Faço parte de uma geração diplomática para quem os interesses da indústria têxtil portuguesa estiveram sempre na primeira linha das preocupações profissionais. Passei horas, dias, anos a tentar explicar a ouvidos estrangeiros que, por detrás da invejada capacidade competitiva dos nossos têxteis, havia vidas, gente, empregos. Era difícil fazer entender aos nossos interlocutores o que era a tragédia social que se anunciava no Vale do Ave, se o nosso têxtil tivesse dificuldades em ser exportado. Vivi isso, anos seguidos, na União Europeia, no auge de uma globalização que se procurou fazer muito à nossa custa. Mas já me tinha acontecido antes.
As minhas angústias com o têxtil português tinham começado na Noruega, quando fui, como primeiro posto, para a nossa embaixada em Oslo, no final dos anos 70. Ambos os países eram então membros da EFTA. Nesse contexto, Portugal tinha-se obrigado a “auto-limitar”, dentro de rígidos limites quantitativos, aquilo que, em matéria têxtil, exportava para a Noruega. Foi a saga dos BRE, os Boletins de Registo de Exportação, uma espécie de autorização “rara“ que os nossos produtores disputavam junto do Instituto dos Têxteis: quem não obtivesse BRE não exportava e, ano após ano, era-nos exigido que emitíssemos menos, em mais posições pautais.
Numa tarde desses anos, passei pela montra de uma loja de Oslo. Estava à venda uma belíssima camisola tradicional norueguesa, bege, com desenhos em tons de castanho. Era muito cara. “Ficava-te lindamente!”, disse-me a minha mulher. “Não compro têxteis a esta gente! Era só o que faltava! É uma questão de princípio!” E continuámos a passear, pela neve.
Semanas depois, no dia do meu aniversário, acordei com a camisola embrulhada, como presente. Fiz de conta que me zanguei.
Há dias, na minha terra, em Vila Real, abri uma gaveta e lá estava ela. A bela camisola norueguesa! Ainda gosto dela, mais de quatro décadas depois. Mas olho-a como uma eterna traição ao têxtil português.
2 comentários:
‘Herdei’ uma do meu pai que gentilmente ma ofereceu quando me mudei para latitudes mais frescas. Gosto muito dela. São camisolas de mais de uma vida.
Portugal tinha-se obrigado a “auto-limitar”, dentro de rígidos limites quantitativos, aquilo que, em matéria têxtil, exportava para a Noruega
Que curioso, não fazia a mínima ideia que tais "auto-limitações" já tivessem existido no passado. Julgava que tivessem sido uma recente invenção dos EUA na sua luta comercial contra a China.
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