terreno" e eu fiquei isolado e algo humilhado com a minha "nabice", ouvi-o chamar-me, muito à moda lisboeta: "Ó vizinho! Vizinho!!!". De início, não dei atenção. Mas ele insistiu: "Ó vizinho!". Acabei por olhar, de soslaio. E lá o ouvi, com um sorriso trocista, lançar-me uma onomatopeia crítica, muito galinácia: "Piu!..."

Ó vizinha!

Scarlett Johansson terá comprado casa em Lisboa. Isto começa verdadeiramente a compor-se!

Só não encontro explicação para o atraso de Marion Cotillard. Com tantas casas à venda aqui na vizinhança...

Alternativa

O CDS afirmou que está preparado para ser “alternativa”. Só não ficou claro em que praça...

Parabéns, RTP !


A RTP deu ontem - ao mundo e aos seus concorrentes internos - uma lição de profissionalismo e de qualidade. O espetáculo produzido no MEO Arena, retransmitido para todo o mundo com uma visibilidade inédita em termos de audiências, onde passaram imagens de promoção subliminar do nosso país com que nenhuma campanha poderia alguma vez rivalizar, foi um excelente exercício de verdadeiro serviço público.

Porque tive o ensejo de acompanhar de perto, como membro do Conselho Geral Independente (CGI) da RTP, o esforço e a dedicação que este trabalho implicou, deixo uma nota muito sincera de imenso apreço pelo empenhamento de todos os profissionais da empresa envolvidos nesta verdadeira mas muito bem sucedida aventura.

sábado, maio 12, 2018

Uma potência vocal?


Ângela Merkel reagiu ao descaso de Donald Trump, face à posição dos seus mais relevantes parceiros europeus no caso do acordo nuclear com o Irão, com a afirmação ousada de que a Europa já não pode contar com os EUA para a sua segurança e para fazer face aos seus desafios geopolíticos mais prementes. 

Ao reagir assim, Merkel lançou uma forte dúvida sobre o próprio futuro da NATO, nos equilíbrios que conhecemos nessa organização, não obstante Berlim dar sinais de estar disposta a respeitar o respetivo “burden sharing” orçamental. Pergunto-me, contudo, se a “nova Europa” a leste de Berlim partilhará desta visão da chanceler alemã, face aos temores que a sua fronteira oriental lhe suscita.

Desta postura afirmativa alemã pareceria decorrer, com naturalidade, o imperativo de um reforço do “pilar europeu”, nestes tempos complexos em que, às provocações de Trump se somam os riscos disruptores do Brexit e o braseiro do Médio Oriente parece reacender-se.

Porém, chamada à realidade por Emmanuel Macron, que desenhou em Aachen (que também já foi Aix-la-Chapelle) o básico para a formatação de uma Europa capaz de reforçar a sua autonomia, Merkel caiu na tentação ofensiva de lembrar ao chefe de Estado francês a escassa idade que ele tinha quando a Guerra Fria acabou.

Angela Merkel, que entrou num mandato que parece prenunciar o início do seu declínio político, revela que a Alemanha está ainda na fase de maturação para poder ser uma potência responsável pela liderança da União Europeia. Em política internacional, as grandes “tiradas” sem consequências práticas disfarçam, as mais das vezes, uma impotência ou a falta de vontade para assumir responsabilidades.

Lady gaga


Passei lá a pé, esta manhã. No Jardim de S. Lázaro, no Porto, junto à biblioteca. E, de repente, lembrei-me! Foi ali, exatamente ali, naquele passeio, como diria, enfaticamente, Hermano Saraiva, para os lugares da sua história com letra pequena.

Deve ter sido em 1967. À época, andava pelo Porto, a fingir que estudava. Numa matinée de sábado, no Cinema Trindade, vi-a. Era lindíssima, uns olhos verdes como nunca mais encontrei, cabelo loiro a cair pelos ombros. No resto, muito bem “desenhada”. Ao lado, um pai de farto bigode, pelo porte e peito saído era talvez militar, olhar perscrutante, mirando em redor. E uma mãe, de quem me não ficou réstea de nota na memória. Eu e ela (a filha, não a mãe, claro) trocámos um olhar breve, com aquele segundo a mais, no intervalo da fita. Pareceu-me que sorriu, mas pode ter sido só “wishful thinking” (na altura, eu ainda não conhecia essa expressão da perceção ao sabor do desejo). À saída, tentei segui-los, mas perdi-os ali pela Picaria.

Passaram meses. Num outro sábado, na Praça, no Imperial, lá estava ela com o duo paternal à ilharga, numa mesa logo à entrada, logo depois de se passar sob a águia. Belíssima, tal como antes. Nos notáveis vitrais do fundo da sala, o casal em tête-à-tête que por lá está era já eu e ela. Dessa vez, tenho a certeza de que me sorriu um pouco mais, embora ao de leve (mas já passou tanto tempo, que nem sei bem...). 

As tardes de sábado, naquele café, eram sempre de enchente (hoje é um McDonald’s...). Bem tentei arranjar uma mesa que me permitisse “to catch the eye” da jovem, para marcar terreno. Mas não consegui. 

Entretanto, chegaram dois comparsas com quem eu tinha marcado encontro por ali, para irmos já não sei onde, compromisso que não podia desconvocar. 

Minutos depois, casal e filha levantaram-se e saíram. Pedi um minuto aos meus estupefactos camaradas e fui atrás do trio. Atravessaram a Praça e, em frente à Sá Reis, apanharam o 6 para Monte dos Burgos. Ela não me viu e, por instantes, fiquei especado no passeio. 

“Fui” pela linha do elétrico. Viveria lá pelo Rosário, onde ele passava a toda a hora e eu passava a pé todos os dias? Ou pela igreja de Cedofeita, já perto do Diu, no cruzamento com a Boavista, onde eu perdia as tardes à conversa? Ela tinha aí uns 16 ou 17 anos. Andaria no Carolina? Às tantas, morava jácna Ramada Alta, onde eu tinha uma tia. Ou em Oliveira Monteiro, onde eu recebia a minha mesada. Ou então lá para a Prelada, onde, quando abonado, eu ia a umas festas noturnas inconfessáveis? Ou seria no fim da linha, já na Circunvalação? Não saberia. Desolado, regressei ao Imperial.

Um dia, ia por S. Lázaro, num autocarro, precisamente com um desses amigos, a quem eu tinha entretanto contado a história do meu romance virtual com aquela ilusiva pequena, quando a vi, sozinha, a caminhar pelo passeio. Estudaria no Esperança? Dei um salto (lembras-te, Albano?), pedi ao motorista para parar fora da paragem (uma emergência é uma emergência, caramba!) e fui ter com ela. Não faço ideia se me reconheceu dos olhares passados, mas lá corar corou, quando lhe falei. Manteve-se de cabeça baixa, sorridente mas silenciosa, até aos Poveiros, enquanto eu tentava sacar-lhe conversa. De repente, reagiu. Embora sem grande convicção, disse-me que o pai não gostava que falasse com estranhos. 

Mas nem imaginam como me disse isso! Com uma voz aflautada, a gaguejar imenso. Era gaga! Mas gaga a sério! Da-da-que-que-las que lhe não lhe sai uma palavra direita. E, além disso, tinha um tom de voz impossível, agudo, bem desagradável. Pela Passos Manuel abaixo, eu já não sabia o que havia de fazer. Ela continuava a ser muito bonita, embora então, confesso, já um pouco menos. Aí pelo Coliseu, começava claramente a dar-me uma “abébia”, deixando claro que as coisas iriam no sentido que eu quisesse. Mas, meu deus!, aquela maneira de falar, estragava tudo! 

Já não sei como saí de cena! Sei que não fui cruel, que fui correto e que inventei qualquer coisa para zarpar sem chocar aquela beleza soluçante, cujo nome, que então me disse, já esqueci há muito. Confesso que este episódio me ficou para sempre, como um imenso “balde de água fria”. Contá-lo, nos dias que correm, é talvez politicamente incorreto, mas a realidade é o que foi. 

Um dia, bastante tempo mais tarde, relatei a história num grupo, no Porto. Uma amiga disse-me: “Bonita, olhos verdes, voz aflautada e imensamente gaga? Conheço-a! Sei quem é!” A conversa com a minha amiga também já teve lugar há muito, mas como ela passa muitas vezes por esta página, pergunto-lhe agora: lembras-te da história, Milú?

sexta-feira, maio 11, 2018

Santarém, 20 horas


Eram quatro da tarde desta sexta-feira. Tínhamos acabado uma reunião de trabalho, no Porto. Um dos meus colegas, sorridente, lançou-me: “Então?! Sentiu-se atingido pelo que o Marcelo disse?”. O que é que “o Marcelo” disse? Eu estava “a leste”! E deram-me então conta do essencial das palavras do presidente, em que mencionara a nossa diplomacia em termos que justificadamente não agradaram à “casa”. Palavras que eu desconhecia, em absoluto. Tal como, naturalmente, não sabia que a nossa associação sindical tinha já reagido ao que o chefe de Estado tinha afirmado. 

Percebi então por que razão tinha no telemóvel algumas chamadas telefónicas, não atendidas, de dois jornalistas, a quem não tinha respondido, porque o meu dia de ontem foi “impossível” - entre quatro horas de aulas, escrita de dois artigos hoje publicados, uma viagem de algumas horas e outras coisas. E, no dia de hoje, com duas reuniões, não tinha ainda lido jornais portugueses (e nada vinha no FT nem no “The Economist”, que me acompanharam ao almoço solitário na “invicta”, em que ainda tive tempo para escrevinhar uma historieta de outros tempos que logo publicarei).

Que se pode dizer sobre aquilo que o presidente disse? Pouco, para sermos generosos. Creio ser óbvio que o que o presidente quis dizer é que há figuras públicas conjunturais que, pelo seu excecional impacto no mercado das imagens, levam, por vezes, o nome de Portugal mais longe do que os mecanismos oficiais e tradicionais de representação. Só que as palavras que usou não foram as melhores, “to say the least”. Toda a gente tem direito a um momento infeliz, pelo que não devemos privar o presidente da República dessa nossa “bula” de desculpabilização. Fez muito bem a Associação Sindical em reagir, nos termos elegantes, mas firmes, em que o fez. Dignificou-se e mostrou que está atenta e atuante. Parabéns! 

Quem me conhece sabe que passei a vida profissional, às vezes numa incómoda solidão, a reagir aos ataques feitos à nossa diplomacia - em artigos, comentários na imprensa ou nas redes sociais, intervenções públicas. Sem falsa modéstia, não conheço ninguém que, nas últimas décadas, tenha dado sistematicamente a cara por esta questão da forma como eu o tenho feito. 

Da última vez que “fui a jogo”, não há muitas semanas, recebi vários apoios à determinação com que denunciei mais um ataque, soez e mentiroso, contra os diplomatas portugueses. Acho que não estarei a fazer uma inconfidência grave se revelar que um desses “abraços” escritos, felicitando-me pelo modo como tinha ido a terreiro defender a dignidade da carreira diplomática, que ele era dos primeiro a prezar e muito estimar, tinha uma assinatura: Marcelo Rebelo de Sousa. Porque sei que o fez com uma sinceridade que corresponde ao que intimamente sempre pensou, acho que este assunto deve agora ser encerrado, com honra para todos.

Por onde anda a Europa?


 

Há dias, durante a 3ª Conferência de Lisboa, George Friedman traçou um retrato pouco lisonjeiro da Europa dos nossos dias. 

Naquele jeito simplificador, às vezes cruel, que os americanos têm para olhar a realidade, Friedman fez notar que o grande período de desenvolvimento e bem-estar europeus acabou por ter lugar num continente que, na era contemporânea recente, nunca controlou o seu destino. 

Com efeito, palco principal da Guerra Fria, a Europa viveu tutelada por uma União Soviética que impunha a sua ordem ao centro e leste do continente e, a ocidente, pelos Estados Unidos, que garantiam a sua segurança, face à ameaça totalitária. O Reino Unido era o seu parceiro preferencial, os arroubos soberanistas da França eram pouco mais do que isso, a Alemanha tinha um muro a dividi-la e a limitá-la. A América era o principal poder europeu.

Entretanto, a URSS perdeu a Guerra Fria, implodiu e partiu-se em 15 países, parte dos quais passaram a hostilizar a Rússia, sua principal herdeira. Com a unificação, a Alemanha tornou-se mais assertiva e menos refém dos seus fantasmas e, com a França e outros Estados “like-minded”, criou o sonho de dar vida política, sólida e integrada, à pujança económica que o projeto integrador lhe tinha criado. 

Friedman é de opinião de que o aprofundamento (aumento do corpo de políticas) e o alargamento da União Europeia, em lugar de a reforçarem, suscitou receios e tropismos nacionalistas que, nos dias de hoje, impedem o pleno sucesso do projeto e estão na origem das dificuldades que ele atravessa. Para o académico americano, ao crescer, a Europa enfraqueceu-se, perdendo em identidade.

Será assim? Com realismo, acho que Friedman não tem completa razão: as notícias sobre a morte da Europa unida parecem prematuras. A União, com todas as suas fragilidades, ainda é um espaço institucional com peso, nomeadamente nas dimensões económicas à escala global, muito embora, no plano de influência política nos grandes cenários estratégicos, apenas vá merecendo o Óscar para o melhor ator secundário.

É um facto, não passível de contestação, que a diversidade induzida na União Europeia, pelo cruzamento de culturas distintas, que configuram vontades diferentes e por vezes até conflituantes, é um fator de bloqueio à plena expressão operativa do um poder político à altura do peso económico dos seus componentes e à sua capacidade de ação conjugada – nomeadamente nos grandes dossiês comerciais, ambientais e em matéria de desenvolvimento.

A muitos custará admitir isto, mas a visibilidade europeia é sempre tanto maior quanto melhor conseguir trabalhar com o seu mais velho amigo político, ao lado de quem esteve em dois conflitos mundiais. E quando os Estados Unidos, cuja auto-determinação estratégica é feita com a liberdade que só as grandes potências têm, não vêm razões para “dar confiança” ao lado de cá do Atlântico, a Europa entra numa orfandade para a qual não consegue descobrir um lenitivo eficaz.

Trump é talvez um tempo extremo nesta deriva, mas, com alguma memória, valerá a pena lembrarmo-nos de que Obama não privilegiou a Europa e terminou o seu mandato cada vez mais voltado para a Ásia. 

Verdade seja que não há muito que a Europa possa fazer neste domínio, senão tentar tornar-se relevante para Washington. Mas isso acarreta sempre o risco de seguidismo e de diluição de uma estratégia própria consequente.

A França e o Reino Unido, ao acompanharem os EUA nas simbólicas flagelações na Síria, não representaram a União Europeia, tanto mais que Londres dela está de saída. Ambos os países representaram-se apenas a si próprios e à sua vontade de reafirmar a responsabilidade estratégica que compete a aliados e membros Conselho de Segurança da ONU.

Londres e Paris, desta vez com Bruxelas à mistura, viriam aliás a aprender, dias depois, o que realmente valem (ou não) para Washington, ao serem postos perante o facto consumado do afastamento americano do acordo nuclear sobre o Irão, em que União Europeia tanto se empenhou.

Deixemo-nos de ilusões: para aquilo que os EUA de hoje definem como seu interesse prioritário, a União Europeia é praticamente irrelevante. E isso enfraquece fortemente a Europa.

“Lisboa, Tejo e tudo”


Lembrei-me do nome de uma velha revista do Parque Mayer ao passar, ao final tarde de ontem, na Ribeira da Naus, com um sol deslumbrante e uma multidão descontraída de turistas de todo o tipo. A sensação de uma cidade de bem-estar, com segurança e acolhimento simpático, é algo que, como português, só me conforta.

Na passada semana, organizámos na Gulbenkian uma conferência de dois dias, sobre temáticas internacionais. Poucos acreditarão se disser que trouxemos - da China e dos EUA, da Índia, da Rússia e de vários outros países europeus – convidados muito qualificados, que se voluntariaram para se deslocar até nós, imagine-se!, sem a menor retribuição. O nosso evento era atrativo, mas Portugal e Lisboa são muito mais.

Às vezes, numa snobeira muito portuguesa, ouço pessoas a reagir contra a “invasão” de estrangeiros. E vejo confundir a presença de turistas com o surto de aquisição imobiliária que, em Lisboa, está visivelmente a descaraterizar alguns bairros antigos. Estamos, contudo, a falar de coisas muito diferentes, embora ambas concorrentes para aquilo que, por décadas, foi um. objeto central da nossa atividade de promoção externa: captar turismo e atrair investimento. 

Não podemos ter “sol na eira e chuva no nabal”. 

É claro que os preços andam mais altos nos restaurantes, que não se encontra um lugar sentado num elétrico, que não pode passar pela cabeça de nenhum indígena lembrar-se de ir visitar a Torre de Belém ou comer um pastel na casa deles ali perto. Porém, se queremos que o país, como um todo, beneficie do impacto dos visitantes sobre as contas do Estado, com rendimentos que abatem o défice e facilitam o exercício das políticas públicas, não podemos incorrer no erro de diabolizar a onda que inunda as nossas cidades – e Lisboa, onde vivo, é apenas um exemplo forte, como o será igualmente o Porto. O turismo poderá ser pontualmente incómodo, alguns “sofrê-lo-ão” mais do que outros, mas é, em termos globais, uma benesse que nos caiu em sorte. Sabe-se lá por quanto tempo.

Os impactos sobre o mercado imobiliário terão, com certeza, de ser melhor medidos, controlados, mas nunca desestimulados. O surto de renovação de edifícios que este influxo de capital externo provoca é algo que, a prazo, beneficiará profundamente a vida das cidades. Os estrangeiros que compram apartamentos não “levam consigo” as casas. Elas “ficam” por cá e, renovadas, são ativos imobiliários para o nosso país do futuro.

Nestes dias de Eurovisão, em que a RTP, com imenso profissionalismo, leva o melhor de Portugal pelo mundo, acho quase uma obrigação “patriótica” deixar de lado o catastrofismo cético e ficar orgulhoso pelo país aberto e acolhedor que por aí anda.

quinta-feira, maio 10, 2018

Jornalismo saloio

Quem por aí começou a dizer (porque ninguém disse isso, por décadas) “o Chipre” também diz “a Malta”? 

quarta-feira, maio 09, 2018

Género

Fez muito bem o presidente da República ao vetar a lei da mudança de género aos 16 anos. Sei que vários amigos vão dizer que sou um reacionário ao exprimir esta opinião, mas esse é o lado para onde eu durmo melhor.

Uma oportunidade perdida


A fotografia de cima é do histórico dia de 2015 em que, depois de longos meses de negociação, foi possível garantir um acordo nuclear com o Irão. À direita dessa imagem, junto de John Kerry, está o principal negociador americano, o então responsável pela Energia no governo Obama, Ernest Moniz. 

Por coincidência, Ernest Moniz encerra hoje, em Lisboa, a conferência “Sharing the future”, em que ontem tive o gosto de fazer a alocução inaugural.

Ontem, poucos minutos depois de Trump rejeitar aquilo que a América tinha assinado, deu-se a coincidência de ter jantado ao lado de Ernest Moniz.

A certo passo da nossa conversa, perguntei-lhe quem teria sido responsável por ”convencer Trump” a rasgar o compromisso. A resposta de Moniz foi imediata: ”A responsabilidade é de Obama”. Perante a minha estupefação, esclareceu: “Trump só tem uma agenda: fazer tudo exatamente ao contrário daquilo que Obama fez. Por isso, não precisou de ser convencido por mais ninguém...”


terça-feira, maio 08, 2018

De caleche ao barbeiro



O “Leão” era na Praça, o que, em Viana do Castelo, apenas significa a Praça da República. Era um barbeiro que ficava ao lado da Farmácia Nelsina, do velho Café Américo e da antiga Casa Aires, em frente ao Café Bar, perto do chafariz (nas casas à direita da imagem). Nos dias de hoje, já não existe no local.

Nesse tempo dos anos 60, os veículos acediam a todo o espaço da praça. Até as caleches, com que os fidalgos da Ribeira Lima, ou quem se lhes queria assemelhar, se passeavam, impantes, nas vésperas das Festas (nome por ali da romaria da Senhora da Agonia) ou nos verões de vilegiatura.

José Gonçalo Correia de Oliveira, ministro do salazarismo - aliás, dos melhores e mais competentes que a ditadura teve - chegou um dia à porta do “Leão”. Vinha da sua casa de férias, em Belinho, perto de Viana, e, com a coreografia equestre a ajudar, pensou dar a honra ao principal barbeiro da cidade de lhe cortar a ministerial cabeleira, naquele estilo puxado para trás, “brillcreamado”, muito Estado Novo. 

A sala do “Leão” estava cheia. Nas cadeiras, junto à parede, aguardavam vez vários clientes. Correia de Oliveira tinha pressa e disse-o ao dono da barbearia. Este, subindo a voz para ser escutado, explicou, com delicadeza, que havia uma ordem de prioridade de atendimento que era obrigado a respeitar, a menos que todos os clientes à espera concordassem em deixar passar o “senhor doutor” à frente. 

Pela sala, ouviu-se então um eloquente e esmagador silêncio. Correia de Oliveira, nesse tempo de prestígio em que a sua reputação não tinha sido ainda atingida pelo escândalo dos “ballet rose”, percebeu, fez meia volta e bateu em retirada, com aquela cara de mocho ainda mais fechada do que habitualmente já era a sua. E lá foi sentar-se na esplanada do Café Bar, com o seu ar inchado, botas de cano alto, que o Manel, pressuroso, correu a engraxar-lhe. E a caleche ficou à espera.

Nos dias seguintes, a história correu a cidade, entre risos e comentários jocosos. E ficou nos anais vianenses. 

Diz-se que, pouco tempo mais tarde, terá havido um “remake”, mas só parcial. Esbaforido, entrou no “Leão” um jovem vianense, expondo a sua pressa em ser atendido. Explicou que vinha de uma “direta”, da sua despedida de solteiro. Casava-se dali a horas e perguntava se podia ser servido com prioridade. A sala estava tão cheia como na data da infortunada entrada do ministro salazarista da caleche. A interrogação, em voz alta, do dono da barbearia foi a mesma. A resposta, porém, foi a oposta: todos os clientes, com simpatia, se mostraram abertos a prescindir da sua vez.

Ir de caleche ao barbeiro começava a não dar prioridade...

segunda-feira, maio 07, 2018

Jornalismo ou claque?

Ontem, no “Diário de Notícias”, iniciei a leitura de um texto de “opinião” de Paulo Baldaia, um jornalista que frequentemente aprecio, numa espécie de suplemento que o jornal trazia sobre a (muito justa) vitória do Futebol Clube do Porto no campeonato. 

À medida que lia o artigo, dei-me conta que estava a ser vítima de um equívoco (uso um eufemismo piedoso). Quem o escrevia não era o jornalista Paulo Baldaia, mas o adepto portista Paulo Baldaia. O comentário não tinha o equilíbrio mínimo que é exigido a um jornalista; era um artigo de claque, digno de uma qualquer “Gazeta das Antas”. Nessa altura, interrompi a leitura e notei que, na qualificação de autor do texto estava: “Jornalista e adepto do Porto”. 

Era falso: Paulo Baldaia, nos seus comentários enviezados de elegia gongórica ao seu clube, não estava a ser o bom jornalista que é, estava a ser apenas adepto do Porto. Ora eu não dou dinheiro por um jornal para ler comentários de fanáticos de emblemas, alegando, não sei bem a que propósito, a sua qualidade de jornalistas. Do Porto, do Benfica, do (meu) Sporting ou do Cascalheira, sem qualquer menosprezo para este último.

Deixo assim aqui este meu protesto ao “Diário de Notícias”, com cordial extensão ao Paulo Baldaia, anterior diretor do jornal, e ao José Ferreira Fernandes, seu atual diretor e, por acaso, adepto da agremiação que, este fim de semana, empatou com o clube do embaixador e adepto do Sporting que subscreve este texto - escrito não num jornal, mas neste seu blogue, que é de leitura gratuita.

domingo, maio 06, 2018

Bola (2)

Visto o jogo (em diferido). O Benfica foi uma equipa mais articulada e mais perigosa. Só que o (meu) Sporting tem um magnifico guarda-redes! Em puro jogo jogado, o Benfica merecia a vitória. Curiosamente, houve dois penaltis indiscutíveis perdoados ao Benfica. No segundo, o árbitro não tem a menor desculpa: estava mesmo sobre o lance. E foi perdoado um imenso vermelho direto a Bruno Fernandes. Árbitro medíocre e medroso. Por este e por outros é que não há nenhum árbitro português no Mundial.

sábado, maio 05, 2018

Bola

Excecionalmente, hoje tinha decidido ver o Sporting-Benfica na televisão. Desisti, ao final de algum tempo. Dei uns berros, insultei um adepto do Benfica vestido de árbitro por ter poupado um indiscutível amarelo a um tipo qualquer de vermelho e, logo de seguida, ter roubado ao Sporting um penálti mais do que flagrante. Para não me aborrecer mais, fui ler um livro. Acabei-o agora. São 23.30. Soube que empatámos a zero com os de Carnide, mas não sei se o resultado foi justo ou não. Logo verei. Vou agora, com toda a calma e sem hipótese de taquicardias, ver o jogo em diferido. Desde há uns tempos, só consigo ver assim os jogos do (meu) Sporting. Boa noite.

Lisboa, avenida Marx



Marx nasceu há 200 anos, num 5 de maio. Era um femeeiro, o que, estou seguro, muitos dos meus amigos não considerarão um defeito por aí além. Sobre isso, não digo o que penso. Françoise Giroud, na biografia que fez da sua mulher, a esse propósito, cobriu-o de notas de muito mau comportamento. 

Tinha um grande e rico amigo que lhe financiava muitos gastos (onde é que eu já ouvi isto?), mas chegou a passar dias de fome, dificuldades familiares imensas. Às vezes, na vida, terá sido incoerente com coisas que defendia, como acontece aos melhores. E ele estava, sem a menor sombra de dúvida, entre os melhores dos melhores: era uma inteligência brilhante, um economista e um filósofo que tratava a História por tu. 

Fui seu seguidor. Para utilizar uma expressão que Sophia de Mello Breyner dizia a propósito de um certo crítico literário, na minha juventude eu sabia mais Marx do que aquilo que compreendia... Nos tempos de universidade, para muitos de nós, ser "marxista" estava quase no inevitável "air du temps", qualquer que fosse a tendência que se escolhesse - e elas eram imensas, no menu ideológico disponível. O marxismo, mais ou menos "mecanicista" (que estiver interessado pode aprofundar o conceito), fez parte da escola “primária” de pensamento de muita gente da minha geração. Não deixa, por isso, de ser patético observar o modo como alguns se empenham, nos dias de hoje, em tentar  fazer esquecer esse que foi também o seu tempo. Por mim, não caio nessa, era só o que faltava!

Na minha primeira ida a Londres, no final dos anos 60, entrei por um buraco da cerca do cemitério de Highgate, na altura muito ao abandono, para visitar o seu belo túmulo. Fui a Trier, hoje na Alemanha, à casa onde nasceu, peregrinei por todos (mesmo todos) os lugares onde viveu, bebi à sua memória uma "half pint" no Jack Straw's Castle, o seu pub preferido, em Hampstead. Li-o com avidez, enquanto me achei soldado indispensável na tarefa cívica de mudar o mundo, quer esse mundo estivesse para aí voltado ou não. Tive metros de estante com obras suas, dos seus seguidores, dos seus intérpretes, dos seus múltiplos detratores. Todas jazem hoje na biblioteca onde repousam os livros sobre tudo aquilo em que um dia acreditei. É que isso faz parte de uma herança de ideias que, nem por tê-las abandonado, alguma vez ousarei renegar. Continuo a manter - e digo-o alto, para que não restem dúvidas - um imenso respeito por essa personalidade fascinante que marcou o pensamento político-económico do século XIX, que esteve sempre presente na vida mundial durante todo o século XX - muitas vezes associado a opções políticas sinistras, outras vezes por muito boas razões, mas nunca ausente. Agora, no século XXI, revisitá-lo parece voltar a estar na moda, mas eu, que já dei para esse peditório, que já não faz parte das minhas prioridades de leitura e estudo, não vou por aí. 

Não obstante, quando cruzo a avenida da Liberdade, pela rua Alexandre Herculano, e olho a estátua de António Feliciano de Castilho, lembro-me muitas vezes da frase do meu saudoso professor de Economia Política, Ramos Pereira, que estava longe de ser marxista mas sempre ironizava: "não sei como é que o Salazar deixou erguer em Lisboa uma estátua a Karl Marx"... 

Nada emoldura mais uma pessoa na História do que dela poder dizer-se que o mundo, se acaso ela não tivesse existido, teria sido muito diferente. É o caso de Karl Marx.

sexta-feira, maio 04, 2018

Dhlakama


Morreu Afonso Dhlakama, líder da Renamo. Nunca consegui ter uma opinião definitiva sobre se o essencial das suas reivindicações políticas face ao governo da Frelimo tinha alguma real legitimidade ou se apenas decorria de uma atitude de não aceitação do resultado do escrutínio democrático e do desejo de ver consagrada, “de facto”, uma espécie de balcanização de Moçambique.

Dhlakama parecia ser uma figura humana curiosa, a acreditar em vários testemunhos. Jaime Nogueira Pinto, no seu livro “Jogos Africanos”, dedica-lhe alguns comentários interessantes, que ajudam a definir a sua personalidade e até a sua “aprendizagem” ao mundo político, tutelada por amigos e parceiros (alguns bem estranhos) estrangeiros. Mas, ao escrever o que então escreveu (livro que recordo bem, porque vim propositadamente de Brasília a Lisboa para o apresentar), Nogueira Pinto não pôde deixar de ter em atenção de Dhlakama estava ainda no “ativo”, pelo que não deixou por escrito alguns outros pormenores interessantes sobre aquela figura, que agora pode vir a ser tentado a revelar. Ou talvez não, porque a morte “santifica” os amigos.

Dhlakama foi, durante muito tempo, uma personalidade quase mítica, sobre a qual pouco se sabia. Um dia de 1992 ou 1993, o nosso embaixador em Nairobi, Paulo Barbosa, foi autorizado a ter um encontro com Dhlakama. O diplomata mandou depois, por DHL, através de Londres, um “apontamento de conversa” em que estabelecia um interessante perfil do lider rebelde. Recebi esse texto em Londres, onde estava nessa altura, e reencaminhei-o para Lisboa. Ainda me lembro bem da leitura que o meu colega (que infelizmente já morreu há alguns anos) fazia dos traços de personalidade do político (aparentemente “naïf) que titulava a guerrilha contra a Frelimo. 

Tudo se tornará mais calmo em Moçambique após a morte de Dhlakama? Não sei. Em Angola, a morte de Jonas Savimbi abriu caminho à pacificação do país, mas cada caso é um caso.

A batalha do cheque


Uma noite primaveril de 1996, sentado numa esplanada de Roma com um colega que, tal como eu, era responsável pelos Assuntos Europeus no seu governo, depois de um jantar de trabalho, falei da questão do poder entre os países da União Europeia. Disse da dificuldade que Portugal por vezes sentia para conseguir defender os seus interesses, situados que estávamos num patamar diferente daquele que prevalecia no processo decisório em Bruxelas. E acrescentei que essa marginalização podia, a prazo, vir a reduzir a legitimidade das instituições comunitárias aos olhos dos cidadãos do meu país.

O meu colega sorriu e disse-me: “Na Europa, meu caro, o poder é importante, não por si, mas apenas porque significa dinheiro! Sem dinheiro, pode haver belos discursos, mas ninguém acredita na Europa. As “trente glorieuses” (os trinta anos de desenvolvimento e bem-estar que marcaram o início das Comunidades) só foram “gloriosas” por isso: mudanças na paisagem, dinheiro nos bolsos e, claro, uma sensação de real bem-estar. Por isso, a luta permanente é pela riqueza, pelo cheque nacional, a cada sete anos, quando chega o momento de divisão do orçamento comunitário. Sem isso, os povos não aderem à Europa”.

Ontem, ao ouvir notícias sobre a proposta modesta do novo orçamento plurianual da União Europeia, lembrei-me do comentário daquele meu colega. E voltei ao dia em que, um ano mais tarde, tinha recebido um documento idêntico, para as finanças europeias entre 2000 e 2006. Recordei o nosso desapontamento face ao que foi apresentado pela Comissão, não obstante o imenso trabalho que tínhamos feito a montante da divulgação do projeto. Guardo a imagem de uma reunião muito preocupada em S. Bento, com António Guterres e Jaime Gama, onde se estabeleceu a estratégia a seguir. Depois, foram centenas de horas de reuniões, durante dois anos, por várias capitais europeias, até àquela noite final de março de 1999, em Berlim, em que, lá pelas seis da manhã, fechámos as negociações. Com êxito, diga-se.

Este quadro financeiro europeu vai ser o mais difícil de todos, pelo que não invejo a tarefa do governo de António Costa. Com a saída do Reino Unido, importante contribuinte para o orçamento, e a pressão para o reforço de novas políticas, em especial ligadas à segurança e ação externa, com a palavra solidariedade em baixa de popularidade nos corredores de Bruxelas, esperam-se dias muito difíceis para Portugal nesta nova “batalha do cheque”. 

A Europa não é só o dinheiro, ao contrário do que dizia o meu amigo calvinista. Mas, sem ele, não há Europa.

quinta-feira, maio 03, 2018

3ª Conferência de Lisboa


Tive hoje muito gosto, como presidente das Conferências de Lisboa, de acolher o presidente da República na abertura dos trabalhos que se prolongam até ao final da tarde de amanhã, na Fundação Calouste Gulbenkian. 

As Conferências de Lisboa têm lugar cada dois anos, sob a chancela do Clube de Lisboa, cujo site pode ser consultado aqui.

A Conferência deste ano tem como título “Desenvolvimento em tempos de incerteza” e conta com a participação de especialistas estrangeiros nas várias temáticas abordadas nos seis painéis - Poder, Segurança, Globalização, Planeta, População e Europa

A intervenção do presidente Marcelo Rebelo de Sousa pode ser vista aqui e as palavras com que abri os trabalhos aqui.

2 de maio de 1972


Onde diabo é que eu estaria no dia 2 de maio de 1972? Andava há muito cá por Lisboa, trabalhava na Caixa Geral de Depósitos, no Calhariz. Provavelmente, ao final da tarde, teria passado pelo bar que havia no topo da livraria Opinião, na rua da Trindade, para uma "cuba libre". Ou teria tido a uma aula de um curso de Semiologia, dado pelo Eduardo Prado Coelho, no Centro Nacional de Cultura, nas traseiras da Moraes. Depois, apanhado que fosse o 21, no Rossio, tinha ido jantar a casa, aos Olivais. Ou talvez não: talvez tivesse ficado pela zona do Monte Carlo, jantando no Toni dos Bifes, indo depois para a conversa no grupo do café, a comentar a confusão que, na véspera, tinha testemunhado no 1º de maio, no Rossio.

De uma coisa tenho a certeza: não estive nessa noite na inauguração do Bar Procópio, da minha amiga Alice Pinto Coelho. E ninguém (ou melhor, ela fê-lo, mas apenas hoje) me avisou a tempo para eu ir lá comemorar. Com todas estas desconsiderações, qualquer dia, levo a mal, desço as escadas e passo-me para a Tasca do Papagaio. É o mais certo!

terça-feira, maio 01, 2018

Israel e o Irão

Percebo que o programa nuclear iraniano crie sérias preocupações. Por essa razão, deve ser preservado, a todo o custo, o laborioso acordo negociado entre Teerão e a comunidade internacional, que prevê mecanismos de controlo sobre a atividade iraniana nesse domínio. Só irresponsáveis podem defender que mais países possam ter acesso a meios nucleares para fins potencialmente bélicos. 

Acho, contudo, de uma desfaçatez sem limites que Israel surja a mostrar indignação sobre o assunto, sem que o mundo solte uma gargalhada. É um segredo de Polichinelo que Israel mantém um programa análogo e tudo indica que possui já a arma nuclear. Talvez não seja por acaso que Israel se recusa assinar o Tratado de Não Proliferação e que, desde sempre, rejeitou quaisquer inspeções da Agência Internacional de Energia Atómica. As quais, note-se, o Irão tem vindo a aceitar, nos termos em que se comprometeu.

Tarde do dia de Consoada