Foi num jantar com amigos meus, alguns que não se conheciam entre si. Ainda recordo o lugar: o antigo "Copo de Três", à Praça das Flores, onde hoje está o "Castro Flores" (por acaso, vou lá almoçar amanhã...)
Já não sei bem como e a que propósito, veio à conversa o nome de uma certa cabeleireira lisboeta, muito na moda, que recebia figuras bem conhecidas. Uma das amigas presentes era sua cliente habitual. Foi então que comentei: "Foi muito triste o que aconteceu com aquele salão! Ter de fechar assim de repente..."
A amiga que era cliente supreendeu-se: o salão tinha fechado?! Expliquei que tinha sabido do assunto nessa mesma tarde, através de uma reportagem em "A Capital", que trazia tudo muito bem explicado.
Descobrira-se, por alguma denúncia, que o cabeleireiro era, no fundo, uma "frente" para um lucrativo prostíbulo de luxo, ali bem no meio de Lisboa. E havia muita gente implicada! Um famoso e exclusivo "gentlemen's club", que confinava com a cabeleireira, era a via de acesso dos homens para o lupanar, entrando as mulheres através do salão de cabeleireiro. Dei pormenores do artigo, falei de uma porta e de um corredor secreto, de uma varanda traseira ("é verdade, há uma varanda", confirmou a minha amiga).
A polícia selara tudo nessa manhã e havia mesmo pessoas detidas. "Este país está impossível. Já nada é o que parece! Essa é que é essa!", sentenciei.
A minha amiga estava atónita, e compreensivelmente chocada. Conhecia muito bem a cabeleireira e o marido, gente encantadora, punha "as mãos no fogo" por ela, era quase impossível que ela estivesse envolvida nessa tramóia! "No melhor pano cai a nódoa!", foi o comentário ouvido.
E muito mais perturbada essa amiga ficou quando outras pessoas, que também estavam na nossa mesa, gente que ela estava a conhecer ali pela primeira vez, confirmaram: um tinha já ouvido falar do assunto, outra lera o mesmo artigo de jornal que eu tinha lido.
A conversa prosseguiu, mudou-se de tema, mas a nossa amiga ficou visivelmente perturbada. E estava-o de tal modo que, à saída do restaurante, pediu ao marido para passar, de carro, pelo endereço da cabeleireira, para ver com os seus próprios olhos os selos de polícia na porta. Não sei se viu alguma coisa, porque à noite tudo é menos claro, até os gatos, dizem, são pardos e só há gambuzinos no ar.
A nossa amiga viria a sossegar, mas só mais tarde. A cabeleireira, afinal, não tinha sido presa, o lupanar, afinal, não existira nunca, a historieta, afinal, era uma invenção instantânea deste seu amigo, o comportamento dos outros, afinal, tinha sido provocado por um piscar de olho cúmplice - e, à distância, não lhe agradou mesmo nada que essas pessoas tivessem contribuído para a "gozação". Mas, afinal, já me perdoaste, não é, Mena?