António Mota (1954-2025)
António Mota, que agora nos deixou, era um homem de emoções à flor da pele. Senti-lhe as lágrimas, ao telefone, quando um dia lhe confirmei a morte de Jorge Coelho. As mesmas lágrimas que às vezes lhe afloravam aos olhos, quando falava do seu pai. Sempre suspeitei que, na condução da empresa que conseguiu transformar na multinacional de prestígio que hoje é, ele sentiu sempre o peso da responsabilidade de dar sequência à genialidade do criador do grupo. Quem com ele convivia ouvia-o frequentemente citar frases ou ditos de Manuel António da Mota.
Tal como o seu pai, António Mota sabia ver antes. Ver as coisas antes dos outros, antecipar cenários, a consequência de decisões, é uma qualidade que só se apura com a inteligência e com a experiência, muitas vezes mais com aquilo que correu mal do que com os sucessos. António Mota tinha o sentido premonitório do risco, a par do prazer profissional de saber identificar e explorar oportunidades. Via antes dos outros, fosse na prudência ou na audácia. Quase sempre tinha a razão consigo.
António Mota nunca foi um homem frio na sua atitude como empresário. Pode parecer um cliché de estilo, mas senti que ele tratava a empresa como um prolongamento da sua família - e como ele gostava da família! Numa casa com dezenas de milhares de pessoas, via-se o genuíno gosto com que falava com os trabalhadores mais antigos, como sabia da vida de muitos, do seu percurso.
A lealdade era, para ele, a qualidade-chave do caráter. E ele praticava-a. Um dia, perante uma crise conjuntural de uma empresa estrangeira, que batia à porta da Mota-Engil a pedir cooperação técnica num tempo delicado, foi alertado para riscos que podiam decorrer desse gesto. Nunca esqueci a sua reação: "Há uns anos, escolheram-nos para colaborar com eles, quando não precisavam de o fazer. Era só o que faltava não os ajudarmos agora!"
Cruzei-me com António Mota em Angola, nos anos 80. Fomos-nos depois encontrando pelo mundo. Aproximou-nos sempre o Norte, o humor, a relação fácil, o gosto pela vida. Desse homem bom, sincero, com um extraordinário caráter, digo uma coisa simples: conhecer e ser amigo de António Mota foi um raro privilégio que tive na vida.

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