quarta-feira, julho 16, 2014

Jacinto Nunes

E se, como homenagem a Jacinto Nunes, lessem estas suas discretas memórias, publicadas em 2009, de que muito pouca gente falou, mesmo por ocasião da sua morte?

Robin Cook


Foi anunciada a saída de William Hague, de "Foreign Secretary" do governo britânico, que passa a líder parlamentar do seu partido na Câmara dos Comuns. Isso trouxe-me à memória a figura de Robin Cook, que teve precisamente o mesmo percurso, depois de ter dirigido a diplomacia britânica entre 1997 e 2001.

Recordo bem o dia em que acompanhei Jaime Gama na visita do recém-empossado Robin Cook (que nada tem a ver com um seu homónimo escritor de romances), na sala da nossa REPER bruxelense. Os serviços do MNE tinham preparado para nós pastas com alguns temas passíveis de serem suscitados na reunião. O novo ministro britânico, numa lógica bem mais simples, tinha apenas duas folhas de A4, ligadas por aqueles lacinhos de fio com extremos metálicos, que fazem a imagem de marca do "civil service"... Como me habituei a ler documentos ao contrário, tomei atenção aos "talking points" que estavam à frente de Cook. Neles se sintetizavam, cada um em duas ou três linhas sem "bolds", os escassos assuntos que o Reino Unido queria colocar na reunião, seguidos da antecipação da possível resposta portuguesa, nalguns casos com sugestões para réplica. Numa segunda parte do texto, fazia-se uma "previsão" de temas que Jaime Gama podia, pelo seu lado, vir a levantar. Lembro-me que Gama foi muito pouco previsível nas poucas questões em que tocou, tendo ficado para sempre com a sensação de que os britânicos, dessa vez, não acertaram uma...
Robin Cook tentou lançar uma "diplomacia ética", que desde o início se confrontou com a "realpolitik" dos negócios. Trabalhista ou conservadora, a administração diplomática britânica segue uma lógica de fins muito profissional e rigorosa, pouco dada a flutuações. Segundo Palmerston, "a Grã-Bretanha não tem amigos, só interesses", embora eu ache que, às vezes, tem interesse em ter amigos... Um dia se falará do modo como, nesse tempo, o Reino Unido atuava perante a Europa e, no que diretamente nos respeita, relativamente à questão de Timor. Mas, se bem me recordo, não variou muito a atitude dos vários contrapartes britânicos que fui tendo nos Assuntos Europeus: Davis Davis, Doug Henderson, Joyce Queen, Geoff Hoon e Peter Hain.
A última imagem que guardo de Robin Cook foi a conversa que tivemos, sentados lado a lado, num jantar em Nice, no dia da assinatura do tratado europeu com esse nome, em 26 de fevereiro de 2001. Uma semana depois, eu iria sair do governo para ir ocupar a chefia da nossa representação na ONU. Fiquei surpreendido quando Cook inquiriu: "Sais por algum conflito com o Jaime?". Expliquei-lhe que esse era um boato corrente e recorrente, mas sem o menor fundamento, e que, como há mais de um ano estava planeado, regressava à minha carreira profissional após a presidência portuguesa da UE e depois de concluir a negociação do tratado que tinha sido assinado nesse dia. Foi então que recebi dele esta confidência: "Sei por experiência própria que, às vezes, as coisas não são fáceis dentro dos governos. Eu próprio tenho as minhas divergências com Tony (Blair). Tenho a sensação, aliás, de que se ocupasse uma pasta ligada a questões de política interna, já há muito que teria saído do "cabinet" ". Não tendo nenhuma intimidade com Robin Cook, fiquei surpreendido pela candura desta revelação. Mas, de facto, já persistiam fortes rumores sobre as divergências entre o primeiro-ministro britânico e o seu "Foreign Secretary", que era tido por demasiado pró-europeu. E, menos de três meses depois desta conversa, Cook seria afastado por Blair do "Foreign Office" para ir para líder dos Comuns, com lugar no governo, mas num segundo plano. Como agora vai acontecer a William Hague.
Tempos depois, Robin Cook sairia com estrondo, mas com honra, desse novo cargo, em protesto contra a posição de Tony Blair na questão do Iraque. Deixou a esse propósito um livro curioso, com o título simbólico de "The Point of Departure", onde, nomeadamente, relata cenas passadas nos conselhos de ministros, nesses tempos tensos. Guardo dessas memórias (que ainda devo ter encaixotadas algures) o episódio divertido de uma conversa com a rainha mãe, em que esta intercede para que não sejam vendidos os edifícios de algumas embaixadas britânicas pelo mundo (por cá, não sei de alguma "rainha mãe" tentou travar a depredadora cultura Re/max que atravessou o MNE, nestes últimos anos).

Robin Cook viria a morrer subitamente, de ataque cardíaco, aos 59 anos. Tinha como hóbi escrever para jornais sobre corridas de cavalos, assunto sobre que era um reconhecido especialista. Guardo dele para sempre a imagem de um homem muito cordial e simpático.     

terça-feira, julho 15, 2014

Os equívocos de Paulo Rangel

O deputado europeu social-democrata Paulo Rangel reage hoje, num artigo no "Público", às críticas surgidas durante a jornada de reflexão, na passada sexta-feira, na Culturgest, em que foi referido o facto de Portugal ter deixado de estar representado na Comissão de Comércio internacional do Parlamento europeu, num tempo em que se aproximam importantes negociações sobre a futura Parceria Transatlântica, que tão decisiva pode ser para o nosso país. Essas críticas foram ecoadas num artigo de Teresa de Sousa e num texto aqui neste blogue, o que, a menos que algo me tenha escapado, parece esgotar o universo dos "observadores privilegiados" assinalados por Rangel, que se pronunciaram entretanto sobre o assunto.
 
Na sua reação, Paulo Rangel, pessoa por quem tenho consideração intelectual, assume as "dores" social-democratas e socialistas, áreas políticas que o meu texto visava por igual, o que me deixa mais à vontade.

Relativamente ao artigo, e no que pessoalmente me toca, não padeço de um "desconhecimento efetivo do PE" e, pelo menos tão bem como o deputado, conheço em detalhe o mecanismo de negociação da Europa e sei exatamente onde se situa a "separação de poderes" entre o Conselho e o PE, que em nada é passível do paralelo que Paulo Rangel procura fazer com a relação entre o governo e a nossa Assembleia da República.
 
Portugal, diz Rangel, não está ausente da Comissão a que um deputado nacional presidiu até há semanas. Tem dois suplentes que o deputado nos esclarece que podem "saltar do banco" a qualquer momento. Mas, se assim é, então por que razão as comissões têm "titulares" e "suplentes"? É tudo a mesma coisa? Rangel sabe que não é.

Naturalmente que os 21 deputados não podem ter o dom da ubiquidade, mas não era isso que se lhes pedia: pedia-se que, na hierarquia da escolha das Comissões a integrar, tivessem colocado aquela que trata da Parceria num lugar cimeiro. No meu texto, admitia até que o tivessem feito e que a negociação tivesse corrido mal, pelo que apenas considerava que PS e PSD haviam "perdido o jogo" antes do apito inicial. Paulo Rangel embrulha-se numa confusa formulação de onde se não percebe o que realmente se terá passado: "Nem sempre se conseguem os postos ou os lugares que se almejam à partida e é necessário ter uma visão de como pode ser maximizada a realização das prioridades políticas". Esta habilidosa fórmula impede-nos de saber o que os deputados portugueses - repito, socialistas e social-democratas - eventualmente tentaram obter.
 
Paulo Rangel dedica-se depois a explicar, em jeito de tardia compensação, que os deputados e funcionários portugueses estão hoje em outros lugares-chave da máquina do Parlamento, o que lhes permitirá acompanhar e influenciar o processo negocial, pelo que "o assunto não será menosprezado". Mas logo reconhece que "há, sem dúvida, uma desvantagem em relação à legislatura anterior", em que tínhamos o presidente da Comissão, o que dava "um acesso privilegiado à informação e ao acompanhamento das negociações".

Bom, mas então em que ficamos? Afinal, parece que sempre se perdeu alguma coisa de relevante! O deputado conclui, e bem, que, mesmo que Vital Moreira tivesse permanecido no PE, "nada garantia que a presidência dessa Comissão coubesse a um português e a um socialista". Mas quem disse que isso aconteceria se Vital Moreira ficasse? E quem exigia que Portugal mantivesse a presidência? O que se pretendia é que houvesse um qualquer deputado português, socialista ou não, que integrasse de pleno direito a Comissão de Comércio internacional do PE, nos próximos cinco anos. E o que os portugueses talvez gostassem de saber é se isso foi tentado ou não. Se não se tentou, acho grave. Se se tentou e não se conseguiu, então assuma-se que fomos derrotados. Todos nós - socialistas, sociais-democratas ou até Marinho Pinto!

Nós e o mundo

Tenho a sensação de que as pessoas, em Portugal, deram escassa importância a algo de muito significativo que ocorreu na passada semana: refiro-me à reação da comunicação social internacional à crise do BES e à reciclada imagem que Portugal projetou de novo, a partir de então.

Portugal é um país muito pouco importante para o mundo exterior. De nós, e à parte alguns poucos que nos conhecem melhor, está feita por aí uma caricatura simplificada, só a espaços verdadeira na sua crueldade: um país pobre, uma economia frágil e sem capacidade competitiva, uma democracia recente (?) e em tensão, uma sociedade com os vícios comportamentais ditos da latinidade ou da "preguiça" mediterrânica. Damos ainda de nós mesmos a imagem de quem exporta mão-de-obra a que não sabe dar futuro, porque, de forma endémica, somos incapazes de sustentar os nossos episódicos sucessos. Dizem-nos um país que não soube aproveitar aquilo que a Europa nos "deu", alimentado por pequenos compadrios e grande esbanjamento. E, claro, dizem também, para nosso gáudio patriótico, que somos simpáticos, geralmente humildes (Mourinho, Ronaldo e Saramago são as exceções), prestáveis, acolhedores - do "hostel" à tasca da esquina. A crise de 2011 confirmou aquilo de que muitos desconfiavam: que não tínhamos condições para pertencer ao euro, para cuja entrada, com toda a probabilidade, havíamos feito um hábil "autoretrato" sincrónico da nossa economia. É assim que muitos nos olham, podem crer. Às vezes com pena, outras com sobranceria, frequentemente com ambas.

O modo como a austeridade por aqui passou também confirmou, a esses mesmos olhos, que somos passivos, sofredores, quase subservientes. A Irlanda e a Grécia conseguiram vantagens com a "troika" que o governo português (por incompetência? por seguidismo? por complexo de "bom aluno"?) nem sequer ousou reclamar. Os estrangeiros olharam para os vidros intactos das montras durante as nossas manifestações, compararam-nos com a "fogueira" da praça Syntagma ou com a agressividade nas Puertas del Sol e interrogaram-se. Admirativos? A palavra "admirar" tem dois sentidos e um deles não devia ser bom para o nosso orgulho.

Foi esse mundo que, na passada semana, voltou a olhar para nós, através do "caso BES", para a procrastinação decisória da família Espírito Santo (que, para muitos observadores externos, começa a ser vista como "famiglia", podem crer!), para o incrível alheamento, por muito tempo, dos responsáveis políticos (a quem o virus liberal parece ter toldado o sentido da responsabilidade de Estado), para o passo de tartaruga da supervisão (que, uma vez mais, não soube prever o "tsunami" e que, nas horas que correram, devia estar a ler o FT com dois dias de atraso) e até para o incrível tempo que o "dream team" da nova gestão do banco levou a forçar a sua chegada aos cadeirões de couro do 15º andar do 195 da avenida da Liberdade. Portugal projetou a imagem do filme de um desastre em "slow motion".

E o que se viu? Viu-se a imagem do país, que havia sido retocada pela leve aguarela da "saída limpa", a desfazer-se com fragor em poucas horas, com o "rating" da República, apenas sustentado pela política do BCE, sob pressão do "caso BES", como se o mundo se preocupasse com as subtilezas das diferenças entre o BES e o GES e, dentro deste, cuidasse em distinguir as amigalhices da PT, as trapalhadas angolanas ou os "erros" do já famoso "contabilista do Luxemburgo" - aliás, um belo título para um "financial thriller" de Paul Erdman. E logo se viu Portugal, como um todo, a ser lido como um país uma vez mais em profunda crise, financeira e quiçá política, um incurável "doente europeu", causador irresponsável de instabilidade para os parceiros. Olhem-se as capas do "Wall Street Journal", do "Financial Times", as reportagens da CNN ou da BBC. Por todos esses espaços, regressou a imagem do país frágil de que falei no início desse texto. Imagem que, infelizmente, não se vai afastar, por muito tempo*.

Em política, dizia já não sei quem, "o que parece é". E, com o caso do BES e com o comportamento inapropriado (hoje deu-me para os eufemismos diplomáticos) das autoridades portuguesas, demos a imagem de uma República também não sei bem de quê. Nem o futebol ajudou, caramba!

* sobre a imagem que Portugal projeta nos outros, e para quem tiver algum tempo, deixo este link.

"14 juillet"

Há já uns bons anos, sem que me tivesse apercebido da data, cheguei a Paris, ido de comboio de Bruxelas, na noite do 14 de Julho, a festa nacional francesa. Havia sido difícil reservar um hotel próximo do "Périphérique", porque era importante conseguir sair bem cedo para o aeroporto, no dia seguinte, para partir para outro continente.

O motorista que me aguardava na Gare du Nord foi-me dizendo que não ia ser pêra doce chegarmos ao hotel, que ficava perto da Étoile. Tinha razão. O trânsito estava impossível e, chegados ao Arco do Triunfo, foi preciso parlamentar com uns polícias para atravessar a praça. Mas lá conseguimos arribar ao destino.
 
Entretanto, o motorista tinha-me chamado a atenção para o interesse em não perder o fogo de artifício dessa noite, o maior e mais imponente nos céus de Paris, durante todo o ano. Desde sempre, desde as festas da Senhora da Agonia em Viana do Castelo, passando pelo "4 de Julho" em Manhattan, sempre fui um fã das sessões de fogo de artifício, essa maravilhosa arte efémera que alegra as noites de verão.

Com a sugestão do motorista ainda no ouvido, mas consciente de que a hora do espectáculo se aproximava, perguntei na recepção do Hotel Raphael, onde me iria hospedar, se me aconselhavam algum local, de onde ainda pudesse ver o espectáculo. A reacção do empregado foi de uma snobeira tipicamente parisiense. Depois de me dar a chave do quarto, olhou para o relógio e adiantou, num tom displicente: "As pessoas acham que o terraço do nosso hotel é, muito provavelmente, o melhor local de Paris para ver o fogo de artifício do 14 de Julho. Aliás, o fogo desta noite começa daqui a 15 minutos e vamos servir champanhe no terraço dentro de... 3 minutos".

Foi quase uma noite memorável, com técnicas de pirotecnia que não imaginava possíveis. Presumo que, de lá para cá, tudo esteja ainda mais requintado no fogo da festa parisiense, tanto mais que, este ano*, a Torre Eiffel, que comemora os seus 120 anos, será ainda mais o centro principal do evento.

Ainda não sei onde vou, logo à noite, ver o fogo de artifício do 14 de Julho. Mas não excluo, em absoluto, tentar-me fazer convidado para o terraço do Raphael...

em tempo: este post foi aqui publicado em 2009. Lembrei-me de o reeditar nesta noite de "14 juillet"

segunda-feira, julho 14, 2014

Messi?

Saber perder é uma arte. Como o é, aliás, saber ganhar. No sábado, o Brasil fez uma "triste figura" ao não saber honrar os justos vencedores, a Holanda. Ontem, Lionel Messi, com uma iniludível "cara de frete", não soube comportar-se à altura de um capitão da equipa que titulava, numa demonstração de falta de sangue frio, perante a adversidade desportiva que tinha obrigação de saber enfrentar. Não se lhe pediam sorrisos, pedia-se urbanidade e educação, perante os que o saudavam com admiração. Messi comportou-se como um miúdo mimado, a quem tiraram o brinquedo que achava ser seu.

Como se isso não bastasse, a FIFA, ou lá quem foi, decidiu "premiar" Messi com o galardão do melhor jogador do torneio. Considero Messi um dos mais geniais - senão o mais genial - jogadores do mundo, mas neste Mundial foi uma sombra de si mesmo. Há bem mais de uma dezena de participantes que, sem a menor contestação, mereceriam muito mais o prémio. Desde um colega de Messi, Di Maria, a Robben (que, para mim, seria a escolha certa), passando por Muller e James Rodriguez. E porque não é apenas com os pés que o futebol é disputado, por que não os guarda-redes dos Estados Unidos ou da Colômbia? Se era um prémio de consolação, então que o tivessem dado a Neymar, que bem o merecia, pelo que jogou e pelo que não o deixaram jogar.

Agora Messi?! "Só contado p'ra você!", como dizem os amigos brasileiros.

TAP ?

Que se passa com a TAP? A toda a hora, ouço cada vez mais reclamações sobre o funcionamento daquela que, desde sempre, foi a minha companhia aérea favorita. Os atrasos, o cancelamento de voos, a displicência regular de muito do pessoal estão na boca de toda a gente, a somar a uma atitude arrogante e sempre auto-justificativa da companhia, quando contactada para explicar as deficiências. Há dias, depois de uma "seca" de mais de uma hora num aeroporto europeu, nem a uma palavra simpática de desculpas tivemos por parte do comandante. Como se já fosse natural... Outras vezes é aquela encanitante justificação de que "o atraso se ficou a dever à chegada tardia do avião", como se isso fosse argumento para quem esperou, que gostaria de perguntar: "e por que chegou tarde?"

Num passado que tínhamos por longínquo, a TAP era mal vista, tida por irregular, se bem que segura. Ironizava-se então que a sua sigla significava "Take Another Plane". Com os anos e, ao que parece, com o que foi a ação do "dream team" brasileiro, a TAP mudou de imagem e, claramente, de "performance". Começaram a ser publicitados os prémios que recebia, embora nós saibamos a "valia" objetiva desses troféus de raiz comercial. Mas o país recuperou o orgulho na sua companhia, interrogando-se mesmo sobre a racionalidade da sua privatização.

Mais recentemente, porém, as queixas voltaram a surgir, as ironias a crescer: "Vais na TAP? Prepara-te para os atrasos..." Amigos estrangeiros usam-me como alvo das suas crescentes reclamações: "não se pode confiar na TAP para estar a horas numa reunião!". Na operação Brasil, na qual a TAP voa para dez cidades com cerca de 70 voos semanais, e que continua a ser a "galinha dos ovos de ouro" da companhia, assistiu-se, há semanas, a queixas oficiais brasileiras, somadas a declarações iradas de muitos passageiros prejudicados. Na operação europeia, não passa um dia sem que se encontrem pessoas que procuram "fugir" da TAP, pelos seus atrasos já endémicos, a que se soma um serviço aos passageiros que decaiu de qualidade de forma notória, em especial nas refeições. Nos voos, as apresentações sonoras feitas pelos tripulantes, em especial em francês mas frequentemente também em inglês, são de uma pobreza lamentável, sendo já um "must" para gozo dos viajantes. Fica a ideia que a TAP já se acomodou ao declínio inexorável da sua imagem. Será assim?

Vem aí o "pico" do Verão e, por maioria de razão, teme-se ainda o pior.*

*Leia-se isto.

"Maresias"

O torreão poente da praça do Comércio imita o único que já lá estava* antes do terramoto de 1755, como o demonstra esta pintura de 1662 sobre a partida de Catarina de Bragança para Londres. Desde há anos que tinha uma grande curiosidade em entrar naquele espaço.

Fi-lo ontem a convite do meu amigo José Sarmento de Matos que comissariou a exposição "Maresias", organizada pela Câmara Municipal de Lisboa. Num espaço curto, é-nos dada uma interessante visão da frente ribeirinha de Lisboa, através de fotografias, pinturas, documentos de época e muitos outros objetos, em especial do rico espólio do Museu da Cidade.

Para quem gosta muito de Lisboa e tem grande curiosidade pela história da cidade, como é o meu caso, foi uma bela experiência.

* aprendi, há pouco, que o torreão atual está situado bastante mais junto do rio do que o que surge na pintura, que pertencia ao palácio real.

domingo, julho 13, 2014

Parabéns, Luis!

A organização deste Mundial de futebol esteve nas mãos de Luis Fernandes, vice-ministro do Desporto do Brasil, um amigo (que também é português) que teve a seu cargo toda a imensa máquina que permitiu montar um espetáculo desta dimensão.

O meu abraço de felicitações ao Luís estende-se a outro amigo, Aldo Rebelo, o ministro dos Desportos que tutelou politicamente toda a estrutura.

Contrariamente a todas as expetativas, o Brasil falhou apenas onde não se esperava: dentro das quatro linhas. Mas, no plano organizativo, esta foi uma grande vitória do país. Que, por isso, está de parabéns.

O fim do Bloco

O Bloco de Esquerda foi uma lufada de ar fresco num determinado momento da vida política portuguesa. O "cheiro" de uma oportunidade no quadro partidário, num tempo em que o PCP dava (ainda mais) sinais de anquilosamento e o PS se afundava no pragmatismo do poder, criou um movimento que diluiu barreiras que até então se pensava serem intransponíveis: entre comunistas críticos, maoístas de origens contrastantes e trotskistas disponíveis a um compromisso. Desde sempre "eleito" de uma comunicação social complacente, o Bloco ganhou um espaço público fortemente desproporcionado face à sua real importância democrática. Por um certo tempo, reconheço que trouxe um discurso novo e desempoeirado à cena política doméstica, antes de ter mergulhado na furiosa adoção do "politicamente correto" sectário.

Servido por figuras com inegável capacidade intelectual, de Miguel Portas a Francisco Louçã, passando por Fernando Rosas e Luis Fazenda, bem como João Semedo ou José Manuel Pureza, o Bloco deu mostras de estar unido nos momentos de "fluxo" dos ciclos políticos e de revelar fáceis fissuras nos tempos de refluxo. O seu ADN algo autoritário (Stalin e Trotsky não foram dos maiores democratas...) veio facilmente ao de cima em crises que envolveram figuras que lhe estiveram próximas mas que, por qualquer razão, se afastaram do seu controlo, como foi o caso de Rui Tavares, Daniel Oliveira ou Joana Amaral Dias, e agora parece acontecer com Ana Drago. Numa marca organizativa politicamente adolescente, pareceu ter sempre pudor em assumir em pleno a chefia de Louçã, até cair numa patética liderança bicéfala, que a opinião pública nunca tomou muito a sério.

Mas a crise do Bloco é ideológica, não de forma. Paladino das causas fraturantes, o Bloco nunca teve a humildade do trabalhoso compromisso com a realidade, preferindo trilhar os fáceis caminhos da "pureza" doutrinária. Sem as "tropas" sindicais do PCP, não foi capaz de criar uma linha original que desse ao eleitorado comunista uma razão para deslocar para ele o seu voto. Ao PS, cuja ala esquerda procurou seduzir, deu uma irrecuperável "bofetada" histórica, ao ter contribuído para o derrube do seu governo em 2011, numa "coligação" aberta com a direita unida, devendo ainda ter de explicar se afinal preferiu a "troika" que depois aí veio e que o seu voto (bem como o do PCP) também contribuiu para chamar. 

Nos últimos tempos, esgotadas as temáticas dos direitos, o Bloco dedicou-se a adubar um crescente radicalismo político, colando-se a tudo quanto "mexesse" contra o governo, alimentando o discurso velho e relho contra o "grande capital", que a desregulação financeira facilitou, favorecendo hipóteses "albanesas" de saída da crise (como o abandono da UE), demonstrando assim uma clara irresponsabilidade política e um desnorte estratégico que o colocavam fora de qualquer solução política construtiva. Adepto do "crescimento", pugna contudo por um modelo de sociedade que afasta o investimento produtivo e a criação de emprego, projetando a menos apelativa imagem de um país que pretende estimular a entrada de capital exterior, que parece ser, até prova em contrário, a única forma desse "crescimento" surgir. Num clássico tropismo tradicional da extrema-esquerda, passa o tempo a clamar pela "unidade", ao mesmo tempo que se "balcaniza" cada vez mais em grupos e iniciativas, heterónimos da sua cissiparidade endémica. Agora, o seu estertor anuncia-se e apenas a oportunista tribuna mediática permite que a sua bancada parlamentar sobreviva até às legislativas.

De certo modo, tenho pena ao ver este fim pouco glorioso do Bloco. É que, olhando para ele, não consigo deixar de sentir uma certa nostalgia por uma "movida" política de que, há décadas atrás, me senti próximo. E dou comigo a pensar que o voto de muitos portugueses, como se viu nas últimas eleições europeias, continua a ser desperdiçado de forma frustrante em formações que, podendo acolher os frutos do seu descontentamento, não têm a menor hipótese, pelo irrealismo do que propõem, de contribuir para a construção do nosso futuro coletivo.

A Copa e o Mundial

O Mundial acaba hoje, a Copa terminou ontem. 

Com a derrota frente à Holanda, a equipa brasileira demonstrou, uma vez mais, não estar à altura da esperança que o seu país nela colocou. E se a classificação que obteve provocou uma forte deceção, acho que os apoiantes do "escrete", entre os quais me incluo, devem estar bem mais desiludidos com a pobreza do futebol apresentado. Os "experts" dedicar-se-ão agora a dissecar as razões deste fracasso, que não se explica apenas pela força dos adversários. E nessas razões, sejamos realistas, estará a incapacidade de Luiz Filipe Scolari de transformar numa equipa um conjunto de excelentes jogadores.

Resta notar que o Brasil teve uma lamentável atitude ao deixar que a sua equipa abandonasse o estádio e não estivesse presente na entrega das medalhas de 3° classificado à Holanda. E o público deveria ter saudado os vencedores da partida, porque pior que perder é não ter grandeza no momento da derrota. Imaginem o que os brasileiros não diriam se, em caso de uma sua vitória, os holandeses tivessem tido um gesto idêntico! A deceção não justifica a falta de desportivismo.

sábado, julho 12, 2014

Lindo serviço!

Durante os últimos cinco anos, Vital Moreira, deputado ao Parlamento Europeu, presidiu à Comissão de Comércio Internacional daquela instituição. Um pouco por todo o lado, ouvi elogios ao seu trabalho, ao prestígio que Portugal ganhou através da sua ação, muito em especial na condução do processo relativo à preparação da Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento. 

O país não se terá ainda dado conta de que essa Parceria, cuja negociação se iniciará em breve, pode configurar uma radical mudança no panorama da relação entre a União Europeia e os Estados Unidos.  No que nos respeita, terá consequências da maior monta no perfil das nossas exportações e, ao mesmo tempo, pode garantir-nos um papel-chave na futura entrada na UE de gaz proveniente dos EUA (produzido a menos 30%), a somar-se às consequências positivas de uma mais intensa utilização do porto de Sines, por virtude da duplicação do Canal do Panamá.

Por todas essas razões, para a política externa de um país como Portugal, a Comissão de Comércio Internacional do PE constitui um lugar essencial para tentar controlar o futuro processo negocial e nele projetar os nossos interesses nacionais, que são de monta, como o evidenciará um estudo de uma entidade de grande qualidade, que daqui a semanas vai ser divulgado.

Vital Moreira abandonou entretanto o Parlamento Europeu, no quadro das mudanças que o PS decidiu introduzir na sua lista de deputados. Sabem o que aconteceu à representação portuguesa na Comissão de Comércio Internacional? Desapareceu... Nenhum dos atuais deputados portugueses faz dela parte, distribuindo-se por outras comissões, algumas das quais de duvidosa pertinência para os nossos interesses. Desconheço como decorreu o processo negocial de distribuição dos deputados pelas comissões parlamentares, mas uma coisa tenho por certa: iniciámos este "jogo" com um resultado negativo. Como se diz na minha terra, PS e PSD, os dois partidos que integram as formações políticas mais relevantes no PE, bem podem "limpar as mãos à parede" por este "lindo serviço" que prestaram à defesa dos interesses nacionais. E já notaram que ninguém fala disto na nossa comunicação social?

sexta-feira, julho 11, 2014

O BES e Portugal

Nunca o "isto anda tudo ligado" foi tão adequado. No prazo de poucas horas, o agravamento da imagem do BES (ou do GES, porque as coisas surgem confundidas) desencadeou uma onda de instabilidade sobre a imagem externa da economia portuguesa, arrastando atrás de si outras empresas nacionais, penalizadas nos mercados de capitais.

O tempo, nestas coisas, é um fator essencial e é mais do que lamentável que o país esteja a ser penalizado pelos jogos de poder na família Espírito Santo - com a continuação da patética coreografia das entradas e saídas no futuro Conselho Estratégico do banco - sobre a qual nem sequer houve o cuidado de fazer uma legítima pressão, no sentido de antecipar a famigerada Assembleia Geral. Esta continua marcada para 31 de julho, como se estivéssemos em tempo de "business as usual". Se já se constatou que não bastou, como se viu, anunciar uma equipa futura com nomes sólidos para a administração do banco, o supervisor e o governo - porque alguém está ao comando do "avião", ou não? - já deveriam ter feito o que deveriam, não na discrição dos gabinetes, mas com forte voz pública, por forma a acalmar os mercados. Por que esperam? Pela modorra da Comissão parlamentar de Inquérito?   

Logo à tarde, na Culturgest...

No âmbito das conferências "Portugal - propostas para o futuro", organizados pela "Culturgest", tem lugar hoje, sexta-feira, dia 11 de julho, nas instalações daquela fundação, a partir das 18.30, um debate sobre "A Europa e o Atlântico no futuro de Portugal".
 
Moderarei este debate em que serão oradores Miguel Monjardino, professor universitário e especialista em relações internacionais, e Vital Moreira, professor universitário e deputado europeu.
 
A entrada é livre. Apareçam!

quinta-feira, julho 10, 2014

Atenção a isto!

A Alemanha acaba de considerar "persona non grata" o chefe dos serviços de informação americano destacado no seu território. Esta notícia é verdadeiramente importante e pode ter consequências que importa seguir.

Tudo indica que poderemos estar no início de uma pequena crise para a resolução da qual vai ser necessária muita diplomacia e um ainda maior bom senso. Não é vulgar um gesto deste género entre países aliados, o que prova a seriedade das imputações que Berlim faz à ação da "intelligence" americana dentro do seu país. 

Os serviços secretos alemães são de excelente qualidade e a sua boa ligação a Washington era proverbial. Curiosamente, o serviço de informações externas alemão, o BND, deve a sua formação aos americanos, que, em 1945, recrutaram para tal um colaborador destacado da Abwer (a espionagem militar nazi), Reinhard Gehlen, dado o seu conhecimento profundo do novo adversário dos aliados ocidentais, a União Soviética. Gehlen foi detido, enviado para os EUA, tendo regressado depois à RFA onde, a partir de 1968, se tornou no "patrão" dos serviços alemães de espionagem. Salvo pequenas dissidências no quadro da "Ostpolitik" de Willy Brand, fruto das suspeitas de infiltrações da Stasi (espionagem da Alemanha Oriental), o relacionamento do BND com a comunidade de informações americana foi sempre muito positivo (escrevo sem suporte bibliográfico, porque toda a minha "literatura" sobre esta matérias já está na Biblioteca Municipal de Vila Real).

A confirmar-se, a crise de hoje ficará como um momento histórico nas relações entre os EUA e a Alemanha. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Pedido de ajuda

Acabo de ler que um comentador desportivo francês fez o seguinte comentário na televisão, ao ver, durante um jogo de futebol, um jogador ultrapassar outro em corrida: "É a primeira vez que vejo um branco a correr mais depressa do que um negro".

Segundo relata a notícia, "caiu o Carmo e a Trindade" com este comentário tido por "racista", com uma onda de protestos na internet.

Ajudem-me, por favor, a entender isto. Por que diabo esta frase tem uma conotação racista? É que eu não consigo entender. Não é uma evidência que, em provas de velocidade, quase sempre os velocistas negros são mais rápidos que os brancos. Há alguma coisa de racista nesta simples constatação?

Uma história municipal

Há uns anos, estava eu embaixador algures, tive necessidade de falar com o presidente de um certo município português. A minha secretária informou-me que havia um qualquer problema que impedia que o presidente pudesse atender a minha chamada, mas que a sua interlocutora no outro lado da linha não estava a ser muito clara sobre o motivo desse impedimento. Pedi para ser eu a falar com a secretária do autarca. Respondeu-me em voz baixa: "O senhor embaixador desculpe, mas hoje não vai ser possível. Anda por aqui a Judiciária a vasculhar tudo..."

Lembrei-me hoje disto, sei lá porquê.

Scolari

Neste momento em que o (quase ex-) selecionador do Brasil está a ser colocado no pelourinho, vilipendiado como pessoa de forma inaceitável, como se erros futebolísticos autorizassem todo o tipo de insultos, quero testemunhar o meu apreço pela figura de Luiz Filipe Scolari, um homem que, ao serviço da seleção portuguesa, demonstrou ser o mais português de todos os brasileiros. Comigo, a gratidão e a admiração não são valores perecíveis com o tempo e com as conjunturas.

A nova proposta sobre a dívida

De há muito que assumi a modéstia de só me pronunciar de forma definitiva não sobre o que sei mas apenas sobre aquilo sobre que julgo saber alguma coisa. E, mesmo assim... Vem isto a propósito da economia. Todos já percebemos, em definitivo, que, tal como a guerra é uma coisa demasiado importante para ser deixada exclusivamente aos militares (como disse Clemenceau), os últimos anos deixaram claro que é suicida deixar a economia apenas nas mãos dos economistas, que quase sempre nos "explicarão amanhã por que é que as coisas que previram ontem não aconteceram hoje". Mas daí a que qualquer fabiano se arrogue o direito de mandar bitaites sobre os "spreads" ou a "saída limpa", com ar de entendido, vai uma grande distância. Muito embora a economia não deva ser do múnus exclusivo dos economistas, as coisas necessitam de ser estudadas antes de, sobre elas, se poder formular uma opinião que se tenha por séria. E o ambiente de poluição ideológica e partidária dos assuntos que por aí se vive não ajuda ao tratamento racional destas coisas.

Surgiu agora uma nova proposta sobre a reestruturação da dívida. À hora a que escrevo, está a ser discutida na Faculdade de Direito de Lisboa. Pensei passar por lá para assistir ao debate, mas uma leitura do texto convenceu-me a não fazê-lo. Com o devido respeito pela opinião dos seus autores, entre os quais reconheço (alguns) nomes qualificados e que respeito, fiquei com a sensação de que se trata de um "nonstarter", de uma construção teórica inexequível, irrealista e que seria detrimental para muitas camadas da população, representando, além disso, uma brutal mudança de paradigma político-económico, à revelia do que a imagem do país necessita. Se acaso houvesse a vontade política de a pôr em funcionamento, o que nunca acontecerá, Portugal ficaria mais isolado do que nunca no plano internacional. Digo isto como um não especialista, mas apenas como cidadão que tem vindo a interessar-se por estas coisas da economia, sem sequer chegar a ter a pretensão de chegar ao grau de dúvida que eles próprios mantêm entre si...

A pasta

Anda por aí um debate em torno da pessoa que Portugal vai indicar a Jean-Claude Junker, para integrar a próxima Comissão europeia. O debate alarga-se à pasta que esse futuro comissário pode vir a ter. O primeiro-ministro disse não querer tomar a sua decisão sem ouvir o líder da oposição e este, depois dessa conversa, voltou a afirmar que Portugal deve ter uma pasta que permita defender os interesses de Portugal. Resta saber o que isso significa e a melhor maneira de concretizar esse desiderato.

Nos seus 26 anos de presença nas instituições europeias, Portugal teve quatro membros da Comissão Europeia: Cardoso e Cunha, Deus Pinheiro, António Vitorino e Durão Barroso, este último por 10 anos, embora não escolhido pelo país, mas selecionado pelos líderes europeus. Nomes do PSD estiveram na Comissão em 21 dos 26 anos que Portugal leva de presença europeia. O PS apenas nomeou António Vitorino entre 1999 e 2004.

A escolha do comissário nacional resulta sempre de um entendimento entre o governo de cada país e o presidente indigitado da Comissão. É um processo complexo, porque, muitas vezes, as pastas que estão disponíveis e são propostas a um país exigem uma qualificação técnica que os nomes que esse mesmo país pretende indicar não possuem. Por outro lado, as várias pastas estão longe de terem a mesma importância. Os portfolios ligados às "políticas comuns" ou às áreas em que a Comissão tenha poderes delegados de natureza condicionante da vontade dos governos são, naturalmente, as mais importantes. E os vários países têm uma capacidade muito diversa para pressionar o presidente da Comissão para obterem aquilo que pretendem. Ou alguém acha que a Alemanha, a França, o Reino Unido ou a Itália não vão obter um bom portfolio? Ou, se o não conseguirem, que não serão compensados com lugares cimeiros, como os de presidente do Conselho europeu, presidente do Eurogrupo, Alto representante para a Política externa e outros postos chave da máquina comunitária que estão sempre sobre o tabuleiro, na Comissão ou no Conselho?

Custa-me ter de dizer isto, mas é importante deixar claro que a coreografia do primeiro-ministro e do líder da oposição sobre este assunto, revestida de um ar de consenso europeu, deve ser lida como um simples esbracejar político, num quadro de forças em que ambos sabem que são um dos elos mais fracos. Portugal tem hoje muito poucos argumentos e (lamento dizê-lo) muito escasso prestígio na grande mesa europeia e, estranhamente, vai ter ainda de "pagar", aos olhos de muitos, a década de Barroso à frente da Comissão. Não faço a menor ideia daquilo que Juncker possa já ter dito a Passos Coelho (salvo que gostaria que Portugal indigitasse uma mulher, para cumprir o "politicamente correto"), mas, atendendo ao perfil de afirmação que Portugal tem tido nos últimos anos na União europeia, não estou a ver Lisboa a "levantar a voz" junto de Juncker ou a atrever-se a "dar um murro na mesa" do Conselho europeu para ser compensado por qualquer meio por um lugar menos apelativo na Comissão. Temo que, na melhor das hipóteses, se contente em negociar uma qualquer direção-geral ou colher uma promessa compensatória num outro dossiê.

Há um erro clássico neste tipo de escolhas: procurar obter uma pasta ligada diretamente aos interesses do país. Foi assim que Cavaco Silva fez com Cardoso e Cunha e com Deus Pinheiro - e foi um total fracasso para os nossos interesses. Não foi isso que António Guterres fez com António Vitorino, que acabou por obter uma pasta sobre uma temática que era nova e de natureza neutra, o que deu como principal saldo a (justa) consagração do prestígio pessoal do comissário. Um comissário perde, de imediato, a sua capacidade de influenciar o Colégio de comissários quando é pressentido como utilizador da pasta que lhe foi atribuída para defender os interesses diretos do país que o indigitou. A União europeia é um jogo cruzado de interesses, mas há regras de gestão do cinismo comunitário que devem ser cumpridas. 
 
O que importa, então? Para um país como o nosso, seria muito positivo se pudéssemos obter uma pasta que tratasse de questões que fossem vitais, não diretamente para Portugal, mas para o maior número possível de outros Estados, numa "política comum" que, nos próximos cinco anos, obrigasse muitos a ir "bater à porta" do comissário por nós indicado. Só assim se abriria a porta às "marchandages" que poderiam vir a beneficiar os nossos interesses. Não quero nem posso ser mais explícito, mas quem anda no mundo europeu já deve ter percebido o que pretendo dizer. É fácil conseguir isto? Nada do que importa é fácil, mas a qualidade do exercício da política é assim que se mede.   

Gastronomia

O que é a Academia Portuguesa de Gastronomia? É uma associação privada, com estatuto de "utilidade pública", composta por um núcle...