A Netflix passou um novo ciclo da serie “The Crown”, de que acabo de ver, há horas, o último episódio. Nele se mostra o momento em que Harold Wison, em 1976, deixa o cargo de primeiro-ministro, pelo facto de ter tido os primeiros sinais da doença de Alzheimer.
Num outro episódio, foi revelada a paranóia conservadora, em torno da primeira eleição do trabalhista Wilson, pelo facto de sobre ele ter recaído a suspeição de que fosse um espião soviético, rumor a que Isabel II teria sido, por algum tempo, muito sensível. Mais tarde, viria a ficar mais do que confirmado de que tudo não passava de um sórdido boato. Há vária e muito interessante bibliografia sobre isso, que se liga a esse curioso mundo de sombras que foi a espionagem no Reino Unido no pós-guerra.
Harold Wilson foi uma personalidade muito interessante da vida política britânica, com dois mandatos em Downing Street que não deixaram de ter episódios controversos, por coincidirem com tempos muito turbulentos da vida política do Reino Unido. No entanto, e para surpresa de quase toda a gente, Wilson e a rainha acabariam por vir a ter um excelente e inesperado bom relacionamento pessoal.
Quando, nos anos 90, fui colocado na nossa embaixada em Londres, Wilson tinha já desaparecido há muito da vida pública. A sua última imagem pública que conhecia era uma fotografia de Isabel II com os seus antigos primeiros-ministros ainda vivos (que agora verifico ser de 1985), no tempo de Margareth Thatcher, onde, entre outros, ele e um muito frágil Harold McMillan figuram.
Na receção anual que Isabel II nesse tempo oferecia em Buckingham ao corpo diplomático (não faço ideia se essa prática se mantém), depois de uma breve e muito formal conversa da soberana com representantes de cada missão diplomática (cerimónia que, no entanto, demorava um tempo interminável, dada o elevado número de missões), e a anteceder um baile (é verdade, havia um baile!) que se prolongava pela noite, era servido um buffet.
Estive presente em quatro dessas receções, que nos permitiam “passarinhar” por alguns salões do palácio, satisfazendo a nossa curiosidade sobre aquele espaço e a imensidão de quadros que enchem as paredes.
Num desses anos, enfarpelado com a minha casaca e as poucas condecorações que à época tinha, por altura do buffet, fui levantar o meu prato e aproximei-me da mesa das vitualhas (que recordo nunca terem sido excessivamente apelativas). A certo ponto, na fila para a mesa, senti um prato firmar-se nas minhas costas, como se alguém quisesse apressar-me. Imagino que com cara de poucos amigos, voltei-me e dei de frente com um velho e trôpego cavalheiro, que alguém conduzia pelo braço e que, claramente, se desequilibrara sobre mim.
Era Harold Wilson! Tremia um pouco das mãos, olhava em frente com ar ausente e, muito estranhamente, ninguém cuidava em recolher a comida por ele. Afastei-me de imediato, deixei-o naturalmente avançar, ficando com a sensação de que estava extremamente débil. Devo dizer que até aos dias de hoje me marcou vivamente aquele meu “encontro” com alguém que fazia parte da grande história britânica e que, à época, eu nem sequer tinha ideia de que ainda fosse vivo. Wilson viria a morrer em 1995, apenas com 81 anos.