Não foi há muito tempo. Ouvir falar da China, nas instituições europeias, era escutar um discurso basicamente economicista, feito de ambições por um imenso mercado de consumo emergente, embora ainda com fortes dúvidas sobre o cumprimento pelo país dos requisitos de uma economia de mercado, em especial pelas regulares acusações de “dumping” e pela utilização de vários outros mecanismos não pautais de distorção das regras de comércio. Um dia, porém, essas reticências diluíram-se, no saldo positivo do deve-e-haver tradicional. Claro que havia a “conversa” sobre os Direitos Humanos, em especial sobre o Tibete, mas esse foi sempre um mantra politicamente correto, nunca um obstáculo decisivo aos negócios ou à sua perspetiva.
Por muito tempo, a Europa, num implícito reconhecimento da sua fragilidade, delegou nos Estados Unidos o papel de interlocutor geopolítico do ocidente com Pequim. Na realidade, havia sido Washington que trouxera a China de Mao para o palco do Conselho de Segurança da ONU, em detrimento do seu regime protegido de Taipé. Na altura, os americanos, pela mão de Nixon e Kissinger, haviam operado por básica “realpolitik”, tentando também por essa via agravar o cisma sino-soviético. Além disso, ao se preocuparem, embora com variável atenção, com a segurança de alguns Estados da região, os EUA assumiam o seu papel de tutores de uma espécie de “linha da frente” de economias asiáticas de mercado, capaz de ajudar a conter eventuais ambições expansionistas da China.
Contrariamente aos seus homólogos europeus, os “ think tanks” americanos cedo haviam mostrado uma atenção preocupada com a China. O 11 de setembro apenas atenuou essas linhas de estudo, pouco ideológicas e muito pragmáticas, que então trabalhavam sobre a emergência do perigo chinês. A dependência financeira americana face à China, embora fosse um “pau de dois bicos” que Pequim teria sempre dificuldade em usar como arma retaliatória, revelava um potencial que nunca sossegou Washington. Acrescia que a China, desejosa de ter a garantia da liberdade dos mares (essencial para uma potência comercial e um ávido importador de energia), dava crescentes mostras de querer reforçar o seu poder naval. Os últimos tempos de Obama e reflexões preparatórias da frustrada administração de Clinton revelam que a China não assustou apenas Trump.
Só a Europa não viu a China chegar. E, no entanto, foi Napoleão quem um dia disse: “Quando a China acordar, o mundo tremerá”. Já está a tremer.
12 comentários:
Não pude evitar de sorrir ao ler o excelente texto, como sempre, do Senhor Embaixador, sobre a China, particularmente da frase : » e pela utilização de vários outros mecanismos não pautais de distorção das regras de comércio.”
Claro que conhecendo a historia das nossas relações comerciais com a China, pensei na história das guerras do ópio, inglesa e francesa, do XIX° século, contra a dinastia Qing, que se opunha à comercialização do ópio no seu território, pelos ocidentais.
Estas guerras do ópio são o momento fascinante do encontro entre dois mundos, a Inglaterra e a China que se considerava como o centro da civilização. O Império do Meio...do Mundo.
Se me permite, Senhor Embaixador, tive o privilégio de dirigir , em 1964, em Pequim, o stand da Saint Gobain Pont-Mousson, aquando da Primeira exposição Industrial Francesa de Pequim, acordada entre Mao et De Gaulle, após o reconhecimento oficial do Governo Comunista Chinês pela França, num acto de desafio de de Gaulle contra a política estrangeira dos EUA , que tinham , eles, antes apoiado Chiang Kai-Shek contra Mao durante a guerra civil. Nixon e Kissinger vão fazer a mesma coisa mais tarde, finalmente, como o Senhor bem sabe.
Passei um mês e meio em Pequim. Discuti muitas vezes com os meus intérpretes sobre esta parte humilhante da história da China.
Primeiro porque os seus 400 milhões de habitantes foram humilhados por 4 000 soldados europeus, por uma causa miserável : a da livre troca, que se servia da corrupção e da droga que minavam a China, para forçar as suas portas. Humilhação dupla pela injustiça que isso constituia.
Admiro a maneira como os Chineses conseguiram pôr de lado o passado para se voltar para o futuro, que lhes traz uma vingança extraordinária.
O Tratado de Nankin, humilhante, desigual, explica muitas coisas na atitude da China em relação aos ocidentais. Mas são pragmáticos, o que prova a sua inteligência.
Em relação à famosa frase do fim do texto, Senhor Embaixador, estava convencido que era de Alain Peyrefitte, que a utilizou para o seu livro, precisamente. Mas talvez tenha sido Napoleão.
O mundo está a tremer, Francisco? Como assim?! A imensa maior parte do mundo acolhe a China de braços abertos e não treme de forma nenhuma. O Francisco está a confundir o mundo com os estrategas da política imperial dos EUA...
Entre entregar a economia portuguesa aos chineses ou aos espanhóis, sempre prefiro os chineses. Pelo menos, têm uma comida decente e não parece que tenham planos de nos mudar a língua e os hábitos.
Mas é normal que os amigos da Espanha se preocupem com as menores possibilidades de "integração". E até é normal que as mesmas pessoas que se preocupam com os direitos humanos na China façam de conta que não há presos políticos em Espanha, que não há gente em greve de fome em Espanha, que não há fascistas assumidos a ganharem importância em Espanha, que não há atropelos à democracia em Espanha, que não há censuras internacionais à Espanha... Enfim, porque razão havemos de falar da Catalunha se podemos falar do Tibete?!
E cá vieram aos Saldos?
Que negócios e parcerias foram assinados?
Quando a China despertar ( lido na língua original ) ... um excelente livro de Jean d’ Ormesson !
Excelente obra do autor , escrito há cerca de 30 anos ( ou mais ? )
Quando a China despertar ( lido na língua original ) ... um excelente livro de Jean d’ Ormesson !
Excelente obra do autor , escrito há cerca de 30 anos ( ou mais ? )
Então por aqui, não se anuncia apresentação de livros ????
Nem "historietas" do governador????
O Napoleão era um visionario.
O Chou en Lai também, quando questionado sobre o impacto da Revolução Francesa na Historia da Humanidade, afirmou: " Ainda é muito cedo para tirar conclusões!"
Alain Peyrefitte, ministro de De Gaulle, quando escreveu o livro "Dans trente ans la Chine..." também era visionario...
O problema é que os politicos contemporaneos europeus é que são uns grandessissimos morcões!
Entre Espanha e a China, sempre prefiro o vizinho espanhol. Melhor comida, bom vinho, bom azeite (uma boa parte vem daqui), gente que tem uma maneira de pensar parecida com a nossa, etc. Embora não seja anti-chinês. Nada disso. E também têm mulheres bonitas, por terras do Sol Nascente. E comida aceitável. Mas, quer um, quer outro, se lhe dermos uma mão, comem-nos o braço. Espanha a bocanhou a Banca, a RPC ficou (para já) com a Electricidade. E assim vai indo este país à beira mal plantado, vendendo a retalho os seus anéis. Já deixámos de escrever português escorreito (via A.O) - que nenhum outro Estado da CPLP respeita, basta ler os principais jornais do Brasil, mas também em Angola, Moçambique, etc - e se nos pusermos a jeito sabe-se lá que língua falaremos no futuro!
Mas, desde que os negócios não ponham em causa a nossa razoável soberania, sejam bem-vindos.
Digamos que com gente como o "5 de dezembro de 2018 às 17:22", cuja boca tanto se adocica com o que vem do lado de lá da fronteira, nós sabemos - mesmo -, que língua vamos falar no futuro. Ele que não se preocupa com o AO, portanto...
Às 14,47 , por engano , escrevi que o livro : quando a China despertar , tinha sido escrito pelo grande Jean d’ Ormesson ... peço desculpa pelo engano , fui rever os meus livros para voltar a ler essa obra e constatei que me tinha enganado : foi escrito por outro grande da literatura francesa Alain Peyrefitte ...
Vai valer a pena relê-lo , tenho a certeza .
Cumprimentos
Aqui mesmo em Portugal:
"Juízes, guardas prisionais, ferroviários, estivadores, enfermeiros, médicos, professores.
Creio que é tempo de começarmos a valorizar os nossos deputados.
São dos poucos que ainda não fizeram greve…"
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