Aquela figura da "geringonça" olhou para mim com um ar perplexo, quando deixei cair, em conversa, que podia estar interessado num determinado cargo oficial.
Ouvira-me, nos últimos dez anos, jurar a pés juntos que não estava disponível para exercer qualquer lugar no âmbito do Estado pelo que havia agora qualquer coisa que não batia certo.
- Era capaz de aceitar uma certa função não remunerada...
Bom, isso já podia ter algum sentido, deve ter ele pensado, julgando que eu estava a meter uma discreta "cunha" para um lugar de prestígio.
- É um cargo que ambiciono desde há cerca de três décadas.
Isso atirava para os anos 80. Pediu-me que concretizasse.
- Era para membro da Comissão Permanente da Hora.
"Comissão Permanente da Hora"?! O que faz essa comissão? Expliquei que, por lei, lhe compete "estudar, propor e fazer cumprir as medidas de natureza científica e regulamentar ligadas ao regime de Hora Legal e aos problemas da hora científica". Ora eu tinha reparado, há muito, numa falha na lei: era inconcebível que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não estivesse representado nessa comissão, pelas implicações que o regime da hora legal tem nas relações internacionais e na ligação com as instituições comunitárias. Impunha-se, desde logo, uma revisão da legislação nesse sentido.
- Tem lógica, disse ele.
Mas, pondo os pés na terra, logo refletiu: mas por que é que eu queria esse lugar, um lugar não remunerado numa comissão que reunirá, talvez, uma vez por ano? E o que é que eu sabia do assunto para me qualificar para essa função? Pacientemente, expliquei que tinha passado por mim, noutros tempos, a questão do regime europeu da hora, pelo que sabia tanto ou mais do assunto como qualquer outra pessoa de lá do MNE.
- Lá isso é verdade. Mas estás mesmo a falar a sério?
- Claro que sim e agora tenho mais tempo, o que deve ser importante para um organismo que trata da hora...
- Mas seria necessário mudar a lei. E o MNE teria de propor isso. Pode demorar...
- "Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo".
- Bela frase! É tua?
- Não, é do Saramago.
Fiquei na dúvida sobre se esse meu amigo acreditou mesmo no que lhe "pedi". Um reformado a representar o Estado... Só eu é que tenho tempo para estas brincadeiras. Mas é Natal, ninguém leva a mal.
1 comentário:
Esqueci-me que existia o Ignatz! Já veio por aqui tentar lançar insídias, de que eu estava a comprometer a gerinçonça e coisas assim. Ele bem tenta entrar neste blogue, mas só tem sorte no Laranjina C, onde o deixam brincar com as palavras. 2017 será o ano do "outing" do Ignatz? Era a sua glória...
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