No tempo do fascismo, dizia-se: “Com a Pide não se brinca!”. A Pide espiava, perseguia, prendia, torturava e matava. Ser “da Pide” - agente ou informador - era sinónimo supremo de indignidade.
Sempre tive para mim que ser colaborador anónimo da polícia política do fascismo era bastante pior do que ser seu agente. Este último, ao ter essa profissão, assumia, pelo menos, a coragem de ter o seu nome escrito no “Diário do Governo”. Na minha terra, em Vila Real, as três famílias onde havia pessoas que eram agentes da Pide tiveram de viver com essa nódoa social.
Ser “informador” da Pide foi sempre, na minha perspetiva, o grau mais mais baixo da canalhice a que se pode chegar. Ser pago, ou fazê-lo pro bono, por zelo sectário ou por ódio, para informar, sob anonimato, a propósito de um amigo ou um conhecido, dando à Pide dados que permitiam incriminá-lo por atitudes ou atos de combate à ditadura, era o cúmulo da miséria. Ingressar em grupos políticos que combatiam o fascismo para, do seu interior, ajudar a perseguir e a prender quem se opunha a um regime criminoso era o mais baixo a que se podia descer na escala da indignidade cívica.
Nas últimas horas da sua existência, na rua António Maria Cardoso, no dia 25 de abril de 1974, beneficiando de um atraso no seu desmantelamento, que hoje tem nomes responsáveis que a História acolheu mas não puniu, a Pide destruiu arquivos que permitiriam identificar os verdadeiros nomes por detrás dos pseudónimos dessa matilha de informadores. Muitos escaparam impunes. Outros, felizmente, não. O objetivo não era prendê-los, mas apenas deixá-los como exemplos negativos à sociedade cuja libertação tinham procurado evitar.
Este texto surge a propósito de um caso que tem vindo a provocar uma forte polémica, nos últimos dias. António Valdemar, um nome prestigiado da nossa imprensa, denunciou, nas páginas do “Expresso”, que Pedro da Silveira, um conhecido intelectual açoreano, há muito já falecido, havia sido informador da Pide. Dos arquivos da polícia política constam, de facto, relatórios assinados com esse nome. Mas não era vulgar, era mesmo muito raro, alguém assinar esse tipo de denúncias infamantes com o seu verdadeiro nome. Só este facto deveria levar qualquer investigador a ter o maior cuidado.
Ora sabe-se que os textos que surgem, nos arquivos da Pide, assinados com esse nome são, afinal, da autoria de uma pessoa com outro nome verdadeiro, já há muito identificada. Esse “Pedro da Silveira” seria, assim, apenas um pseudónimo dessa outra figura. O verdadeiro Pedro da Silveira nada teria a ver com o assunto, pelo que acusá-lo de ser informador da Pide configura um ato da maior gravidade, uma imensa infâmia.
Aguarda-se, assim, uma rápida retratação de António Valdemar e do “Expresso”, para encerrar, com a possível honra para todas as partes, este triste episódio. É que se “com a Pide não se brinca!”, com o bom nome das pessoas perante essa associação de malfeitores também não.
(Em tempo: António Valdemar e o “Expresso” já se retrataram. Ainda bem!)
6 comentários:
acusá-lo de informador da Pide é um ato da maior gravidade, é uma imensa infâmia
Bem, acusar um homem que já morreu há 20 anos não é propriamente uma coisa assim tão grave.
Manchar a memória e a honra de um morto é mais grave do que tentar fazê-lo a um vivo, porque um morto não se pode defender!
Li a chamada "retratactação" de António Valdemar no Expresso online de hoje. É ambígua e manhosa. Assume o erro e pede desculpa, mas ao mesmo tempo tenta sacudir a água do capote. Culpa um professor que lhe passou a informação inicial, que ele não verificou depois devidamente. Não acha “categóricos” os dados divulgados pelos estudos de Heloísa Paulo e Viviane Souza Lima, que antecipadamente o desmentiam, mas que ele desconhecia. Diz que se calhar caiu numa “armadilha”! E ainda tenta uma saída por cima, ufanando-se de ter descoberto um processo da PIDE que nenhum investigador terá ainda consultado e que contém dados realmente “indubitáveis” sobre o caso (mas não os revela!).
O facto é que pareceu a Valdemar tão saborosa e sensacional a história de o Pedro da Silveira da Seara Nova ter sido informador da PIDE – facto que parecia vir flagrantemente ao encontro do que ele pretendia demonstrar sobre as divergências, guerrilhas e quezílias internas da revista – que se desleixou, de modo inaceitável num jornalista com tão longa experiência, na tarefa elementar de verificar os dados chocantes que divulgou.
Ainda bem que temos o Luís Lavoura, quando nos estamos a esquecer de alguns dos seus comentários ele aparece com toda a sua pujança!
Conheci bem o Pedro da Silveira na Biblioteca Nacional nos anos 1980-1990, razão por que esta história do António Valdemar me pareceu inacreditável desde o momento em que a li no Expresso.
Uma das características por mim mais apreciadas no Pedro da Silveira era a sua língua afiada, que conjugava com uma postura de gentleman de outra época. Se ele ainda fosse vivo, o Sr. Valdemar não teria certamente publicado o que publicou, mas, se se tivesse atrevido a fazê-lo, teria levado uma trepa que ficaria certamente para a história da literatura portuguesa.
Antonio Barata:
Absolutamente de acordo!
maitemachado59
Sem dúvida, J. Barreto, manchar a memória de um morto é pior do que caluniar um vivo. E depois, imagino que Pedro da Silveira ainda terá familiares vivos que não apreciarão de todo este vexame.
Considero igualmente que a retratação de Valdemar foi ambígua e feita a contragosto. Poderia ter assumido a falha sem peias, mas isso implicaria assumir um erro de palmatória, porque a primeira coisa que deveria ter verificado era se o nome era verdadeiro ou se constituía um pseudónimo do verdadeiro bufo, como é o caso, e é habitual em operações que envolvem informadores infiltrados. Ninguém gosta de admitir que foi francamente estúpido.
Agora, do Luís Lavoura, não se podia esperar outra coisa senão uma bojarda deste calibre...
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