Creio que foi em 1996, em Estrasburgo, que o Álvaro Guerra me brindou com este “La Corrida du 1er Mai”, de Jean Cocteau, primeira edição, de 1957.
A oferta tem uma história. O Álvaro, como bom vilafranquense, era um grande apreciador de touros e da tauromaquia. Eu, pelo contrário, era e sou um opositor das corridas de touros.
Durante os extraordinários jantares (digo bem, extraordinários, pelo requinte e sofisticação que a Helena colocava nesses ágapes) que o casal Guerra me oferecia na sua residência em Estrasburgo, onde ele era embaixador junto do Conselho da Europa, durante os anos em que dirigi as delegações às reuniões ministeriais da organização, tínhamos constantes mas sempre amigáveis discussões sobre a “legitimidade” das festas de touros no mundo contemporâneo.
O Álvaro desfiava-me então, para além de gente de esquerda, nomes e nomes de pessoas de grande qualidade intelectual, que adoravam espetáculos de touros - de Hemingway a Mailer, a Georges Bataille e a tantos outros. Numa dessas noites, deu-me esta obra admirativa da corrida, escrita por alguém que era um génio que ele sabia que eu apreciava - Jean Cocteau.
Não me convenceu, claro, e eu desafiei-o: “Escreva aí no livro uma dedicatória, para ficar bem registado o seu esforço em fazer-me mudar de convicções”. O Álvaro recusou: “Desculpe, mas não faço isso. Só assino livros meus, nunca livros que ofereço”. E fazia bem. Por isso, neste livro, comprado por ele num “bouquiniste” alsaciano, não consta o seu nome.
Ao encontrá-lo, há pouco, no dia em que, em Portugal, foi anunciada a lei que sobe a idade com que se pode assistir a uma corrida de touros, num óbvio “cerco” progressivo àquele espetáculo, lembrei-me de que este não seria um dia muito feliz para o Álvaro Guerra, um excelente amigo, jornalista e escritor que a vida fez diplomata. Mas isso que importa, se ele já se foi desta vida, há quase 20 anos?
3 comentários:
Eu comecei a ir aos touros com 10 anos de idade. Para poder entrar levava a Cédula de uma amiga 3 anos mais velha. Gostava muito da arte dos cavalos e dos cavaleiros claro.
O que devia ser proibido eram os centros comerciais, ruidosos, malcheirosos, claustrofóbicos responsáveis pela desertificação das cidades e do fim do comércio tradicional, criadores de trabalho sem condições e horários indignos.
Dulce:
As 2 ideias nao sao mutuamente exclusivas
maitemachado59
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