A Macedónia é o nome de uma província do norte da Grécia. A Macedónia era também o nome de uma das Repúblicas da ex-Jugoslávia. Quanto este último país se cindiu em vários Estados, a República da Macedónia tentou ser "crismada" por esse nome junto da comunidade internacional, que havia aceitado como bons os nomes de todas as restantes Repúblicas ex-jugoslavas. A Grécia, contudo, por temer que a nova República mantivesse o que se sabia serem históricas ambições sobre a sua homónima província do norte, não permitiu que o novo país se chamasse República da Macedónia. Por isso, esse país que tem Skopje por capital apenas conseguiu registar-se sob o nome de "Antiga República Jugoslava da Macedónia" ou, em inglês, "Fyrom". Até hoje, Skopje e Atenas mantêm as respetivas teimosias, embora as conversas entre ambos, com vista a "uma solução mutuamente aceitável" (como dizemos na diplomacia), ainda prossigam.
Um dia de 2002, em Viena, dei um almoço de trabalho na residência, durante a presidência portuguesa da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), que implicava a presença à mesa dos embaixadores de Skopje e de Atenas. Não obstante o conflito que dividia os dois países por virtude desta questão toponímica, recordo-me que havia alguma cordialidade entre eles, como é regra da profissão. (Como o meu amigo e colega grego vive hoje em Lisboa, vou, num destes dias, recordar-lhe a cena).
Na minha apresentação do convidado principal do repasto, que já me não recordo quem era, fiz uma referência aos presentes à mesa. Quando apresentei o "embaixador de Fyrom", o meu colega interrompeu-me e, agastado, disse:
- O meu país não se chama "Fyrom"! Chama-se "República da Macedónia"!
Eu não podia transigir um milímetro nesta matéria, sob pena de convocar a ira dos gregos, escudados naquilo que prevalecia na comunidade internacional.
- Peço desculpa se utilizei um acrónimo de que não gostas. Então, eu digo o nome completo, pelo qual o teu país é designado no seio da OSCE: Antiga República Jugoslava da Macedónia. Imagino que também possas não apreciar, mas tens de entender que eu não posso proceder de modo diferente.
O meu colega ficou com um "carão" e o almoço lá prosseguiu. Creio que sem mais incidentes.
À saída, o embaixador francês, deixou-se ficar para trás e disse-me:
- Que chatice aquilo da Macedónia! É uma "guerra" sem sentido. Ainda fiquei preocupado que a sobremesa pudesse trazer mais problemas.
- A sobremesa?!
- Sim, é que pensei que tivesses tido a ideia de servir uma "macedónia de frutas"...
Desde há muito que os franceses criaram uma salada de frutas, muito variada, a que dão o nome de "macedónia de frutas", para relembrar a salgalhada étnica daquele país. Imagino que não seja uma sobremesa muito apreciada em Skopje...
6 comentários:
Este blogue é extraordinário! Aprende-se muito! Eu ainda estava no ARYME e não no FYROM, que é, claro , a versão inglesa! Por isso não compreendia!
No ano passado , passei um dia em Olímpia , pela segunda vez. Passei um longo momento em frente do Philippéon, o mais antigo monumento , construído por Filipe II, após a batalha de Chéronée em 338, e, diz-se, terminado pelo seu filho, Alexandre o Grande.
No interior havia cinco estátuas:: Philippe, os seus pais, Amyntas et Eurydice, a esposa Olympias, e o filho, Alexandre.
Quando penso que os reis de Macedónia se consideravam como os antepassados de Heraclès e Hera, e que agora devem batalhar para que o nome do seu "reino" seja respeitado na UE, faz-me sorrir !
Faz falta um outro Alexandre para consolidar o, reino, porque com 25% de Albaneses nas suas fronteiras, duvido da perenidade do "reino"!
~ ~ ~
~~~~ Rsrsrsrsss...
Não fazia ideia da origem do termo 'macedónia',
que se refere à mistura de frutas ou legumes...
~~~~ Vivendo e aprendendo, caro FSC...
Um episódio diplomático deveras interessante...
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Pois durante a presidência portuguesa da CEE em 1992 cada vez que se discutia a Macedônia lá vinha no restaurante a sobremesa...a macedonia. Por sinal num Conselho de Ministros CPE o Samarras fez a melhor defesa que vi até agora da posição grega, que devia lias ser atendida.
Fernando Nreves
São histórias que enriquecem este blog e enriquecem o conhecimento de que o lê.
Obrigado,
Rui
Estive acreditado, durante 3 anos, como Embaixador não-residente em Skopje.
Não será difícil imaginar o equilibrismo semântico necessário.
Região muito interessante, de geografia humana extremamente fluida. Desloco-me com alguma regularidade à capital da Macedónia grega. Há que ter em atenção susceptibilidades múltiplas - não só em relação à outra Macedónia (só há uma Macedónia - a Grega! - o que aliás nos lembram logo no aeroporto, International Airport Makedonia), mas também em relação à vizinha do outro lado (café grego, nunca turco; loukoumi, nunca Turkish Delight; tzatziki, nunca cacik) As susceptibilidades para o lado desta última são ainda maiores, acho. Contaram-me há uns anos que alguns amigos e colegas ainda têm a chave da casa ancestral, agora no lado turco. Sempre achei a ideia comovente.
É uma zona belíssima, de grande calor humano e riqueza cultural. A minha alma gastronómica paira lá, tenho que dizer.
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