domingo, dezembro 06, 2015

Os izes


Ontem à noite, estive a assistir ao Marítimo-Sporting num café de uma pequena aldeia transmontana. Conheço muito bem aquele espaço desde a minha infância, passo por lá todos os anos, embora muito brevemente, e ainda me recordo dele quando aquela era a única loja comercial a alguns quilómetros de distância. Por ali se vendia um pouco de tudo, funcionando num misto de tasca e de mercearia, ambiente que era muito típico do Portugal rural.

Ao olhar os jovens donos que a loja hoje tem, lembrei-me de uma historieta que sempre ouvia na minha infância e que envolvia uma senhora que, nos anos 30 e 40 do século passado, foi proprietária dessa "venda".

Ao que se contava, as crianças da aldeia, quando agarravam uns escassos tostões, passavam por lá para comprar umas pequenas bolachas que reproduziam as diversas letras do alfabeto, uma novidade que tinha surgido na oferta da "venda". Os miúdos selecionavam, na lata das bolachas, as letras que lhes apeteciam. A dona da loja deu-se no entanto conta de que certas letras, porque mais pequenas em dimensão, iam ficando para trás e assim não eram escoadas. Um dia, a senhora, desagradada com a escolha dos miúdos, reagiu, com a linguagem e na sonoridade da aldeia, numa frase que faz parte da minha mais antiga memória:

- Isto não pode ser! Só lebaides os mezes e os nezes. Habeisde comer também os izes...

Alguém quer hoje comer os "izes"?

8 comentários:

Portugalredecouvertes disse...


Então os miúdos já tinham uma boa noção do índice e peso volumétricos das ditas bolachinhas :)

Maria disse...

Poucas Isabeis,Inacias, Ineses, Inacios, bem, acabaram-se-me os izes, a senhora tinha razao!!!

Bom domingos com bolachas FFFs e GGGGs.

F. Crabtree

Flor disse...

Lembro-me bem de uma Venda no concelho de Pampilhosa da Serra que eu adorava quando era criança e que ali encontrava doces e refrescos que "não haviam" em Lisboa, tais como o "Pirolito e a laranjada Buçaco". Em aldeias pequenas ainda existem algumas já com alguma modernidade que a meu ver retiram "o calor" os cheiros por exemplo do vinho misturado com bacalhau e os queijinhos secos de ovelha e de cabra que também serviam para fazer boca a um "copito de três".

Quanto às bolachas de letras se fosse hoje, a senhora aumentaria o preço dos "Izes" e faria uma promoção tipo Black Friday. É claro que só cairiam na esparrela os incautos endinheirados.

Tenha uma boa semana! :D


Francisco Tavares disse...

Deliciosa, esta história.

AV disse...

Estas pequenas lojas que muitas vezes tanto fazem pelas comunidades que servem. Ri-me com a história. Os garotos lá sabiam.

Duarte disse...

Talvez fossem da Paupério - fábrica de bolachas fundada em 1874, de Valongo
Duarte, Gaia

Anónimo disse...

São as chamadas sms da época. Agora também se "comem" muitas letras e ficam outras. parece que se entendem bem... Nada a gosto dos puristas e dos anti AO.
Uso uma regra que aprendi há cerca de 30 anos em que dispenso as vogais. Dá resultado.
Quanto aos izis, têm mesmo que se "comer" antes que as "outras" acabem...
antonio pa

Unknown disse...

Saborosa história.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...