sábado, março 21, 2009

Lavadeiras de Portugal

"Les Lavandières du Portugal", de que pode ver e ouvir aqui um extracto, foi, em 1955, o grande êxito da vida musical da cantora Jacqueline François, que acaba de morrer aqui em Paris.

É um Portugal de improváveis lavadeiras de Setúbal, que o autor da letra põe a beber "manzanilla" ou "xerez", o que dá bem nota de confusão ibérica, que, sobre o nosso país, ainda pairava na mentalidade francesa de então.

Dois anos mais tarde, o exotismo passa ao cinema, com uma comédia com o mesmo título da canção, desta vez ligada à procura de uma lavadeira portuguesa para fazer publicidade de uma máquina de lavar. Com o nome de Paquita Rico no elenco, segue-se idêntica linha de rigor étnico-geográfico. E, pelo cartaz junto, pode logo perceber-se que se trata, de facto, de uma lavadeira portuguesa-tipo, nos idos de 1957...

Alcoforado

Ontem, escrevi aqui, com óbvia ironia, que as famosas Cartas Portuguesas, escritas pela freira Mariana Alcoforado ao seu amor francês, o conde de Chamilly, seriam um "efeito colateral" positivo das invasões francesas.

Erro crasso, que agora plenamente assumo, graças a uma nota do nosso correspondente Vasco Campilho: Maria Alcoforado viveu entre 1640 e 1723, isto é, muito antes das invasões francesas, que ocorreram no início do século XIX. Chamilly estava em Portugal, não como invasor, mas como aliado a ajudar o país na guerra da Restauração da independência. A foto é da janela do Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, que se diz que Mariana utilizava para olhar o mundo exterior.

Só não concordo com Vasco Campilho quando ele diz que "soror Mariana não se teria entregue com o mesmo ardor ao representante de uma potência ocupante". Sabe-se lá que invasões o amor pode desencadear...

Bacalhau

Ao ler hoje algo sobre Honfleur, tentando descobrir um pouco mais sobre a bela cidade costeira do norte de França onde um grande amigo meu brasileiro tem uma casa de férias, para saudável inveja de muitos, entre os quais figura este escriba, descobri que Alphonse Allais, o humorista e escritor, do tempo da Belle Époque, nasceu por lá.

Mas por que diabo, ao recordar Honfleur e Allais, me sai este texto? Porque li ontem um artigo no Libération sobre o bacalhau - com o título sugestivo de "Morue de faim" - onde, como é de regra, se liga esse peixe à antiga imagem de comida pobre, bem como à alimentação portuguesa, e se cita um dito, como sendo da autoria de Allais, que não resisto a transcrever: "Por que será que, sendo o mar alimentado pelos rios, que são de água doce, todo o mar é salgado? Não sabem? É porque os bacalhaus transmitem o seu sal ao mar..."

sexta-feira, março 20, 2009

Invasões francesas


Pelo segundo ano consecutivo, a cidade de Boticas, em Trás-os-Montes, vai honrar uma tradição de dois séculos e, com fins comerciais, enterrar em saibro garrafas do vinho da região.

O chamado “vinho dos mortos” teve origem nas invasões francesas em 1808. Para evitar as pilhagens, a população escondeu vinho debaixo de terra. Quando os invasores se retiraram, descobriu-se que o vinho estava melhor. A tradição manteve-se em várias famílias, mas, até recentemente, apenas para consumo caseiro.

Daqui se prova que as invasões francesas acabaram, afinal, por ter alguns “efeitos colaterais” positivos...

Em tempo: eliminou-se neste post a referência às Cartas de soror Mariana. Veja porquê aqui.

E, sobre o assunto, leia também A Nova Floresta.

Portugueses

Daqui a 50 anos, existirão em Portugal 271 pessoas com mais de 65 anos para cada 100 com menos de 15.

Se Portugal não tiver imigração, passaremos, nessa altura, a ter 8 milhões de habitantes, em lugar dos cerca de 10 milhões actuais.

Mais do que algumas outras opções de natureza política, que, para alguns, condicionam dramaticamente o nosso futuro como nação, o país necessita de fazer uma reflexão estratégica profunda sobre as suas perspectivas demográficas. É que não há Portugal sem portugueses.

quinta-feira, março 19, 2009

Varanda da Europa

A revista francesa de turismo e viagens "Destination" acaba de dedicar o seu nº 2 a Portugal (o primeiro foi dedicado a Nova Iorque).

Para além de um tom geral muito positivo e de grande simpatia que ressalta dos textos, confesso que não fico muito feliz ao notar que continua a projectar-se, em muitas das páginas da publicação, a imagem de um país ainda próximo do tom das montras da nossa velha "Casa de Portugal" na rue Scribe, ao tempo de José Augusto e do Verde Gaio: velhinhas à saída da missa ou penduradas nas varandas dos bairros pobres, bem como os inevitáveis reformados ao sol, com as usuais proeminências abdominais. E, nos comentários, sempre, sempre, a ladainha da nostalgia, do fado, da tristeza, do olhar melancólico. Vá lá: ao menos, desta vez, livrámo-nos das redes dos pescadores, com camisas aos quadrados... Esse Portugal também existe, faz parte daquilo que também somos. Mas haverá necessidade de estar sempre a reiterá-lo, como se esses sinais fossem um nicho de "riqueza" etnológica a explorar? Quase só falta o slogan: "vá a Portugal e visite o passado"...

Lembrei-me disto hoje, dia da inauguração do nosso pavilhão no salão de promoção turística "Monde à Paris". Lá estamos, com bastante dignidade e com um nível de comunicação eficaz, servidos por documentação dotada de textos e fotos com muita qualidade, embora sem os espaventos que os tempos desaconselham. A nossa oferta actual é magnífica e a França cada vez mais a aprecia, estando em crescendo a sua contribuição para os nossos ganhos europeus em matéria turística. E vamos preparar outras iniciativas, sob a responsabilidade das várias regiões turísticas, apontadas para faixas específicas de um mercado que requer cada vez maior sofisticação.

Mas não vale a pena ter ilusões: ainda há muito a fazer para mudar a imagem externa de Portugal, muito em particular aqui em França.

Frase

Num pequeno-almoço de trabalho, Henri de Castries, presidente mundial da seguradora Axa, recordou-me hoje uma frase célebre mas bem verdadeira: "Os americanos acabam sempre por fazer a opção certa, depois de terem experimentado todas as erradas".

José de Guimarães

O deliberado abuso da cor pode, aos olhos menos atentos de alguns, atenuar a visão de tragédia que é procurada neste capítulo da obra de José de Guimarães, dedicada às favelas do Brasil, presente desde ontem no Grand Palais, em Paris.

Guimarães é o caso muito interessante de um homem que, tendo chegado, aos 30 e poucos anos, à improvável categoria de Coronel do Exército português, na especialidade de Transmissões, trouxe, entretanto, para a escultura e para a pintura, uma elevada sensibilidade e uma originalidade pouco comum, hoje espalhada por muitas obras em espaços públicos, por todo o mundo.

É um homem sereno, rigoroso, com um sorriso na vida que não ilude o rigor com que olha o mundo e as coisas. Quem conhece o seu gosto pela arte primitiva africana - e excelente colecção que possui - pode talvez entender melhor esta sua apurada sensibilidade.

Guantánamo e a Europa

Continua sobre a mesa a iniciativa portuguesa no sentido de ser montada uma operação, à escala europeia, para acolhimento de alguns dos actuais detidos em Guantánamo. Trata-se de um problema de grande delicadeza, que conjuga aspectos jurídicos e humanos, mas que, no essencial, configura um sério desafio político.

A prisão de Guantánamo e as graves violações dos Direitos Humanos e do Direito Internacional que nela se considera que foram cometidas, no âmbito da luta contra o terrorismo levada a cabo pela anterior administração americana, estiveram bem presentes no discurso da União Europeia, ao longo dos últimos anos.

Com efeito, a União reiterou frequentemente junto de Washington a necessidade de a prisão de Guantánamo ser encerrada, tal como todos os restantes centros de detenção onde se encontram “combatentes inimigos”, que o Governo americano considerou excluídos da protecção do Direito Internacional sobre tratamento de prisioneiros de guerra. Também as Nações Unidas, em especial através dos relatores especiais do Conselho de Direitos Humanos, se pronunciaram negativamente sobre Guantánamo. A administração Obama acaba, aliás, de anunciar a revisão deste estatuto atribuído aos chamados "combatentes inimigos".

A Europa, que tão receptiva se tem mostrado face a estas e outras mudanças que a nova administração americana indicia querer introduzir no seu comportamente à escala global, tem obrigação de se revelar à altura das suas responsabilidades, num quadro de cooperação com o seu parceiro estratégico do outro lado do Atlântico.

Uma abordagem comum europeia em torno da delicada matéria de acolhimento dos prisioneiros de Guantánamo, que estão impedidos, por claras razões de segurança pessoal, de regressarem aos seus países de origem, impõe-se, assim, como um gesto de boa vontade mas, ao mesmo tempo, como afirmação dos valores da sua tradicional cultura de liberdade e acolhimento.

quarta-feira, março 18, 2009

Um conto em música

Diz-me quem esteve, na tarde de ontem, no Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris que foi muito interessante assistir à coreografia do conto do escritor português Jacinto Lucas Pires (na foto), "L'Histoire de l'Homme de la Boule de Verre coupée en deux".

A banda sonora evocava a musicalidade de uma dezena de línguas, sobretudo as que, em França, estão ligadas à imigração.

As dezenas de crianças que ontem deram vida e dinâmica à casa de Gulbenkian em Paris são a prova mais clara de que é sempre possível reinventar aquele espaço, que o entusiasmo de João Pedro Garcia dia a dia renova e transforma.

Ideias feitas

Nada é pior para prolongar no tempo a imagem distorcida de um país do que as ideias feitas sobre ele, as caricaturas que, deliberada ou casualmente, se criam.

Pierre Léglise-Costa é uma das personalidades que mais têm lutado em França pela imagem de Portugal. Historiador de arte, linguista, professor, crítico e tradutor, procurou com o seu "Le Portugal", publicado na colecção "Idées reçues", nas edições Le Cavalier Bleu, desmontar alguns dos clichés mais enraizados sobre Portugal em França.

Até para um português, torna-se muito interessante ler este trabalho, feito com carinho mas também com muita verdade e rigor. Quem nos dera encontrar muitos livros assim!

Grande Braga!

Depois de uma excelente noite no Parc des Princes, o Sporting de Braga soçobrou em casa perante o Paris St. Germain. Foi injusto e foi pena!

Valha-nos, como consolação, que continua na competição o clube mais apoiado pelos portugueses em França.

Palestina

Pela voz do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Portugal entende que a União Europeia poderá ter de reavaliar as suas relações com Israel, se este país não terminar com a expansão dos colonatos judaicos nos territórios atribuídos à Autoridade Palestiniana e se não demonstrar "um claro compromisso para com o processo de paz".

Para Luis Amado, "isto tem de ser dito claramente aos nossos amigos israelitas", segundo uma carta que recentemente enviou a todos os seus homólogos europeus, na qual refere que “a política do futuro Governo israelita quanto ao processo de paz ainda não é clara. Precisamente por este motivo, creio que necessitamos passar agora uma forte mensagem quanto ao que são as nossas expectativas".

Para o chefe da diplomacia portuguesa, durante 2008 não se assistiu a um grande progresso quanto a assuntos tão críticos como os colonatos judaicos em território palestiniano, referindo que “esta situação não pode durar mais, pois arriscamo-nos a perder o campo árabe moderado".

Portugal é um país que, ao longo dos anos, tem mantido uma atitude de consistente apoio ao processo tendente à paz no Próximo Oriente, que permita consolidar o legítimo direito de Israel a se manter com fronteiras seguras e respeitadas, lado a lado com um Estado palestiniano com pleno reconhecimento por parte da comunidade internacional e, em especial, dos seus vizinhos da região, a começar por Israel.

Para o nosso país, a União Europeia deve demonstrar um forte empenhamento na regularização desta difícil zona de tensão, contribuindo com apoio económico para ultrapassar os problemas de desenvolvimento que hoje afectam a população palestiniana. Portugal está igualmente esperançado na determinação da nova administração americana, com vista a dar um sensível impulso à resolução de uma das situações que mais têm afectado e potenciado as clivagens à escala global.

terça-feira, março 17, 2009

Eduardo

Encerra hoje o Salon du Livre, uma magnífica mostra da edição francesa, que teve este ano o México como país convidado.

Em 2000, Portugal foi o país em foco, num belo stand encimado pela frase de Virgílio Ferreira “Da minha língua vê-se o mar”, a cuja inauguração assisti.

Mas esta é também uma oportunidade para lembrar a figura do então Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Paris, Eduardo Prado Coelho, figura de relevo na preparação da nossa excelente participação naquele evento.

Conheci o Eduardo num momento curioso: no final dos anos 60, um grupo de estudantes, representantes do movimento associativo universitário, entre os quais estava aquele que viria a ser o seu sucessor em Paris, Nuno Júdice, irrompeu por uma sua aula na Faculdade de Letras de Lisboa, num protesto académico ditado por uma razão que já me escapou. Lembro-me de ter tomado a palavra e, para sua irritação, “decretar” que a aula estava suspensa, a fim de informarmos os estudantes (essencialmente, as estudantes, lembro-me) da seguramente magna questão que ali nos levava.

Anos depois, fui seu aluno num curso de Semiologia (estava na moda!) no Centro Nacional de Cultura, tendo, mais tarde, convivido um pouco mais com ele em noites lisboetas, na Grã-fina e no Montecarlo. Era uma figura com uma intensa curiosidade intelectual, que tudo lia, que nos ia revelando, com erudição, as novidades recém-chegadas desta Paris que sempre o fascinou.

Eduardo Prado Coelho teve um percurso político e público por vezes controverso, mas é, incontestavelmente, uma figura a quem Portugal muito deve. Crítico e divulgador, descobriu e promoveu talentos em diversas áreas culturais, em especial na literatura, onde era um reconhecido especialista. Muitas das ideias que marcaram a modernidade nas últimas cinco décadas chegaram a Portugal pela sua mão, tendo essa sua intensa e dispersa actividade prejudicado, talvez, uma carreira académica na qual estaria vocacionado a ter sucesso. Nos últimos anos, dedicou-se à análise do quotidiano nas colunas da imprensa, tornando-se a sua leitura um vício para muitos, entre os quais eu me contava.

Em Paris, onde me recordo de o ter visitado nos anos 80 na sua casa no Marais, foi um entusiasmado militante da promoção cultural portuguesa, com um indiscutível êxito, como ainda hoje por aqui se recorda.

Por ocasião da sua morte prematura, em 2007, fiquei com a sensação de que o nosso país lhe prestou um tributo que ficou muito aquém do que ele verdadeiramente merecia. É pena.

Bandeiras do passado

A utilização da bandeira nacional portuguesa em tudo o que era janela ou varanda, durante o Euro 2004, representou uma saudável banalização do nosso símbolo nacional, uma espécie de apropriação popular de algo com que todos patrioticamente nos identificamos, mas com o qual vivíamos uma incompreensível cerimónia. Foi um movimento inédito em Portugal, curiosamente mobilizado por um brasileiro - e creio que nenhum outro estrangeiro, para além de um cidadão brasileiro, poderia ser "autorizado" a lembrar-nos o orgulho que devemos ter na nossa bandeira.

Mas Portugal tem sempre, infelizmente, um "outro lado". Hoje, vêem-se, em imensas casas do nosso país, bandeiras ainda desse tempo, rasgadas, desbotadas, esfiapadas, indignas de serem desfraldadas. Será preciso lançar um outro movimento nacional para as recolher?

E, de passagem, não se poderiam mandar retirar as placas "Expo 98", que ainda subsistem pela zona oriental de Lisboa? Com os diabos! Já lá vão mais de 10 anos...

Mas, neste involuntário culto passadista, fruto do luso descuido, quero deixar claro que não incluo o repintar de uma parede da minha rua, em Lisboa, onde subsiste, com subversivo romantismo, "Vota Octávio Pato"...

Bijagós... nazis!

Num artigo a propósito da Guiné-Bissau, o "Figaro" de hoje traz a seguinte pérola de jornalismo, referindo-se às ilhas Bijagós:

"Le chapelet d'îles dispose des pistes d'avion de fortune construites par les Portugais pour les nazis pendant la Seconde Guerre mondiale."

A imaginação não tem limites...

segunda-feira, março 16, 2009

Loulé em Lomé

Ao ler a notícia de que o Presidente da República portuguesa foi há dias recebido, na Alemanha, ao som do "Tia Anica de Loulé", veio-me à memória um episódio passado há quase 20 anos, em finais de 1989, em Lomé.

Estávamos no acto formal da assinatura da 4ª Convenção de Lomé, estabelecida entre a Europa e 69 países espalhados pela África, pelas Caraíbas e pelo Pacífico. Foi uma cerimónia interminável, com imensos discursos e com os representantes de cada país a serem chamados, um por um, a assinar o texto, no palco de um grande auditório da capital do Togo. Logo que o nome de um país era mencionado nos altifalantes, e enquanto se processava a deslocação do respectivo dignitário para a mesa da assinatura, desciam, pelas escadarias laterais do anfiteatro, coloridos grupos de dançarinos, ao som de uma música alusiva ao país em causa, levando à frente a bandeira e um cartaz com uma grande fotografia do respectivo chefe de Estado (descobri esta imagem da cerimónia no Google).

Já me não recordo da música que foi escolhida para Portugal, mas lembro-me bem do grande espanto de toda a nossa delegação ao verificar que, sempre que eram chamados os ministros de cada um dos cinco países de língua portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe"), a música utilizada era, invariavelmente, ... a "Tia Anica de Loulé"!

Imagino que alguns, com resquícios de radicalismo, pudessem ter pensado que se tratava de uma forma encapotada de neo-colonialismo musical, muito embora a organização do evento fosse africana. Pelo sim pelo não, acho que não suscitámos a questão junto dos nossos amigos dos PALOP...

O que cada vez mais fica provado é que a "Tia Anica de Loulé" tem uma misteriosa mas forte expressão internacional. Vá-se lá saber porquê!

Lídia Jorge

Não pudemos ter Lídia Jorge em Paris, mas o Salon du Livre foi o local escolhido para a homenagem que lhe foi prestada, no sábado, com a entrega do Prémio da Associação Francesa de Psiquiatria, pela versão francesa da sua obra "Nós combateremos a sombra", destinado a galardoar trabalhos que "evocam e aprofundam a problemática humana e que respeitem a verdade dessa problemática".

Um orgulho para a cultura portuguesa.

Manuel Alvess (1930-2009)


Morreu Domingo, em Paris, Manuel Alvess, aquele a quem Daniel Ribeiro (num sentido artigo publicado no site do Expresso, que aqui se reproduz, com a devida vénia) chamou "o mais secreto dos pintores portugueses":

"Cultivava o que os franceses chamam um humor "décalé". Solitário, vivia num mundo à parte, parecia uma pessoa fria, mas não era. Habitava num pequeno estúdio no bairro da Bastilha, em Paris, e era o que o que se poderia chamar um "tipo extraordinário". Mostrava aí as suas obras aos amigos com entusiasmo e, sempre, com um sorriso irónico. A ironia era um sinónimo dele próprio e também da sua obra. Gostava de chapéus de abas e adorava Fernando Pessoa, com quem aliás se parecia fisicamente. A Fundação Serralves tirou-o do anonimato há cerca de um ano com um retrospectiva da sua obra que surpreendeu o mundo da arte em Portugal. Era um intelectual. Natural de Viseu, disse um dia a este correspondente que fazia um trabalho burocrático de contabilista. Fazia muito mais do que isso, evidentemente. Trabalhou sobre o papel selado da sua infância, sobre os pesos e medidas, perfurou minuciosamente telas, jogou com as matérias, o vazio, as cores, os pincéis e os objectos. Deixou uma obra de rara originalidade, longe, muito longe das modas e do mundo VIP da pintura. Foi amigo dos colegas Lourdes Castro e René Bertholo, que já viviam em Paris quando ele aí desceu, em 1963, do famoso comboio dos emigrantes portugueses - o Sud-Expresso, na estação de Austerlitz. Até ao fim, esta manhã, às 9 horas, manteve uma relação especial com outro pintor português, igualmente residente em Paris - José David. Encontrámo-nos diversas vezes no ateliê deste último, em Montparnasse, onde Zé David nos servia carinhosamente os melhores pratos de bacalhau cozido e frango com gengibre do mundo. Foi José David que me deu a notícia, a chorar, da morte de Alvess. "Era um irmão, um amigo, mais do que isso", disse. Muito afectado pelo seu desaparecimento, não quis acrescentar mais nada. Alvess, o solitário, adorava esses encontros no ateliê do amigo. Era de uma inteligência rara e, por vezes, parecia até um pouco extravagante. Viveu livre e procurou a sorte de conseguir ter tido uma vida vertical e digna, como uma obra de arte. Sempre com dificuldades financeiras, sem compromissos com críticos ou galerias - raramente vendeu um quadro antes da exposição em Serralves - foi feliz. O trabalho dele foi a arte. Viveu para ela e confundia-se com o seu trabalho - algumas das suas mais belas telas são soberbos e inconfundíveis auto-retratos. Nunca se preocupou por vender pouco ou nada. Foi um ser humano e habituou-se a reduzir as necessidades que a vida impõe. Pôde, assim, ser independente e viver em paz. Acrescentara um S ao nome de família. Manuel Nogueira Alves contou-me um dia a historia desse S a mais no apelido. Foi mais uma das suas ironias: os franceses teimavam em acentuar a ultima sílaba do seu nome, e ele fez-lhes a vontade, para acabar com as confusões. Fez "performances" que chocaram Paris. O jornal conservador, le Fígaro, não gostou de um dos seus primeiros happenings na capital francesa, nos anos 60 - à porta do Museu de Arte Moderna, o português despejava e limpava lixo, mecanicamente, horas a fio, como os seus compatriotas, emigrantes miseráveis, faziam, na época, durante todo o dia. O jornal reprovou a ironia do artista. Alvess foi mais do que um pintor. Na realidade foi um artista completo. Uma outra vez, noutra "performance", criou a "primeira imagem": fabricava em público um espelho e depois chamava alguém da assistência para ver o trabalho. O espectador via-se ao espelho e ele oferecia-lhe o objecto, cuja primeira imagem fora a do seu feliz primeiro proprietário. Construiu uma obra ao longo de décadas, repito, de singular originalidade. Exactamente à sua imagem de homem sincero, cheio de humor, a um tempo extremamente inteligente, simples e tímido. Paris e sobretudo os bairros da Bastilha, de Saint-Germain de Prés e de Montparnasse, onde adorava passear, não serão mais os mesmos. Vai faltar-lhe a figura fugidia de um artista português, um verdadeiro parisiense vindo da Beira Alta que aí viveu como uma sombra, mas que, no convívio como os amigos, ria com um sorriso luminoso e gargalhadas francas. Manuel Alvess foi um grande pintor e um homem sem nada na manga. "Tive sorte, vivi como um artista", disse há poucos dias, a um dos seus últimos visitantes. Nem o cancro que o vitimou lhe conseguiu apagar a ironia."

Ainda o Tibete

Afinal, está esclarecido o mistério do nosso leitor no Tibet. Pelos vistos, é poeta - e dos bons - e até tem blogue. Aqui fica a sua imagem, com conhecidos locais.

O "16 de Março"

Foi um tempo confuso, revelador de que o “movimento dos capitães”, formado no final de 1973 com finalidades de reivindicação corporativa mas que evoluíra já para um projecto político que tinha como principal objectivo o derrube do regime, ainda tinha dentro de si algumas significativas contradições, fragilidades e hesitações.

A demissão do general António de Spínola do cargo de vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, na sequência da publicação do seu livro “Portugal e o Futuro”, lançou uma forte perturbação no seio dos seus apoiantes. Na sua sequência, em 16 de Março de 1974, um grupo “spinolista” tomou conta do regimento de Infantaria das Caldas da Rainha, numa acção que, supostamente, era destinada a provocar o levantamento de outras unidades militares, finalizando com uma marcha sobre Lisboa. Por razões que ficaram deficientemente explicadas, essa movimentação militar havia sido mal planeada e não teve qualquer eco. O regime reagiu, embora com cuidada moderação repressiva, e deteve os revoltosos na prisão militar da Trafaria.

O que terá levado os “spinolistas” a esta aventura? O próprio Spínola tê-los-á estimulado? O desejo de tomarem a liderança de uma revolução que talvez pressentissem que, sem essa atitude vanguardista, escaparia ao seu controlo, como viria, de facto, a acontecer?

Para quem planeava a queda militar do regime, o “16 de Março” terá tido a grande virtualidade de mostrar as cartas de que o Governo dispunha, a sua capacidade de reacção e as forças militares com que podia contar.

Na unidade militar em que eu prestava serviço, como oficial miliciano, serviu claramente para “contar espingardas” e para perceber quem, chegado o momento da verdade, estava ou não disposto a arriscar-se a lutar. E, do mesmo modo, a identificar quem teria de ser neutralizado.

Há precisamente 35 anos, o “16 de Março” foi já o prenúncio do 25 de Abril.

domingo, março 15, 2009

O esquema

O António era um conquistador “nato” ou, como ele dizia, com graça e referindo-se às suas tendências esquerdistas, menos “Nato” e mais “Pacto de Varsóvia”.

Conheci-o em Paris, nos anos 60, onde estudava sociologia e levava uma bela vida, hospedado da cidade universitária, com um cheque mensal enviado pelo pai, um militar da Marinha que a Revolução havia de alcandorar na hierarquia. Vestia-se sempre impecavelmente, tinha um MGB GT que era a inveja de muitos, abancava com nocturna regularidade na barra do Gambrinus, onde espalhava a sua imensa simpatia e charme.

É claro que o facto de ser casado lhe limitava, naturalmente, o espaço de manobra para as aventuras, pelo que necessitava de montar alguns estratagemas para as levar a cabo. O que quase sempre conseguia.

Naquele mês de Março de 1974, ambos estávamos a prestar serviço como oficiais milicianos na EPAM (Escola Prática de Administração Militar), na Alameda das Linhas de Torres, no Lumiar. Um dia, o António pediu a minha ajuda para uma “operação”: telefonar à mulher dele, a meio da manhã, informando-a de que, inesperadamente, tinha ocorrido uma emergência e que ele fora enviado, com outros colegas, para um “exercício militar”, pelo que estaria incomunicável durante 48 horas. Devia acrescentar que era apenas um treino, pelo que não havia qualquer razão para ela se preocupar. Na lógica de uma velha (ainda que contestável, eu sei!) solidariedade masculina, prontifiquei-me a fazer a chamada telefónica.

O plano do António era arrancar cedo para a Ericeira, acompanhado de uma bela pequena, impante no seu MGB. Havia já assegurado, antecipadamente, uma folga no serviço, para que tudo corresse sem falhas. No seu caminho para a Ericeira, passou na Alameda das Linhas de Torres e do que se lembrou? De ir atestar o depósito de gasolina na unidade militar, onde o preço era muito mais barato. Esse era um dos privilégios que ninguém deixava de utilizar.

À chegada à EPAM, um complexo situado onde hoje é uma universidade, o António estranhou ao ver que os grandes portões de entrada estavam fechados, contrariamente ao que era habitual. Buzinou, aparecendo pela guarita a cabeça do sargento-de-guarda, o qual, reconhecendo-o, deixou entrar o MGB.

Só que a vida tem destas surpresas: estávamos precisamente no dia 16 de Março, as tropas fiéis ao general Spínola tinham-se amotinado na noite anterior nas Caldas da Rainha e a EPAM, como todas as unidades militares, estava, desde há horas, de rigorosa prevenção. Como era de regra nestes casos, todos os militares ficavam obrigatoriamente retidos em serviço.

O António já não foi autorizado a abandonar a unidade, recordo-me da sua fúria e do imenso gozo com que alguns de nós, conhecedores do “esquema” que acabara de se esboroar, vimos a pobre e bela amiga do António a ter de sair da EPAM, a pé, com um saco na mão, em busca de um táxi ou de um autocarro.

Por mim, livrei-me de ter de dizer uma mentira à mulher do António. Ele tinha agora um álibi imbatível.

Hardy

Quando surgiu, e para a minha geração, Françoise Hardy representava um modelo muito particular na música francesa, ao tempo marcada por ritmos bastante mais vibrantes e sonoros. Aquela imagem "modiglianica", de cabelos longos, a tocar viola e a cantar, em tom sereno, coisas algo inocentes, dizia bem com a nostalgia de alguma juventude portuguesa dos final dos anos 60. Quem, à época, não terá ficado marcado pelo "Je suis d'accord" ou o "Ton meilleur ami"? Quase que pode dizer-se que Carla Bruni segue hoje muito do seu antigo registo musical.

Perdi-a de vista, por muito tempo. Às vezes ouvia uma sua nova canção, mas, confesso, o estilo deixou de me despertar curiosidade. Ou melhor, só fiquei mais atento quando um dia constou que teria apoiado ideias racistas de Jean-Marie Le Pen, o líder de extrema-direita francesa. Posteriormente, ouvi-a recuar dessa atitude, num discurso um tanto embrulhado, de quem terá sempre grande vantagem em não andar muito pela política.

Li, há dias, as suas memórias, "Le désespoir des singes et autres bagatelles". Um livro bem escrito e bem articulado, que dá mostras de que percebeu a vida.

E ontem lá esteve, no Salon du Livre, a dar autógrafos. Não a vi, mas dizem-me que está como a foto acima a mostra, com o mesmo ar sereno, com os cabelos brancos. Acontece a muitos...

sábado, março 14, 2009

Portugal em Paris

"Les Portugais à Paris - au fil des siècles & des arrondissements" passa a ser uma bíblia para quem, como eu, tenta hoje descobrir na capital francesa as marcas da passagem dos portugueses. Com humor, de uma forma leve e numa escrita agradável, lá está tudo quanto de português deixou alguma marca por Paris.

Este trabalho de Agnès Pellerin, em que colaboraram Anne Lima e Xavier de Castro, tem gravuras de Irène Bonacina, onde, com grande imaginação, dom Sebastião, Vasco da Gama e Eça de Queirós se cruzam com gentes de hoje. E uma capa onde Paris passa a um azulejo português.

Fizemos ontem o pré-lançamento de mais esta edição de Michel Chandeigne no Salon du Livre, com vinho português e boa disposição.

sexta-feira, março 13, 2009

Alto Volta

A história (verdadeira) passou-se no Ministério dos Negócios Estrangeiros, nos anos 70.

Num dossiê levado ao ministro, seguia o texto de uma qualquer convenção estabelecida no âmbito das Nações Unidas, o qual era acompanhado de um anexo, com a lista dos países subscritores que já a haviam ratificado. Estranhamente, porém, a lista dos países incluída no anexo tinha uma primeira página apenas com a referência a dois países, seguida de uma outra com mais de 80. Tudo por ordem alfabética.

O ministro perguntou, um pouco intrigado, a razão pela qual se faz essa separação. Ninguém soube responder. Um lapso, pela certa. Nada de importante, contudo.

Aborrecido com o incidente, e logo que regressou ao seu serviço, o responsável chamou o jovem funcionário diplomático que preparara o dossiê. A mesma perplexidade: ele também não vira a lista antes .

Para tentar acabar com o mistério, chamou-se a dactilógrafa, para que explicasse a razão por que tinha feito as coisas dessa forma. Com a maior calma, ela elucidou: "Por que razão só coloquei dois países numa página e os restantes noutra? É muito simples: porque depois do segundo país estava lá escrito... Alto Volta. E eu mudei de página, claro!".

O erro não se repetirá. O Alto Volta mudou entretanto de nome, para Burkina Faso. Deve ter sido para evitar confusões destas...

Citações III

... e este blogue foi também citado no Fio de Prumo, o que muito agradece.

O problemas destas referências é que são "apanhadas" no "Google Blog Search", cuja fiabilidade é discutível.

Afropessimismo?

A descrença na eficácia do desenvolvimento africano, provocada por inúmeros insucessos e recuos, nos processos políticos e de crescimento de muitos dos seus países, gerou, já há bastante tempo, o cínico conceito de "afropessismismo".

O caso de Cabo Verde, onde hoje está em visita oficial o primeiro-ministro português, é um bom exemplo de um Estado africano que evoluiu de um modo extremamente positivo, uma experiência política que a comunidade intenacional tem obrigação de apoiar e de incentivar, cada vez mais. Com uma natureza hostil e escassos recursos materiais, mas com uma determinação humana muito forte, Cabo Verde tem dado ao mundo uma lição de como é possível estruturar uma sólida democracia, com respeito pela alternância e pela plena preservação do Estado de direito. Daí o respeito que o país recolhe hoje no mundo, serviço por uma diplomacia de qualidade, que não descura a promoção da riqueza cultural que projecta.

Julgo que os portugueses se sentem hoje felizes por constatarem que o seu país mantém com Cabo Verde, desde há vários anos, uma relação de frutuosa cooperação, em todos os domínios, um sólido entendimento e amizade, que sempre foi muito para além das orientações dos conjunturais governos, de um lado ou do outro. E isto não é apenas "langue de bois" diplomática, é a pura realidade.

Cabo Verde é a prova provada que o "afropessimismo" não tem razão de ser.

quinta-feira, março 12, 2009

Camarote

Ainda o futebol.

Confirmei ontem à noite, no Parque dos Príncipes, o meu tradicional incómodo em ver jogos de futebol nos camarotes, com os presidentes dos clubes e convidados.

Irrita-me ficar limitado na minha capacidade de poder dar um grito, de poder exteriorizar a minha decepção ou contentamento por uma jogada, de lançar uma "farpa" verbal ao árbitro ou ao "bandeirinha", de protestar por um fora de jogo mal assinalado. Há uma contenção hipócrita em todos os camarotes dos estádios. Confesso que prefiro a bancada simples, ficar entre "os meus", ter a liberdade de dizer alto o que me vai na alma.

Ontem, no PSG-Braga, numa bela noite de bom futebol português, lá estive a "fazer de embaixador"...

Porto de honra

Pode gostar-se, ou não, do clube. Pode admirar-se, ou não, a respectiva gestão e os seus métodos. O que ninguém pode negar, com honestidade, é que o Futebol Clube do Porto é, nos tempos actuais, a face mais prestigiada do futebol português no exterior.

Citações II

Mais alguns blogues tiveram a simpatia de nos citar ou referir.
Aqui fica a respectiva lista:

O Cigarrilha
Puxa Palavra
S/a pálpebra da Página
A barbearia do senhor Luís
Lino Braga
Bicho Carpinteiro
Memória Virtual
Carlos Alberto
NRP Cacine
Estado Sentido
O Sinaleiro da Areosa
Cogitar
Mundos Paralelos
Delito de Opinião
Leandro on the Road
Tomar Partido
Café História
Contra Capa
Francisco del Mundo

Angola

JustifierFoi um caminho longo, muito longo. Dos traumas da guerra às crises pós-independência, das andanças da UNITA por Lisboa aos acordos de Bicesse, das tensões diplomáticas pontuais à recuperação da confiança.

As relações luso-angolanas parece terem encontrado, nos últimos anos, um ponto de estabilidade favorável aos interesses dos dois países. Ainda bem que assim sucede. E todos esperamos que assim continuem, agora que a nova prosperidade angolana lhe permite um cruzamento de interesses financeiros com Portugal.

Vivi em Angola, entre 1982 e 1986, num dos períodos turbulentos que marcaram as relações entre os dois países. Era um tempo de guerra civil, com Luanda quase sitiada, com recolher obrigatório e montras e lojas desertas. Às vezes não havia água, às vezes faltava a luz, dias havia em que, no Hotel Trópico, o menu era peixe frito com arroz ao almoço e arroz com peixe frito ao jantar. Salvavam-se os fins de semana na ilha ou no Mussulo, as lagostas do Mário em Cabo Ledo, os muitos amigos e a imensa simpatia de um povo sofrido e cansado.

No plano político-diplomático, foram momentos muito complexos para as relações bilaterais, anos de trabalho paciente e delicado. Espero que esse esforço possa ter contribuído para alguma coisa do que, posteriormente, se construiu.

A Angola de hoje - dizem-me - é algo diferente, mais cosmopolita e movimentada, com negócios a emergir por todo o lado, com uma presença portuguesa mais actuante e bem aceite. Mas, em especial, agrada-me pensar que os sorrisos largos e francos das quitandeiras dos mercados de Luanda podem agora reluzir, mais felizes. Bem o merecem!

quarta-feira, março 11, 2009

Duas Igrejas

O actual arcebispo de Olinda e Recife, José Sobrinho, lançou uma "excomunhão" sobre a mãe e os médicos que fizeram abortar uma criança de nove anos, estuprada pelo padrastro. Não me pronuncio sobre a eficácia punitiva do acto, mas julgo ser de registá-lo, no mundo do século XXI.

E talvez valha a pena utilizar o pretexto para evocar a figura de Helder da Câmara, um antecessor do actual arcebispo na mesma diocese, figura ímpar de dignidade e coragem na vida cívica do Brasil, um referente dos valores da democracia e dos Direitos Humanos, em tempos nada fáceis.

Já agora, lembro também um facto que por muitos é desconhecido: quando, em 1960, o cardeal Cerejeira celebrou missa na inauguração de Brasília, foi o então bispo Helder da Câmara quem o coadjuvou.

Uma vez mais, duas igrejas, lado a lado.

Sotaque português

Uma amiga brasileira perguntou-me, há dias, se eu achava que existia um "sotaque português". Fiquei um pouco surpreendido com a pergunta, a qual foi formulada, porém, com toda a naturalidade e sem segundos sentidos.

Um sotaque é uma variante de pronúncia face àquilo que cada um de nós considera ser a norma. Para um português, a forma como os brasileiros falam a língua é, obviamente, um sotaque: o sotaque brasileiro.

Porém, devo confessar que, quando cheguei ao Brasil, fiquei muito surpreendido pelo facto de ouvir falar no meu "sotaque português" - a que os brasileiros acham "uma gracinha". Demorou algum tempo até eu me habituar a este conceito, que achei inicialmente muito estranho.

Um dia, ao visitar o Museu da Língua Portuguesa, em S. Paulo, e ao verificar que, para os brasileiros, o "português" se identifica, com toda a naturalidade, com o modo sonoro como falam mais de 190 milhões de pessoas residentes no Brasil, compreendi então que tem alguma lógica que qualquer variante face a essa matriz passe a ser vista como um sotaque. Logo, no Brasil, os portugueses têm, sem qualquer dúvida, um especial sotaque ao falarem... português.

Há, contudo, uma advertência que devo fazer ao meus amigos do Brasil: não se admirem se a esmagadora maioria dos quase 10 milhões de cidadãos portugueses continuarem a considerar esta ideia muito bizarra.

Tudo isto faz parte da diversidade da lusofonia...

Chipre Norte

Há muitos anos, o Sporting Clube de Portugal bateu a equipa do Apoel, de Chipre, por aquela que ainda constitui uma marca record em competições europeias: 16-1.

Com o resultado desta eliminatória contra o Bayern, Portugal passa a poder ser considerado uma espécie de... Chipre Norte.

Mas por que diabo será que o resultado de ontem (7-1), apesar de catastrófico, ressoa um prazer qualquer à minha memória? Alguém me ajuda?

terça-feira, março 10, 2009

O "11 de Março"

Faz hoje 34 anos que teve lugar aquilo que a História contemporânea portuguesa acolheu com a designação de “11 de Março”.

Trata-se de um momento culminante da radicalização do processo político-militar iniciado com a Revolução de Abril e que acabou por ser provocado por uma desastrada tentativa de golpe de Estado, levada a cabo, nessa data, sob a tutela do general António de Spínola – o qual, em Setembro do ano anterior, abandonara a Presidência da República, em conflito com o Movimento das Forças Armadas, mas em torno de quem ainda se concentravam as esperanças de um fiel sector militar conservador.

A reacção a esta tentativa frustrada de golpe militar deu espaço, nesse mesmo dia, à afirmação da predominância de forças que favoreciam um salto qualitativo no processo político, numa direcção mais socializante, levando à quase imediata nacionalização de vários sectores económicos.

A Revolução portuguesa sofreu, a partir daí, uma aceleração que começou a alienar algumas áreas políticas e militares que até então a apoiavam, mas que passaram a não se rever no que consideravam ser o curso extremista do processo político português.

Meses mais tarde, o V Governo provisório, de curta duração e com uma base ideológica muito reduzida, acabou por ser a consagração institucional da radicalização iniciada em 11 de Março de 1975. Num outro registo, o “Documento dos Nove” seria o manifesto doutrinário que reflectiria a visão de sectores militares moderados, que se opunham a esta linha revolucionária.

O conflito, que cedo se verificou insanável, entre estas duas tendências não cessou, a partir de então, de se aprofundar. O movimento iniciado no “11 de Março” acabaria, política e militarmente, por força da reversão política operada pelos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975.

Mas a marca do "11 de Março", em especial o seu efeito no tecido económico português, prolongou-se por muitos anos.

A ASAE e os táxis do Aeroporto

Embora saiba que esta não é uma posição popular, afirmo abertamente que sou um adepto da acção ASAE - a (para muitos famigerada) Agência de Segurança Alimentar e Económica.

O trabalho da ASAE repercute um tempo novo na defesa dos direitos dos consumidores portugueses e, por mim, não estou minimamente disponível para me juntar ao coro populista de quantos acham que o nosso país viveria melhor sem essa estrutura de controlo de serviços e, em especial, aos que entendem que Portugal deve manter-se liberalmente no mundo do "jeitinho" e da flexibilização de procedimentos. Às vezes, com patéticos argumentos de tradicionalismo e de românticas pulsões saudosistas.

Mas a ASAE, por mais eficaz que seja, tem ainda à sua frente um desafio que, a ser concretizado, constituiria a sua verdadeira coroa de glória: pôr na ordem o verdadeiro escândalo que constitui o serviço de táxis na zona das chegadas do Aeroporto de Lisboa.

Como diplomata, há anos que oiço, impotente, reclamações de amigos estrangeiros que se queixam do mau serviço prestado por muitos taxistas que operam nessa área, que vão desde a sua atitude pessoal deselegante (e isto é um refinado eufemismo) aos constantes abusos em matéria de preços e outras práticas que nós, portugueses, bem conhecemos. Aliás, chega a ser instrutivo falar com taxistas que não operam nessa zona - de onde eles próprios são excluídos, para evitar concorrência - para se ter uma melhor ideia do que se passa nessa espécie de "Chicago" da sua profissão.

Infelizmente, e como muitas outras pessoas, faço parte do grupo "cobarde" dos que preferem ir apanhar um táxi, no Aeroporto de Lisboa, à zona das partidas, para não ter de me confrontar com a elevada possibilidade de situações desagradáveis na zona das chegadas.

Se a ASAE conseguisse pôr cobro ao que se passa com os táxis nessa zona, estou certo que muitos lhe agradeceriam e que, com isso, a sua imagem pública melhoraria imenso.

A França e NATO

A classe política francesa está hoje dividida pela decisão, anunciada pelo presidente Sarkozy, de fazer regressar o país à estrutura militar integrada da NATO, por ocasião da próxima cimeira da organização, já em Abril.

Este é um debate complexo, porque se prende com a "excepcionalidade" que o Presidente De Gaulle criou para a França face à organização, num momento em que Paris pretendeu afirmar a sua autonomia em matéria de armamento nuclear. A partir de então, polarizada por uma certa conflitualidade com os Estados Unidos, fruto da rejeição do que considerava ser uma espécie de tutela de Washington sobre a defesa europeia, a França marcou as suas distâncias face à NATO, afastando-se da sua estrutura militar, embora não abandonando os mecanismos políticos da Aliança Atlântica.

O mundo, entretanto, mudou muito. O muro de Berlim caiu, a URSS desmoronou-se e a Guerra Fria acabou, o derrubar das torres gémeas trouxe o alerta para novas ameaças e a segurança e a defesa europeias vieram, progressivamente, impor-se como uma realidade sem a qual tem pouco sentido e eficácia o próprio projecto político integrador do continente. A França acabou por caminhar, nos últimos anos, num relação de crescente proximidade com a NATO, participando em operações da organização, dentro e fora do teatro europeu, e partilhando, na prática, as suas novas opções em matéria de afirmação operacional e doutrinária.

Com as expectativas criadas pela chegada de uma nova administração americana, e com as hipóteses disso poder criar um espaço inédito para a estruturação de uma defesa europeia autónoma mas não conflitual com a pertença à NATO, o Presidente Sarkozy decidiu pôr termo ao isolamento simbólico que a França mantinha. E, com isso, pode garantir a obtenção de postos de decisão no seio da organização, à altura da importância da contribuição francesa, bem como passar a ter uma palavra relevante no respectivo planeamento estratégico.

A decisão de fazer regressar o país à estrutura militar integrada da organização é um opção contra a qual hoje se batem, numa conjuntural conjugação táctica, alguma direita e centro políticos, bem como toda a esquerda francesa. A ironia é que, contra a opção do Presidente, acabou por erigir-se uma espécie de nova frente gaullista, sendo que vale a pena notar que o Presidente francês também se reclama historicamente da herança do General. Interpretando-a, contudo, à sua maneira.

Numa era das especulações, a questão poderá ser: que pensaria hoje o General De Gaulle de tudo isto? Como reagiria perante as novas circunstâncias que se impõem ao seu país?

segunda-feira, março 09, 2009

"A Bola"

Acaba de ser anunciado que "A Bola" passa a editar-se em Angola, na sua "velha" periodicidade das segundas, quintas e sábados.

Muitos talvez não tenham consciência do importante papel desempenhado por "A Bola", não apenas na ligação entre Portugal e os portugueses que vivem no exterior, mas igualmente na manutenção de uma relação de afeição pelos principais clubes portugueses, em muitos países africanos de língua portuguesa. Talvez "A Bola" tenha feito mais pela preservação de um vínculo dessas pessoas a Portugal do que muitos actos de política externa...

E, em França, quem não se recorda dos tempos em que "A Bola" estava no centro do apoio a Joaquim Agostinho, em reportagens emocionadas de Carlos Miranda e de Bruno Santos?

O dedo esticado

Admito que possa ser uma reacção pessoal algo epidérmica, mas confesso que me irrita sobremaneira aquele gesto dos políticos que entram num palco ou num acto público e apontam, por sistema, para um ou outro figurante desconhecido na assistência, como que reconhecendo um amigo. Imagino que o visado deva regressar a casa impante, por ter sido singularizado. E algumas pessoas ao lado também, porque pensaram ser para elas a atenção.

O gesto costuma ser mais comum do lado americano do Atlântico, qualquer que seja a sua orientação política, sendo muito vulgar em campanhas presidenciais. Do lado europeu, parece, por ora, haver um maior contenção. Valha-nos isso!

domingo, março 08, 2009

Gérard Castello-Lopes

Uma mostra da obra fotográfica de Gérard Castello-Lopes está presente em Champniers, no festival Mars en Braconne.

Algumas dezenas das suas fotografias, muitas no preto-e-branco do salazarismo, outras mais recentes, constituem um magnífico e quase ímpar retrato sociológico de um certo Portugal.

Gérard Castello-Lopes - filho de mãe francesa, casado com uma francesa e vivendo muito entre os dois países - consegue fixar na sua obra um olhar muito português mas que é, simultaneamente, atravessado por uma leitura fortemente culta e distanciada da nossa realidade nacional.

Confesso que tive um grande prazer em ver a Embaixada associada a esta exposição.

TGV

Sem querer entrar na polémica luso-portuguesa sobre o comboio de alta velocidade, a França já me ensinou que viajar de avião dentro do país é, quase sempre, uma opção a evitar e que, na relação qualidade / preço / conforto, as viagens por TGV são a solução.

sábado, março 07, 2009

Mitterand

Jarnac é uma terra pequena, numa zona plácida e de grandes planuras, no centro da produção do melhor cognac, sem muito que a distinga de tantas outras vilórias de França. Apenas o facto de aí ter nascido e estar sepultado François Mitterand a terá tornado mais conhecida.

Curiosidade: no museu que aí lhe é dedicado, sem grandes nostalgias e com uma forte presença de notas sobre o considerável impulso dado pelo antigo Presidente à arquitectura, figuram alguns livros dos quais não sai muito bem a memória histórica da personagem. Uma lição de coragem, pouco habitual.

Mitterrand é uma figura que hoje divide muito os franceses. Sem lhe negarem a excepcional qualidade intelectual, a dedicação ao país e o arrojo de algumas acções como político, as dúvidas que se foram acumulando sobre vários aspectos da sua vida, muito reforçadas nos últimos anos desta, tornaram-no numa personalidade algo controversa. A seu tempo se verá como a História acabará por decantar tudo isto.

Nós, portugueses, devemos-lhe uma atitude positiva face à nossa adesão à União Europeia e um sentimento de simpatia por Portugal, bem expresso nalgumas belas páginas que nos dedicou. Talvez graças à influência de Mário Soares, Mitterand cedo acreditou no destino europeu de Portugal.

Portugal em Charente

Chama-se Caroline Fombaron e é uma francesa responsável autárquica pela cultura na zona de Angoulême. Deu-nos uma lição de simpatia para com Portugal.

O seu festival Mars en Braconne tem a sabedoria de conseguir combinar, com elegância, dimensões contemporâneas da cultura portuguesa com valores tradicionais que são caros à nossa Comunidade.

Hoje, ouviram-se Eça, Pessoa, Torga e Lobo Antunes. Até dia 28, haverá música (desde a barroca ao fado e ao hip-hop), videos, fotografia, curtas e longas metragens (de Oliveira a Maria de Medeiros e Miguel Gomes), teatro, mais leituras dramáticas de textos e muito mais.

Um festival que tenho pena de não conseguir organizar... em Paris!

quinta-feira, março 05, 2009

Paulo Coelho

É uma figura frágil, franzina, que passa quase despercebida. Todo de negro. Cruzámo-nos numa passadeira, na avenue Victor Hugo, cerca da meia-noite.

Paulo Coelho é um dos mais celebrados autores do mundo. Vende como ninguém. Todo o seu novo livro é traduzido e editado em imensas línguas, em quase todos os países do planeta. Li três das suas obras e, seguramente por defeito meu (e não estou a ser irónico, acreditem), não consegui entender a razão do êxito. Mas algo de importante deve transmitir para provocar a adesão dos milhões de fiéis leitores.

A França e a Europa

O antigo Secretário de Estado dos Assunto Europeus francês, Jean-Pierre Jouyet, acaba de publicar uma interessante memória sobre a Presidência francesa da União Europeia em 2008. Para quem foi do "métier", o livro é extremamente interessante e instrutivo sobre a forma como a França leu o seu semestre de liderança da União. Há que reconhecer que a França fez então um magnífico exercício, que muito ajudou a reforçar a imagem da União, num tempo de crise no Cáucaso e de instabilidade económico-financeira no mundo.

Ao ler o livro de Jouyet, elaborado no género bem francês de entrevista orientada, confesso que senti alguma pena por ter resistido a colocar no papel um relato da nossa Presidência de 2000. De facto, todos ganhamos com este tipo de testemunhos, que nos ajudam a fixar a imagem de certas etapas da política externa e a deixar elementos para estudo futuro.

La Table d'Adrien

Adrien é o cognome francês do sr. Adriano, um português bragançano que, há vários anos, se afeiçoou a Paris e que, com a sua mulher D. Judite, depois de outras experiências, aportou, há meses, ali perto da Opéra, não muito longe do famoso Harry's Bar.

A especialidade da casa são os "foie gras", magníficos, diferentes e "colesterol friendly" (isto é, adorados pelo mau colesterol...). O cliente não deve perder excessivo tempo a olhar o "décor", bem simples, embora pontuado por caixas de belas cepas francesas.

Para quem puder lá passar, aqui vai o endereço: 9, rue Volnay. Mas reserve, que a sala é pequena.

quarta-feira, março 04, 2009

Clain d'Estaing

Hoje, ao passar em frente da casa do antigo presidente francês, Giscard d'Estaing, muito próxima da Embaixada de Portugal, recordei-me do fantástico pseudónimo com que Mário Soares, durante algum tempo, desafiou a estupidez dos coronéis da censura à imprensa em Portugal, nos artigos que escrevia para o "República": "Clain d'Estaing". Simplesmente brilhante!

Mário Soares vivia então exilado em Paris, por imposição do Governo de Marcello Caetano. Só regressou a Portugal após o 25 de Abril de 1974, pouco tempo antes de ser nomeado o primeiro Ministro dos Negócios Estrangeiros do novo regime democrático.

Pintor português em Paris

A galeria é pequena - Galerie Octobre (24, rue René Boulanger) -, perto da Place de la République, o pintor é madeirense, residente em Lisboa - Mathieu Camacho.

Um trabalho interessante, onde alguns vêem influência de Léger, outros das passadeiras de flores da terra natal do pintor. Vale a pena ver, como eu fiz, para ajuizar.

terça-feira, março 03, 2009

Lugares da diplomacia

Ao entrar hoje em Matignon, recordei-me que, há dias, ao sair do Eliseu, me esquecera de perguntar sobre um outro assunto que também não suscitara numa conversa no Quai.

Mas que é isto?, perguntará o leitor desprevenido. Esta é a linguagem críptica feita de locais com que os diplomatas se entretêm, já quase sem se darem conta que muito do restante mundo pode não conseguir segui-los.

Claro que, para alguns, é sabido que Matignon é o palácio onde fica o gabinete do Primeiro-Ministro francês, para muitos mais é óbvio que o Eliseu é a Presidência da República e, finalmente, outros suspeitarão que o Quai referido não é o Quai des Orfèvres, tornado famoso pelo inspector Maigret, mas sim o Quai d'Orsay, nome pelo qual é conhecido o Ministério francês dos Negócios Estrangeiros.

Lembro-me que, quando entrei para a carreira diplomática, ao ler telegramas da nossa embaixada em Tóquio, comecei a ficar intrigado com um interlocutor regular do nosso embaixador, fonte credível de interessantes informações. Assim, lia frequentemente nas comunicação do Japão coisas como "apurei junto de Gaimusho", "a opinião de Gaimusho é", etc. Com a patetice de um caloiro que hesita em perguntar o que teme que deva ser óbvio, terei andado umas semanas até descobrir quem era o tal Gaimusho - nome pelo qual é conhecido o ministério dos Estrangeiros japonês.

De certo modo, há a tendência de pensar que uma diplomacia que é conhecida pelo nome da sede da sua chancelaria assume, aos olhos das outras carreiras externas, uma dignificação especial, pelo peso histórico que o nome representa. O que não significa menor prestígio para aquelas que são conhecidas por siglas (AA para a Alemanha, FO para o Reino Unido, MID para a Rússia, etc.).

A verdadeira consciência disso está reflectida no caso do Brasil: ao falar-se do Itamaraty, toda a gente sabe tratar-se do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, em Brasília. Porém, alguns não saberão que, na realidade, o original Palácio do Itamaraty se situa no Rio de Janeiro e foi, de facto, a sede da diplomacia brasileira antes de se mudar para Brasília, levando consigo o nome para o novo e belíssimo edifício onde hoje se situa.

Também nós, portugueses, temos a tentação de assumir que os diplomatas estrangeiros em Lisboa devem dizer, nas suas comunicações, "apurei hoje nas Necessidades" e frases do género. A nossa esperança é que não traduzam o nome do palácio...

Regras

Alguma coisa que ainda julgo saber dos temas europeus faz-me pensar que não está hoje criada, no âmbito da União Europeia, uma verdadeira consciência sobre os riscos que o projecto comum tem vindo a correr nestas últimas semanas.

A preservação da União Europeia, e em especial do seu Mercado Interno, pressupõe que todos os seus Estados membros cumpram, com idêntico rigor, as regras acordadas em comum. A actual crise económico-financeira parece estar a ser um alibi de oportunidade para alguns poderem tentar ser beneficiários da quebra desse corpo de regras, o qual é uma das chaves do sucesso do processo comunitário, e que não pode manter-se sem elas. E isto, até historicamente, é muito mais grave do que pode supor-se.

Para vigiar e alertar publicamente para o infringir dessas regras, bem como para propor sancionamento do seu desrespeito, existe a Comissão Europeia, a quem compete o papel de guardiã do interesse comum. Mas será que ela está mesmo a exercer esse papel? E, não estando, por que será?

segunda-feira, março 02, 2009

Estrelar apetites

A chegada anual ao mercado do "Guide Michelin" é sempre um momento ansiado pelos gastrónomos franceses, para quem as edições que actualmente analizam os restaurantes de outros países são um sucedâneo menor e periférico.

O facto da edição desde ano ser a nº 100 terá criado uma expectativa ainda maior, pelo que consta que a corrida às livrarias, para ver quem entrou ou saiu das “estrelas”, foi grande.

Em tempos de crise, penso que talvez se possa dizer que quase são tão relevantes os 548 restaurantes "estrelados" (de um a três estrelas – sendo estes últimos apenas 26) como os 527 marcados como "Bib Gourmand", isto é, casas onde se pratica a melhor relação qualidade/preço.

Por mim, já decidi: aos primeiros, vou com muito gosto, mas só como convidado.

A tragédia da Guiné

O assassinato de Nino Vieira, presidente da Guiné-Bissau, hoje ocorrido, antecedido da morte violenta do principal chefe militar do país, configura mais um episódio trágico no destino daquela que foi a primeira ex-colónia portuguesa a declarar a sua independência, em 24 de Setembro de 1973, ainda à revelia de qualquer acordo com o poder colonial.

Este acaba por ser também um tempo triste para a memória de Amilcar Cabral (na imagem), o líder de recorte humanista que sonhou com a autodeterminação dos povos da Guiné e de Cabo Verde, também ele uma vítima da violência sectária.

A sucessão de tensões no sistema político guineense, ao longo das últimas décadas, com mudanças de líderes e a emergência de motins e golpes militares, revela bem as dificuldades da sua sedimentação institucional enquanto Estado.

A Guiné-Bissau é hoje um país que persiste marcado, política e socialmente, pelas suas diferenças étnicas e por outros inultrapassados factores de divisão interna, além de polarizado por algumas questões de vizinhança que afectam a sua estabilidade, sem que a sua estrutura económica haja revelado, até ao momento, a solidez necessária para garantir um bem-estar mínimo à sua população. Além disso, o facto de, nos últimos anos, ser apontado como uma placa giratória do tráfico internacional de drogas complica mais todo este cenário.

Portugal e os restantes países da CPLP, agora como no passado, dão mostras de estarem disponíveis para ajudar a Guiné-Bissau a ultrapassar mais este momento complexo. Mas, por muito que o mundo possa fazer para apoiar o país, nada nem ninguém se poderá substituir à vontade e capacidade dos guineenses de saberem definir os seus rumos de futuro.

domingo, março 01, 2009

Menos ais!

Ir contra o vento é um movimento que tem sempre os seus riscos. Quem me conhece sabe que não me custa rigorosamente nada corrê-los. Vamos então a isso.

Adubar o pessimismo caseiro constitui uma tarefa a que milhões de portugueses se dedicam com afã diário, tendo mesmo criado, para tal fim, algumas expressões próprias, que fazem parte dos bordões do falar vulgar. Por essa razão, quando alguém se propõe levantar a auto-estima nacional, sublinhar o que de positivo existe ou está a ser feito, logo se ergue um coro ácido de detractores, encostando os autores ao arrasador labéu do colaboracionismo "com eles".

Recordo-me que, há cerca de dois anos, Nicolau Santos, sub-director do Expresso, publicou um texto que era um retrato do Portugal económico "que funcionava bem", onde elencava um conjunto de empresas com sucesso internacional, destacadas nas suas respectivas áreas de actividade e dotadas de um nível de inovação que pedia meças a quem quer que fosse. E lembro-me bem de, dias depois, ter lido num qualquer "blogue da tragédia" - essa multidão de lugares informáticos que por aí pululam, onde causticar o Portugal contemporâneo é um exercício diário, levado a cabo com zelo militante - a afirmação de que era "uma estupidez" publicar essa listagem de êxitos. Porquê? Porque tal divulgação poderia fazer supor que o poder político do momento tinha algo a ver com isso, e esse risco eles não queriam correr... Claro! Não faltava mais nada!

Alguns tempos depois, o empresário Carlos Coelho publicou "Portugal Genial", um curioso livro que se pretendia "uma visão desafiante sobre 82 genialidades portuguesas capazes de contribuir para a afirmação contemporânea da marca de Portugal no mundo". Salvo uma episódicas notas, algumas salpicadas de pouco subtil ironia, o livro caiu rapidamente no esquecimento. Porquê? Porque ia em evidente contra-ciclo com a escola, politicamente correcta, da auto-flagelação vigente. E isso, naturalmente, não convinha...

Agora, Álvaro Santos Pereira, professor português numa universidade do Canadá, que tem textos publicados em vária da nossa imprensa, editou o livro "O Medo do Insucesso Nacional", onde, sem recurso a quaisquer loas aos poderes públicos, sai do registo do destino trágico nacional, apresenta um diagonóstico frio das disfunções do país e avança com algumas propostas de solução, com cuja aberta e despreconceituada discussão todos ganharíamos. E, de passagem, deixa patente que a esperança, mesmo em tempo de crise, assenta em boas e concretas razões, adiantando: "O sucesso nacional não é um mito ou uma ilusão. É real e está ao nosso alcance, faz parte da nossa história e certamente fará parte do nosso futuro".

Pode ser que eu me engane, mas o melhor que este livro pode esperar é o silêncio raivoso da nossa bloguítica comunidade do pessimismo. Sucesso? Não queriam mais nada!?

Boas e más notícias

Não é todos os dias que recebemos boas notícias, como esta, sobre o afastamento das chances de gente insalubre. Mas, ao fim do dia, ninguém ...