A Europa vive um momento raro de teatro. Confrontada com o corpo estranho que é o novo governo grego, que desde o início lhe contesta a filosofia orientadora, foi a cara de Dijsselbloem, o ministro holandês que preside ao Eurogrupo, a que melhor refletiu, desde o início, aquele misto de perplexidade e arrogância que foi a reação do “statu quo” comunitário. O jogo facial não terminou, porém, por ali. Entre o semblante fechado de Schauble e o ar jovial, latino do Norte, de Juncker, a Europa tentou descobrir a melhor forma de flexibilizar uma Grécia desengravatada, que lhe provocava a coreografia consuetudinária. A Europa não quer perder, sabe que não pode ser vista a perder, mas tem consciência de que o sentido de responsabilidade impõe que mostre um mínimo de abertura.
Quer Bruxelas quer Atenas começaram por navegar à vista. Os gregos colocaram em cima da mesa um conjunto de ideias, racionalmente coerentes, mas completamente à revelia da ortodoxia dominante. Não era difícil prever que a resposta institucional fosse, em absoluto, negativa. A Comissão, com anos de experiência em adocicar Estados recalcitrantes, lançou, talvez cedo demais, uma espécie de boia semântica, que pudesse salvar as duas faces que se confrontavam. Os alemães, sujeitos a uma barragem mediática sem precedentes por parte das novas autoridades gregas, forçaram a recusa do gesto. A sua opinião pública, com os títulos da imprensa a ressoarem diariamente as provocações helénicas, não compreenderia. Nem a senhora Merkel ousou fazer de “good cop”. Para Berlim, a Grécia terá de “morder o pó”, como se dizia nos “westerns”…
Numa tática antiga, as instituições procuraram – e não admiraria que viessem a procurar de novo – explorar uma possível dualidade interna grega, entre um primeiro-ministro que parecia politicamente mais abordável e um ministro das Finanças que dava ares de caminhar em glória aos ombros de si próprio, como se as derrotas o fortalecessem. Por um momento, chegou a parecer que ambos diziam coisas algo diferentes, mas o tropismo da política interna acabou por também reempolgar Tsipras.
A Europa tem do seu lado o tempo, a Grécia tem a pressa, que lhe limita as opções. Bruxelas percebeu que era importante atenuar a estratégia confrontacional grega. Deu-lhe, num papel, as “instituições”, em lugar da “troika”. Em contrapartida, obrigou-a a aceitar a ida a Atenas dos seus técnicos. Os gregos avançaram generalidades, Bruxelas recupera agora a mão e quer coisas concretas, calendários, quantificações. Atenas dá sinais de que parece esperar que, na iminência de uma situação de catástrofe, a Europa conclua que pode ser politicamente mais barato um compromisso.
Pelo meio de tudo isto, Varufakis posou, de senhora ao lado, para o “Paris Match”, num terraço à vista da Acrópole, Santorini fresco no copo. Numa conferência, fez um “dedo de honra” aos alemães. Se esta tática grega funcionar, modestamente, reverei tudo o que quatro décadas de diplomacia me ensinaram. E com grande gosto, confesso.
(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")