Ontem, a comunicação social falou muito de Kongsberg. Um desvairado, naquela cidade da Noruega, matou e feriu bastante gente, usando um arco e flechas (!!!).
Kongsberg é um terra muito agradável, a umas dezenas de quilómetros de Oslo. Tenho por lá um amigo, Johan Jarnaes. Foi professor de Português na universidade de Oslo e, nos anos 70 do outro século, havia sido contratado pelo embaixador Fernando Reino para ser tradutor na nossa embaixada.
Um dia, ao tempo em que eu também trabalhava na nossa embaixada em Oslo, com ele e com a sua mulher, de nacionalidade checa, que havia abandonado a Checoslováquia depois da invasão de Praga pelas tropas soviéticas, em 1968, passámos um calmo fim de semana em Kongsberg.
Durante esse período, aprendi que a minha vocação não era, decididamente, apanhar cogumelos pelos campos, atividade a que se dedicava toda aquela família, filhos incluídos, que tão amavelmente nos acolhia. Fazia-o com um fervor que não consegui partilhar.
O português da Johan Jarnaes tinha várias limitações, perfeitamente naturais em quem nunca tinha tido oportunidade de viver em Portugal, para exercitá-lo. Semanas antes da minha chegada a Oslo, o modo como traduzira uma palavra, com que um membro do governo trabalhista qualificara politicamente o então primeiro ministro Francisco Sá Carneiro, quase que criou um incidente diplomático: a palavra usada, que já não recordo, tinha em português um significado bem mais duro do que em norueguês. E esse sentido era muito difícil de traduzir.
Na conversa desse fim de semana em Kongsberg, Johan Jarnaes quis aproveitar para resolver um “mistério” que há muito tinha com a nossa língua, relativo ao modo como referimos as localidades. Dizia-se “em Castelo Branco” ou “no Castelo Branco”? Expliquei-lhe, com vários exemplos, que não havia a menor regra fixa, que cada caso era um caso.
Como forma de sublinhar ainda mais essa arbitrariedade, dei-lhe também um outro exemplo que me ocorreu. No caso da localidade de Vidago, perto da minha terra, quem não é da região diz “em Vidago”, quem é das redondezas diz “no Vidago”.
Johan Jarnaes ficou a matutar uns segundos. E, recordo-me como se fosse hoje - e já lá vão mais de 40 anos! -, disse-me: “Kongsberg então é como Vidago. Para ‘em Kongsberg’, tanto se pode dizer ‘på Kongsberg’ como ‘i Kongsberg’ “.
Imagino que nem a malta de Vidago sabe disto!
Espero que o meu amigo Johan Jarnaes e a sua simpática família nada tenham sofrido com a loucura do Guilherme Tell do mal que ontem saiu em rifa à sua cidade.
5 comentários:
Não resisto a dar uma "frechada" aos anti-AO90 e dizer que, ao contrário do Guilherme Tell, esta besta não usou besta.
...Porque nunca ninguém disse "Esta bèsta não usou bêsta" :)
Quem diria que o Guilherme Tell voltaria!!! "Never say never"! Hoje em dia já tudo pode acontecer.
Um Robin dos Bosques terrorista não ocorreria aos mais lúcidos responsáveis noruegueses, mas neste mundo surreal a realidade parece ultrapassar a ficção!
Ainda ontem, à volta de umas Alma de Madrid, comentava com familiares algo perplexos que se diz ‘Alma de Lisboa’ e ‘Alma do Porto’, mas não ‘Alma da Lisboa’ e ‘Alma de Porto’.
Quem gostar de caminhar fora do rebanho, talvez queira reparar na pouca atenção que a comunicação social está a dar a este caso. Terá isto a ver com o facto de o terrorista ser mais um muçulmano "radicalizado"? E de este atentado não dar nenhum jeito àqueles que ainda há pouco tempo, andaram a manipular textos de relatórios e a construir notícias enganadoras para nos convencer de que a Europa vivia sob o perigo do terrorismo de extrema direita (que já era mais e pior do que o islâmico)?
E, já repararam na quantidade de vezes que as notícias falam do Brevik (o "terrorista cristão" segundo a Wikipedia), em jeito de introdução a este atentado... islâmico?
Pois é... depois, digam que não há bruxas.
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