Hoje, nesta magnífica e majestosa cidade do México, Lopes Obrador tomará posse do cargo de presidente da República. É a vitória de um político persistente, num país farto de escândalos, que lhe deu um inédito voto de esperança. É essa a solução para o México, um país “tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”, como um dia alguém disse? Não sei, ninguém sabe. É contudo um tempo bem diferente de todas aquelas décadas em que o enquistado Partido Revolucionário Institucional (PRI) dava cartas e era dono do baralho da política mexicana, às vezes com consequências bem nefastas.
Ontem, aqui na cidade do México, tentei contactar um amigo mexicano, antigo diplomata, com quem já não falava há uns anos. Tinha sido ele quem, há quatro décadas, me havia ensinado a frase ácida sobre a vizinhança americana, em conversas nas longas noites da nossa comum estada na Noruega. Fora com ele que eu pensara, pela primeira vez, a realidade mexicana, este povo magnífico, com uma cultura soberba, mas com uma afirmação internacional ainda não à altura do que lhe é devido.
Nicolas - era esse o seu nome - era um homem abertamente de esquerda e dizia-o, alto e bom som. A acrimónia contra os “yankees” era a sua palavra de ordem. Recusava-se a tomar Coca-Cola, essas “águas sucias del imperialismo”, como a qualificava. E criticava então, abertamente, o governo do seu país, o que não deixava de escandalizar os seus amigos, que, com gosto, eu me tornara.
(Por essa época, embora pensando politicamente bastante como ele, eu havia decidido que, como diplomata, não era correto exteriorizar a atitude de íntima oposição que também mantinha face ao governo português de então - o executivo da AD, chefiado por Sá Carneiro, governo que eu detestava. Guardei essa atitude de princípio por quatro décadas, durante as quais nunca nenhum estrangeiro me ouviu uma qualquer palavra contra o governo do meu país, fosse ele qual fosse. E, às vezes, a minha indignação foi muita e, acho, bem justificada. No dia em que me aposentei, essa minha obrigação de silêncio acabou, claro.)
Ontem, procurei o Nicolas. Sabia que continuara a ser um homem de esquerda, o que não fora indiferente para o curso da carreira que tivera, pelo que achava graça encontrarmo-nos, agora para ouvir dele o que pensava sobre a solução Obrador. Sabia como podia contactá-lo, mas não consegui. Constatei que o Nicolas havia morrido do início deste ano. Ainda antes da eleição de Obrador. É a vida, ou melhor (ou pior), é a morte.
2 comentários:
O Francisco está a ver morrer todos os seus antigos conhecidos. Este blogue está a ficar um desfiar de mortes.
Faz muito bem o Sr. Embaixador em recordar os seus amigos já desaparecidos, pois quem nos marcou merece ser evocado sempre que oportuno, chama-se a isto memória.
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