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sábado, outubro 22, 2011

Eugénio Lisboa

A universidade de Aveiro promove hoje uma justíssima homenagem a um homem a quem a literatura portuguesa muito deve, através do lançamento do livro que lhe é dedicado: "Eugénio Lisboa: vário, intrépido e fecundo - uma homenagem". Tenho imensa pena de não pode estar presente nesta ocasião, mas o dom da ubiquidade, por ora, ainda me é alheio.

E aqui fica o curto texto com que, no livro, saúdo o Eugénio:

Por décadas, li o nome de Eugénio Lisboa em textos críticos sobre literatura portuguesa que me iam passando à frente dos olhos. Como essa era uma “praia”, como agora se diz, que eu apenas tocava pela rama, tinha, acerca dele, alguma, mas não excessiva, curiosidade, apenas potenciada pela raridade do facto de se tratar de um “engenheiro”, qualidade que partilhava com o Jorge de Sena – mas isso num tempo em que os engenheiros ainda não assumiam a importância que, entre nós, viriam a ter…

A circunstância de ter raízes em Moçambique e de, mais tarde, ter andado por França e pela Suécia, situavam Eugénio Lisboa, no meu imaginário, na prateleira prestigiada dos expatriados da nossa cultura, essas figuras com cujas assinaturas eu tropeçava em livros e artigos e que, de quando em quando, entrevia em colóquios ou na televisão, saídos da sua habitual geografia. Mas eu nunca fui fã de José Régio (o Eugénio não me vai perdoar esta!) e esse era o terreno de estimação do nosso crítico, pelo que não atentava, como seguramente deveria, ao que ele escrevia sobre o poeta – no “Colóquio Letras”, no JL e noutras folhas cultas e de culto.

Um dia, no início dos anos 90, ao ser colocado em Londres, tive oportunidade de pôr finalmente uma fotografia no nome do Eugénio Lisboa. E, simultaneamente, no de Rui Knopfli, com quem ele fazia um singular “par” de conselheiros da coisa escrita – o Lisboa, da cultura, o Knopfli, da imprensa – dentro da nossa Embaixada. Durante mais de quatro anos, convivi diariamente com ambos e, no meu saldo pessoal, julgo neles ter feito dois amigos. Era muito interessante observar a sua complementaridade, o sublinhar das comuns raízes moçambicanas, distintos no trabalhar de certas memórias, sobre figuras do passado frequentado e no modo de viver o presente de então. Porém, onde o Eugénio era uma formiga de trabalho, o Rui era uma cigarra, de cigarros seguidos e outros vícios, onde parecia assentar a alegria residual da sua vida e em que preparava, com uma certeza que íamos visualizando, o caminho apressado para a morte. Por mais de uma vez, fui aliado do Eugénio Lisboa – cuja óbvia ternura pelo Rui sempre mascarava – na tentativa de salvar o poeta de si próprio. E ambos sofríamos, cada um a seu modo, a inglória certeza, a prazo, desse esforço. 

Sou testemunha privilegiada de que, em Londres, Eugénio Lisboa desenvolveu um trabalho notável na promoção da nossa cultura. Para além de animar, frequentemente com a sua presença, muitas iniciativas, dedicava-se, com afinco, à edição de traduções de clássicos da nossa literatura, através da “Carcanet Press”. Com o Helder Macedo e com Michael Collins, seus principais cúmplices em iniciativas a que, com pertinácia, se dedicava, o Eugénio procurou “furar” o complexo mundo do tecido cultural britânico, tendo, a seu lado na Embaixada, a ajuda entusiasta e atenta de Mercês Gibson. Olhando para trás, tenho consciência de que procurei ser útil, à medida do que me era possível, a esse labor, onde frequentemente nos deparávamos com boas vontades – como era o caso da Fundação Calouste Gulbenkian – mas, igualmente, com alguns egos de estimação, às vezes de natureza institucional, bem difíceis de contornar.

Foi pela mão do Eugénio Lisboa que vim a conhecer figuras como o jornalista António de Figueiredo, lendário representante de Humberto Delgado em Londres, o advogado Adrião Rodrigues, nome destacado dos “Democratas de Moçambique”, ou Alexandre Pinheiro Torres, um escritor cuja obra justificaria maior reconhecimento público. Em Londres, o Eugénio funcionava como uma espécie de “placa giratória” por onde passava muito do mundo cultural português, mas onde a África lusófona estava sempre presente.

Esse “carrefour” londrino nem sempre era tão pacífico como se poderia pensar – mas, com o tempo, habituei-me a perceber que o mundo cultural é um espaço onde, com alguma facilidade, as personalidades se chocam e as palavras podem desencadear grandes fogueiras. Recordo-me de uma polémica, que envolveu o Eugénio Lisboa e o José Saramago, a propósito de um almoço que eu havia oferecido ao escritor, com a presença do Hélder Macedo, da Paula Rego, do Bartolomeu Cid dos Santos, do Luís de Sousa Rebelo e do Rui Knopfli. O modo como Saramago relatou uma cena desse repasto, nos seus “Cadernos de Lanzarote”, criou uma fúria no Eugénio, que zurziu o escritor no JL. A diplomacia não exclui a indignação.  

Devo confessar que tenho alguma saudade das conversas que, aos fins de tarde, mantínhamos no meu gabinete, muitas vezes acompanhados pelo fumo e pela ironia do Rui Knopfli. Ouvia-os então cruzar memórias africanas, referências literárias, leituras pessoais de episódios comuns do passado, tudo envolvido na agudeza crítica que, quando inteligente, não faz mal a ninguém.

Homenagear o Eugénio Lisboa, como grande figura da cultura portuguesa – não esquecendo a imprescindível serenidade da Antonieta, a seu lado –, é um ato mínimo de justiça. E, para mim, é também uma oportunidade para lhe enviar um abraço de sólida amizade.

sábado, outubro 15, 2011

Pedro Rosa Mendes

Pedro Rosa Mendes é um dos grandes escritores da nova geração da literatura portuguesa. Esta semana, foi-lhe atribuído o prémio narrativa do Pen Club, pelo seu livro "Peregrinação de Enmanuel Jhesus".

Pedro Rosa Mendes era também o correspondente da agência noticiosa Lusa em Paris. Porque acompanho, de há muito, a atividade dos jornalistas que a Lusa tem (cada vez menos) pelo mundo, posso testemunhar que, do trabalho de Pedro Rosa Mendes em França, resultaram algumas das melhores e mais equilibradas "peças" que alguma vez vi escritas em trabalho de agência.

A Lusa, com certeza, não quis ficar atrás do Pen Club e decidiu também "premiar" Pedro Rosa Mendes, cancelando o seu contrato. Não terá sido a "troika" a sugerir, mas já agora...

terça-feira, setembro 27, 2011

Lisbonne

Edith Bricogne é a autora das fotografias e Fernando Pessoa escreveu dois belos textos que as Editions Chandeigne acabam de editar, num belíssimo livro - um presente que todos poderemos dar aos nossos amigos franceses, criando uma garantida angústia àqueles que eventualmente ainda não conheçam Lisboa.

terça-feira, setembro 06, 2011

Livros efémeros

É muito significativa a lista de livros, subscritos por figuras da cena política francesa, que surgem nesta "rentrée". A aproximação das eleições presidenciais, bem como o cumprimento de um ritual que aqui, historicamente, como que "obriga" algumas personalidades, em especial na oposição, a revelarem as suas ideias de forma encadernada, conduz a esta abundância de publicações. Quase sempre, trata-se de obras de natureza conjuntural, que raramente ultrapassam as 200 páginas a letra larga. Cumprida a sua função de intervenção política imediata, estes trabalhos desatualizam-se semanas depois e, com certa rapidez, logo desaparecem dos escaparates.

Os analistas da coisa política dão, quase sempre, escassa importância a este tipo de obras, tidas como meros instrumentos de propaganda. Outros, porém, cuidam em tentar perceber se os textos são ou não redigidos pelos titulares do livros, sabendo que muitos não têm propensão para a escrita ou sequer tempo para tal. Mas o iniludível estilo e conhecida capacidade de escrita de alguns dos autores também faz destacar quem assina o que verdadeiramente escreve e não usa "nègres" (como aqui se diz) para essa tarefa. Por mim, devo dizer que, desde há muito, já aprendi a distinguir o trigo do... outro trigo.

sábado, setembro 03, 2011

Notas de fim de semana

1. É muito bem escrita, como sempre, a crónica de ontem de Ferreira Fernandes, no "Diário de Notícias". Esta é sobre o estilo de discurso do professor Vitor Gaspar, o novo ministro das Finanças. Já conhecia o tempo e modo desse estilo quando, há já bastantes anos, fiz com ele parte de um júri, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O que a mim mais me impressiona, na forma da sua expressão, que agora é algo de verdadeiramente inédito na política portuguesa, é o ritmo desarmante que sustenta, impávido, perante os estímulos provocatórios dos interlocutores. 

2. Sei que vai chocar algumas pessoas que se diga isto. Mas a revolução líbia só ficará consagrada, na plenitude das suas credenciais de tolerância, no dia em que puder haver rádios, jornais e partidos políticos que critiquem abertamente, sem sentirem o medo de quaisquer represálias, as novas autoridades, ainda que transitórias, que vierem a assumir o poder em Tripoli. E isto, claro, antes de quaisquer eleições.

3. Recomendo vivamente o texto (não tem link livre) de Pedro Mexia, no "Expresso" de ontem, intitulado "Os Alfonsos Guerras". E, mais ainda, recomendo o já antigo livro de Jorge Semprún, que serve de pretexto à crónica - "Frederico Sanchez vous salue bien" -, no qual ele conta a sua experiência de homem do mundo da cultura inserido na política. Só não o recomendo a Francisco José Viegas porque sei que ele já leu tudo.

4. É excelente a notícia de que os trabalhos fotográficos de Gérard Castello-Lopes, de cerca de meio século de atividade, vão ser apresentados no novo Centro Cultural Gulbenkian, em Paris, em abril de 2012. A partir de última semana de outubro, a Gulbenkian de Paris abandonará as instalações da avenue d'Iéna e passará a estar aberta num prédio no boulevard de La Tour-Maubourg.

segunda-feira, agosto 08, 2011

Paulo Castilho

Paulo Castilho não é um escritor regular. Passam-se anos sem que apareça um romance seu. Contudo, nunca desilude. Esse é o caso de "Domínio Público", recentemente editado.

Trata-se de uma trama lisboeta, muito bem escrita, com uma linguagem que revela uma cuidada atenção ao discurso quotidiano contemporâneo. Tal como em anteriores obras, Castilho mostra que, em especial, lê muito bem o pensamento das personagens femininas, sem, no entanto, se deixar subordinar à tentação fácil da mera transcrição da oralidade "modernaça", como acontece em certas escritas de uma sub-literatura urbana que por aí anda, à procura desesperada de um novo realismo pintado de tons chocantes.  

Paulo Castilho é diplomata. Há hoje muito poucos diplomatas que se dedicam à escrita de ficção. Além dele, apenas Marcello Mathias e Luis Filipe Castro Mendes publicam obras com alguma regularidade. Mas todos, sem exceção, com elevada qualidade, como a crítica sempre reconhece. O que é, "corporativamente", uma constatação muito agradável. 

quinta-feira, julho 21, 2011

Iliteracia política

Alguma curiosidade levou-me a ler um livro, recentemente publicado, sobre a vida do nosso parlamento, com historietas nele ocorridas. Literatura de férias...

O mais surpreendente na publicação foi a ausência de um "editing" eficaz, que permitisse evitar erros como dizer que foi "Costa Gomes" quem fez o 28 de maio de 1926, que o presidente da Câmara Corporativa se chamava Luís "Pico" Pinto ou, finalmente, que Casal Ribeiro ainda perorava no plenário dos anos 80.

E não se pode exterminá-los?

terça-feira, junho 14, 2011

"Marcelismo" e diplomacia

Terminei há pouco a leitura de um livro de memórias de Pedro Feytor Pinto, intitulado "Na sombra do poder", recentemente editado pela Dom Quixote. O autor é uma figura pública que esteve fortemente envolvida na máquina de propaganda dos derradeiros anos da ditadura, após o que encetou, já em democracia, um percurso profissional na área da promoção do comércio externo português.

Não farei aqui uma análise valorativa deste livro. Porém, quero dizer que, para quem se interessa pela história do "marcelismo" (1968-1974), o livro traz alguns relatos curiosos, fruto do envolvimento direto de Feytor Pinto em diversos eventos da época. O trabalho descreve muitas situações e acontecimentos, sob um prisma em que o autor assume, com meritória lealdade, a sua constante admiração pelo chefe do governo derrubado em 25 de abril de 1974, bem como pela linha política por este seguida, nomeadamente em matéria colonial.

Frequentes, ao longo do texto, são as referências ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, pela multiplicidade de contactos que Feytor Pinto teve com diversas figuras da carreira. Creio que, com uma única mas relevante exceção, a diplomacia portuguesa frequentada pelo autor sai "bem tratada" do livro. Noto, a este propósito, um comentário que Feytor Pinto recolheu no livro, atribuído a uma conhecida figura da carreira diplomática, o embaixador Caldeira Coelho: "No serviço diplomático é, muitas vezes, muito mais importante o que evitamos do que o que conseguimos". É bem verdade. 

quarta-feira, junho 08, 2011

Semprún

Hoje, como membro do júri do "Prix des Ambassadeurs" (um prémio literário anual sobre história política, atribuído por um júri constituído por 20 embaixadores acreditados em Paris, escolhidos sob a égide da Académie Française), apresentei um parecer sobre "Le Bolchevisme à la française", de Stéphane Courtois, um livro que é um "pavé" de cerca de 600 páginas, sobre o comunismo em França (já agora: não aconselho o livro). 

Nesse texto, citei, a certo passo, Jorge Semprún, o escritor e político hispano-francês que efetuou um processo de afastamento do PC espanhol e que, a esse propósito, escreveu, entre outros, um livro muito curioso -  "Autobiografia de Federico Sanchez".

No termo da minha intervenção, um colega revelou que Semprún morrera, ontem, aqui em Paris.

Foi por recomendação do António Massano que conheci, nos anos 70, essa obra, creio que editada pela Moraes. A "Autobiografia" foi apenas o primeiro dos vários livros de Semprún que fui lendo ao longo dos anos - sobre o seu tempo de prisioneiro dos nazis, a sua vida no universo clandestino comunista, o seu regresso à Espanha democrática e vários outros temas e pretextos. Se tivesse de recomendar uma única obra de Semprún, eu optaria por "Le mort qu'il faut" (não faço ideia se há tradução portuguesa), sobre a experiência no campo de concentração de Buchenwald.

Pela riqueza da sua vida, Semprún fazia parte daquelas pessoas que eu gostaria de ter conhecido pessoalmente.

segunda-feira, junho 06, 2011

Poesia diplomática

Não vou poder estar presente na sessão de lançamento das "Lendas da Índia", o novo livro de poesia do meu amigo Luis Filipe Castro Mendes, que será apresentado hoje à tarde na livraria Buchholz, em Lisboa, por Nuno Júdice. Algum embaixador português tem de ficar por Paris...

O embaixador Luís Castro Mendes tem uma ampla obra poética publicada e premiada. Chefia a missão portuguesa junto da UNESCO, em Paris, depois de ter sido embaixador em Budapeste e Nova Delhi. É autor do blogue Tim Tim no Tibete.

Curiosa (e carinhosa) é a nota que um alegado poeta popular português, Reinaldo Azenha de Noisiel, que parece residir em Pont de Sèvres, nos arredores de Paris, deixou na abertura do seu recente blogue "Malta da Rima", a propósito da publicação deste livro.

sexta-feira, junho 03, 2011

Astérix em mirandês

Um amigo bem nortenho, fez o favor de me enviar o "Le grand fossé", um belo álbum das aventuras de Astérix (e Obelix, não esqueçamos!), numa edição limitada, em língua mirandesa ("L galaton").

Igualmente me ofereceu, editada igualmente em mirandês, a banda desenhada "Os Lusíadas" ("Ls Lusíadas), com o clássico traço de José Ruy.

Os mirandês está bem e recomenda-se!

terça-feira, maio 31, 2011

Portugal na Finisterra

A cultura portuguesa é trabalhada em França em muitos, e às vezes remotos, locais. Em Pont-Aven, no extremo da Bretanha, Cristina Isabel de Melo, de quem já aqui falámos há tempos, desenvolve um louvável esforço de difusão, através das Edições Vagamundo

A Vagamundo editou agora, de Nuno Júdice, com tradução da própria Cristina Isabel de Melo, a "Geométrie variable".

sábado, maio 28, 2011

Chandeigne

As edições Chandeigne, como outras vezes aqui foi assinalado, prestam uma contribuição inestimável para a divulgação da língua e cultura portuguesas em França, com uma atenção cada vez mais alargada aos países cujas culturas se exprimem no nosso idioma.

Recomenda-se uma visita virtual ao excelente catálogo da Chandeigne ou, podendo, vale a pena perdermo-nos nas instalações desta "Librairie Portugaise et Brésilienne", no nº 10 da rue Tournefort, a dois passos do Panthéon (tlf.: 01 43 36 34 37).

Este ano, o trabalho de Michel Chandeigne e da sua equipa comemora os seus 25 anos de existência. No segundo semestre de 2011, a Embaixada de Portugal em França vai participar nesta comemoração e no agradecimento que todos devemos a quem tem feito um notável esforço pela promoção da lusofonia cultural em França.

Neste final de semana, porque nos aproximamos do "Dia de Camões", sugere-se uma saltada ao stand 505 do Marché de la Poesie, na place Saint-Sulpice, onde a Chandeigne apresenta uma cuidada edição bilingue dos Sonetos de Luís de Camões.

domingo, maio 01, 2011

Feira do livro

Era assim a Feira do Livro de Lisboa, precisamente há 50 anos. Em contraste, hoje à tarde, notei ser das poucas pessoas com gravata, entre as muitas que passeavam pelo parque - cujo nome, seguramente, ninguém ligou ao recém-casado príncipe britânico, de quem Eduardo VII era trisavô.

Já não "apanhava" uma feira em Lisboa há alguns anos (problema de quem vive, há uma década, no estrangeiro). Fez-me bem passar por lá, perceber os novos públicos e o ambiente que hoje rodeia os livros, em tempo de "iPad's" e de outros "gadgets" alternativos de écran.

Ao olhar para os stands, dei-me conta de que, durante muitos anos, e relativamente a certos temas, tinha a sensação de que ia adquirindo tudo o que sobre eles se editava em Portugal. Hoje, tenho que ser realista: não há bolsa, nem estante, nem horas livres que aguentem a imensidão do que se publica -estudos cada vez mais pormenorizados e aprofundados. O mundo da investigação (e, por essa via, da edição) mudou e mudou para bem melhor. Além de que os livros estão cada vez mais bonitos.

Com este post, também satisfaço o pedido daquela senhora anónima que, numa banca de livros, depois de olhar para mim com alguma insistência, me lançou: "Não se esqueça de falar da feira, hoje, lá no seu blogue". Não prometi nada, mas aqui estou a "obedecer". Com gosto.

sábado, abril 23, 2011

Cioran

O meu amigo João de Vallera trouxe-me hoje, de passagem por Bruxelas, as "Oeuvres" de Cioran.

Neste sábado de Aleluia, passámos minutos divertidos a ler alguns "Syllogismes de l'amertume", até descobrirmos - nem de propósito! - este excelente naco:

"Pourra-t-on méridionaliser les peuples graves? L'avenir de l'Europe est suspendu à cette question. Si les Allemands se remettent à travailler comme naguère, l'Occident est perdu; de même si les Russes ne retrouvent pas leur vieil amour de la paresse. Il faudrair développer chez les uns et les autres le goût du farniente, de l'apathie et de la sieste, leur faire miroiter les délices de l'avachissement et de la versatilité.
... À moins de nous resigner aux solutions que la Prusse, ou la Sibérie, infligerait à notre dilettantisme."

(Poderemos meridionalizar os povos graves? O futuro da Europa está suspenso desta questão. Se os alemães se põem a trabalhar como outrora, o Ocidente está perdido; o mesmo acontecerá se os russos não reencontrarem o seu velho amor pela preguiça. Dever-se-ia desenvolver nuns e nos outros o gosto do "farniente", da apatia e da sesta, fazer-lhes ver as delícias do relaxamento e da versatilidade.
... A menos que nos resignemos às soluções que a Prússia, ou a Sibéria, infligiria ao nosso diletantismo)

sexta-feira, janeiro 14, 2011

"A última missão"

Nos idos de 1974, creio que no mês de Agosto, era eu adjunto da Junta de Salvação Nacional, fui um dia apresentado a um oficial pára-quedista que tinha como missão estruturar um grupo de milicianos que, no quadro da "intelligence" militar, deveriam refletir sobre a realidade nacional. Vinha convidar-me para integrar esse núcleo, que ficaria sediado no Palácio da Ajuda, onde hoje é o ministério da Cultura. Lembro-me de ter hesitado, por várias razões. Acabei por fazer parte do grupo em Outubro de 1974, já depois da desaparição da Junta.

Esse oficial era o major Moura Calheiros, um homem de fala suave e sorriso sereno e, ao que sei, também então estudante em "Económicas". O grupo viria a ser composto por gente muito diversa, curiosamente com orientações políticas bem distintas, do então PPD ao MES, do PS ao CDS, alguns sem partido conhecido. E, curiosamente, que eu saiba, ninguém do PCP. Profissionalmente, havia de tudo: futuros diplomatas, como o João Lima Pimentel e eu; economistas, como Agostinho Roseta, António Romão, Brandão de Brito, António Alves Martins, Carlos Figueira, Junqueira Lopes,  Jorge Calheiros, António Luís Neto; engenheiros, como Armando Sevinate Pinto ou Otto Uwe Leichsenring; licenciados em Direito, como Abel Gomes de Almeida, Rocha Pimentel, Sampaio Caramelo ou Alexandre Pinto Monteiro. Mas também um psicólogo, Vitor Moita, e um jornalista, Simões Ilharco, bem como pessoas oriundas de outras áreas profissionais. Durante alguns meses, nesse setor da 2ª Divisão do EMGFA, dirigido pelo depois general Gabriel Espírito Santo, produzimos vasta reflexão sobre o país mutante em que então vivíamos, "briefávamos" diariamente os nossos superiores e preparávamos textos de análise para a chefia da Revolução. Depois do 11 de Março, esse serviço foi extinto e seguimos vias militares diferentes, em especial no "verão quente" que se seguiu. Antes de sermos todos "mandados para casa", no segundo semestre desse ano, porque os milicianos já não eram necessários. 

Ao longo do ano de 1975, fui encontrando o major Calheiros pelos corredores do MFA, em dias exaltantes e noites exaltadas. Já funcionário diplomático, tive ecos das dificuldades da sua tarefa no âmbito dos pára-quedistas de Tancos, no quadro do 25 de Novembro.  Nunca mais ouvi falar dele.

Há semanas, li uma referência a um livro seu. Foi-me difícil adquiri-lo. São quase 700 páginas de uma memória dos tempos da guerra colonial, tendo como pretexto a sua integração numa missão de resgate dos restos mortais de companheiros, caídos em combate na Guiné. É um texto de tocante simplicidade, que revisita - com olhos de profissional militar, mas com uma visão humana muito serena e compreensiva - os tempos da luta e os seus ambientes, comparando figuras e situações de ontem e de hoje, da sociedade da África descolonizada e do que sobreviveu da memória de Portugal nesses palcos da nossa última aventura pelo mundo.

sexta-feira, dezembro 31, 2010

Europa - 25 anos

Faz hoje precisamente um quarto de século (já!) que Portugal ingressou nas então Comunidades Europeias, mais tarde chamadas União Europeia. 

Uma publicação do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, intitulada "25 anos de Integração Europeia", a editar dentro de alguns dias, vai recordar esse trajeto.

Por lá deixo, como muitos outros, um curto depoimento, que intitulei "Os limites da integração": 

O pedido de adesão de Portugal às Comunidades Europeias foi a decorrência óbvia do novo curso político do país, no período subsequente à Revolução de 1974, pela necessidade sentida, por pressão das forças então emergentes como dominantes, de garantir que o Portugal democrático pudesse ganhar um espaço no seio de uma cultura política internacional de sucesso. Quem teve a força política para decidir essa opção sentiu que ela poderia, não apenas proporcionar apoios materiais a um mais rápido desenvolvimento económico e social do país, mas, igualmente, trazer um eficaz enquadramento para a consolidação, em moldes congéneres aos dos Estados já então membros, do modelo político que pretendiam implantar no país - assente em instituições democráticas e na economia de mercado. Não foi, por isso, uma opção política neutra, razão pela qual certos setores partidários então reagiram, porque pressentiram que ela iria condicionar definitivamente a dinâmica política do país.

A presença de Portugal nas instituições comunitárias acabou por ter um efeito muito importante sobre a nossa vida coletiva. Para além de induzir uma cultura de modernidade, nas mentalidades e no quotidiano material, bem como forçar algumas dinâmicas de reforma que o processo político interno dificilmente teria condições para gerar autonomamente, Portugal conseguiu com isso atenuar, embora não colmatar por completo, os efeitos do longo percurso de periferização, face ao centro europeu, a que a ditadura tinha condenado o país. Olhando em perspetiva, pode hoje concluir-se que, se acaso não tivesse ingressado nas instituições europeias em 1986, o nosso país teria tido necessidade de efetuar um esforço muito superior de adaptação, para poder integrar um dos alargamentos europeus posteriores, com muito menos vantagens materiais do que as que então obteve.

A experiência da nossa presença nas instituições europeias também nos mostra, contudo, que o voluntarismo tem os seus limites e que há idiossincrasias que não são mutáveis por mera pressão enquadradora externa, que há vícios e formas de comportamento que vão para além dos mecanismos políticos a cuja observância nos comprometemos. Se foi possível a Portugal introduzir as mudanças necessárias à adaptação ao Mercado Interno e à criação de condições sincrónicas para a entrada na moeda única, a verdade é que isso não induziu a interiorização de um cultura comportamental de rigor, suscetível de fazer perdurar no tempo, e maturar nos efeitos, as vantagens da nossa pertença ao “clube”. 

segunda-feira, dezembro 27, 2010

O "malho"

Desde que me conheço que me vejo rodeado de dicionários. O meu pai, em Vila Real, tinha dicionários de tudo e mais alguma coisa, de diversos franceses do século XIX (do Gregoire e os Vapereau ao excelente "de la Politique", de Block) aos clássicos Cândido de Figueiredo e Torrinha, passando pelos Lellos (ilustrados ou não). No meio dessa inumerável coleção, havia lá por casa dicionários espanhóis, ingleses, muitos de tradução entre línguas (algumas que nunca falei) e outros cuja utilidade prática verdadeiramente nunca descortinei. 

Com toda a certeza por via dessa saudável influência, desde cedo que comecei a ter os meus próprios dicionários. Lembro-me que ganhei o meu primeiro "Porto Editora" num concurso de cruzadismo e que foi a (depois) minha mulher quem me ofereceu, há bem mais de 40 anos, um fac-simile do "Littré". Aprendi a andar com eles sempre à mão (até nos carros), espalhados por todas as mesas onde trabalhei (e continuo a fazê-lo, porque ainda não acredito nos "on-line" e, muito menos, em alguns imbecis corretores ortográficos). Tenho dicionários um pouco de tudo: de verbos, de sinónimos, etimológicos, onomásticos, de provérbios e incontáveis volumes temáticos (muitos em inglês, francês e espanhol), para além dos óbvios Larousse e Michaelis. Trouxe, do Brasil, o Aurélio (o "Aurelião"), o Houaiss e, claro, o Caldas Aulete. Também tenho as dezenas de volumes da Encyclopaedia Britanica e a Luso-Brasileira  (mas não a da Verbo, com que, desde sempre, embirro), com as respetivas atualizações (até que o bom-senso e a falta de espaço me levaram a parar). E tantos, tantos outros dicionários, enciclopédias e quejandos.

Mas toda esta conversa vem a propósito do "malho". Na minha família o "malho" designa os 12 volumes do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Moraes Silva, na sua 10ª edição, que o meu pai assinara em fascículos durante mais de uma década. Desde miúdo que me habituei a consultá-lo, para ajudar o meu pai e o meu avô nos exercícios de palavras cruzadas, nas noites antigas, em que a televisão nos não monopolizava. Quando a dúvida se instalava sobre um determinado significado, o meu pai dizia, em jeito de desempate definitivo: "vamos ao malho". E eu, impante, encarregava-me com ardor dessa tarefa - de um modo que me levou mesmo a saber de cor as palavras iniciais e finais de cada um dos volumes, inscritas nas lombadas. O "malho*", na sua bela encadernação de couro com ferros dourados, continua a ser o dicionário-rei da minha casa, por mais novos dicionários de língua portuguesa que por aí apareçam - mas que eu não deixo nunca de comprar, sempre...

Mas o (agora) meu "malho" remete para uma historieta curiosa. O meu pai havia mandado encadernar os primeiros seis volumes do "malho" ao sr. Morais (homónimo do autor do dicionário), um dos escassos (mas o melhor dos) encadernadores de Vila Real. Saíu "obra asseada", porque o artesão era excelente, embora um tanto lento.

Uns anos mais tarde, acabada que foi a publicação da totalidade dos fascículos, o meu pai informou o sr. Morais de que estavam prontos para ser encadernados os restantes seis volumes. E aí surgiu uma surpresa desagradável: o homem disse que já não se dedicava a trabalhos tão elaborados, que há muito que havia deixado de utilizar os "ferros" da anterior encadernação e, pedindo embora muita desculpa, informou que não podia levar a cabo a tarefa. O meu pai ficou desolado. Que poderia fazer? A obra ficaria incompleta e não conhecia ninguém capaz de substituir o Morais. Estávamos nos anos 60 e recordo bem do desgosto com que o meu pai falava do assunto em casa.

Na tertúlia diária da Pastelaria Gomes, curiosamente a escassos metros da (então) loja do sr. Morais, o meu pai contou um dia o seu problema a um grupo de amigos. Desse cenáculo fazia parte o comandante da PSP de Vila Real, que logo se prontificou a ajudar: "Não se preocupe. O meu amigo vem comigo ao Morais e o assunto resolve-se já". E lá partiram, o meu pai e o comandante da PSP, rumo ao encadernador. 

A cena que se segue é edificante e bem reveladora dos tempos de então:

- Ó Morais, então o meu amigo não quer acabar a obra que começou?

- Sabe, senhor comandante, já me deixei desses trabalhos mais pesados. Agora estou mais nas revistas e nas encadernações simples.

- Essa agora! Ao iniciar uma obra, um profissional compromete-se a acabá-la. Isso é uma falta grave, ó Morais. Olhe que pode vir a ter problemas...

E, perante o espanto (e o deliciado constrangimento) do meu pai, e graças a este método de (pouco subliminar) convicção, o Morais lá acedeu a acabar o trabalho. Dizia-me o meu pai que ele acabou por se vingar... no preço. Mas o "malho" ficou completo.

* E na pag. 422 do VI volume, lá está a definição de "malho" como"coisa certa, infalível".

sábado, dezembro 18, 2010

Duhamel

Alain e Patrice Duhamel são duas figuras de relevo do mundo audiovisual francês. Com um percurso na rádio, na televisão e no jornalismo que não esteve isento de polémicas, algumas bem fortes, estes dois irmãos simbolizam, de certo modo, um estilo de jornalismo que não pode ser indiferente a quem se interessa pela vida francesa.

Há dias, saiu um livro em que os dois Duhamel são entrevistados no Renaud Revel. Embora, por vezes, entrando num detalhe de "name dropping" um tanto complexo para um leitor fora do meio ou que por França não viveu nas últimas décadas, essas conversas são um percurso fascinante pelo mundo das relações entre os políticos e o jornalismo, desde os tempos de Giscard d'Estaing até à atualidade, com referências muito curiosas a diversos momentos anteriores. Um livro muito útil.

sábado, dezembro 04, 2010

Amaro da Costa

Adelino Amaro da Costa morreu há precisamente 30 anos, em 4 de dezembro de 1980, na queda do mesmo avião que vitimou o então primeiro ministro, Francisco Sá Carneiro.

Era ministro da Defesa do governo da Aliança Democrática e era considerado uma das mais brilhantes figuras da sua geração política. "Número dois" do Centro Democrático Social (CDS), era tido como o grande estratega da área conservadora portuguesa de então.

Foi agora publicada uma sua biografia, assinada pela sua irmã, Maria do Rosário Carneiro, e pela jornalista Célia Pedroso. Nela são acolhidos depoimentos de pessoas que privaram com Amaro da Costa, que o acompanharam desde os seus tempos de especialista em matéria de educação e de militante de grupos católicos até à sua ascensão ao poder político, passando pela difícil aventura que foi a implantação do CDS, no período posterior ao 25 de abril.

Não é uma biografia com a riqueza da que desenhou o percurso, pessoal e político, de Sá Carneiro, de que já falei aqui. Mas é um livro interessante - e até complementar do anterior - que ganha em ser lido no cruzamento com alguns outros testemunhos da época.

Na tese de quantos acham que o desastre de Camarate foi um atentado e não um acidente há uma quase certeza: o alvo seria Adelino Amaro da Costa e não Sá Carneiro, que apenas tomou a decisão de viajar no fatal avião muito pouco tempo antes. De acordo com essa leitura, o ministro da Defesa poderia estar a tocar em matérias sensíveis - desde a venda de armas a recursos financeiros confidenciais - que poderiam pôr em causa alguns importantes interesses. Será isso verdade? O livro fala do tema, mas não nos traz dados novos sobre o tema.

Pena é que a imagem de Portugal tenha ficado manchada pelo facto de nunca se ter conseguido provar, de forma incontroversa, as razões da morte de dois dos mais proeminentes políticos dessa época, bem como de seus familiares e outras pessoas. Entre os quais, aproveito para notá-lo, uma pessoa por quem tinha grande estima, António Patrício Gouveia.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...