sexta-feira, junho 22, 2018

Sorrisos a mais


No início de 2000, o líder conservador austríaco, vencedor das eleições no seu país, decidiu fazer uma coligação com um partido de extrema-direita, cujos responsáveis haviam dado mostra pública de simpatias pelo nazismo. A Europa comunitária reagiu, em polvorosa, e Portugal, enquanto presidência da União Europeia, teve de gerir aquele que foi um período muito delicado da vida europeia. A Áustria foi alvo de “sanções” e o assunto acabou por vir a originar a inserção de disposições no novo tratado europeu então em curso de negociação, contemplando a possibilidade de um Estado poder vir a ser suspenso de membro, em determinadas condições. Noto, para se perceber o que mais adiante refiro, que aí se fala de “um” Estado, pressupondo-se que os restantes se mantêm no completo respeito pelo acervo legislativo relevante.

Lembro-me bem de que, à época, alguns se interrogaram: mas então os cidadãos de um país não podem eleger para os governar quem muito bem entendam, independentemente da sua ideologia? Sim e não. Sim, porque cada país é plenamente livre de escolher os seus deputados e, a partir deles, formar governos. Não, porque, ao entrarem para a União Europeia, subscrevendo os seus tratados, os Estados que dela são membros comprometem-se a observar um conjunto de princípios e valores. E, da mesma maneira que isso inclui o respeito pela democracia, pelas liberdades, pelo Estado de direito e pela separação de poderes, o traumatismo da II Guerra mundial faz com que haja uma particular sensibilidade negativa a tudo quanto se aparente ao nazi-fascismo.

Ora, nos últimos anos, alguns Estados europeus têm vindo a atuar de um modo que, claramente, justificaria a invocação e aplicação das tais regras que os tratados contemplam. O procedimento é, como se compreende, complexo. O que se compreende menos é que esses Estados, não obstante os alarmes desencadeados, persistam nas mesmas políticas. E aqui, retomo a referência a “um” Estado, que atrás fiz: é que, para punir um desses Estados infratores é necessária a unanimidade dos restantes e, entre esses, estão já... outros infratores. A Europa atou as suas próprias mãos.

Como sair disto? Pelo mesmo modo político como, em 2000, se fez com a Áustria. Perante um governo italiano que anuncia um recenseamento étnico e, de forma ostensiva, desrespeita regras de direito humanitário básico, torna-se vergonhoso que os Estados europeus cumpridores se sentem à mesma mesa, sem protesto público, mantendo os sorrisos nas “fotos de família”. 

3 comentários:

Augie Cardoso, Plymouth, Conn. disse...

A vida e uma meta andante.
A constante.e que colectivismos ou ditaduras partidarias como existe na Europa e outros, elitistas que deixam o populous de fora, da desastre ou revolucao.

Anónimo disse...

"... Não, porque, ao entrarem para a União Europeia, subscrevendo os seus tratados, os Estados que dela são membros comprometem-se a ..."
...
O problema, todos sabemos, será o definir como minimamente democrático o processo, do "entrarem" e, não menos importante, continuarem numa, nesta, UE tipo "Hotel Califórnia"....

Mas há quem goste de esta UE.

https://www.zerohedge.com/news/2018-06-21/germany-has-made-over-3-billion-profit-greeces-crisis-2010

Reaça disse...

Quando se é eleito democraticamente, temos que o respeitar, mesmo que seja como um bruno-de-carvalho.

Nem os jornalista se atrevem a olha-los de frente.

Os amigos de Delors

Hoje, na sessão de apresentação de um seu livro, em que revisita as quase quatro décadas da nossa integração europeia, em cuja primeira linh...