sábado, dezembro 19, 2015

O palhaço triste

Ando a falar demasiado do MRPP, dizem-me alguns amigos, embora outros, pela certa, achem que nunca será demais referir esse marco marxista-leninista da vida política portuguesa que lhes alimentou os sonhos. Mas é verdade: tenho destacado por aqui o "emeérre", nos últimos tempos, com alguma frequência. Nunca por lá tendo andado, sinto uma ternura geracional por essas organizações que coloriram os dias e as paredes do Portugal revolucionário. A diverte-me analisar o percurso e o modo como gerem esse seu passado todos quantos abandonaram esse "farol da luta da classe operária". Deu-me, além disso, imenso gozo ler sobre as polémicas que recentemente atravessaram os resíduos daquele partido, cuja linha política tem hoje tanto de caricato como de bizarro.

Por anos, como é sabido, Arnaldo Matos foi a cara do MRPP. Depois, por tempos, pareceu desaparecido em inação. Aos poucos, contudo, deu-se o seu regresso à vida social de Lisboa. Engravatado a aperaltado preceito, com ar e barriga de bom burguês, mantendo apenas aquele bigode para o qual foi expressamente criada a palavra façanhudo, vi-o surgir na assistência de alguns colóquios e conferências em que participei, tendo sempre ao lado de Garcia Pereira, "líder" que lhe sucedera nas funções. Nunca lhe então ouvi uma única palavra e, constato agora, só me posso felicitar por isso. 

A razão porque hoje cito Arnaldo Matos é muito menos simpática. É que, por declarações recentes que fez, se atesta já o irreversível deperecimento intelectual da figura, único modo de ser possível desculpar as anormalidades - e meço as palavras - que disse, referindo-se aos atentados de Paris e aos respetivos autores. Se não vejam:

- "É o imperialismo a causa real, verdadeira e única do ataque a Paris. Agora os franceses já sabem que a guerra de rapina movida pelo imperialismo francês em África e no Oriente Médio tem como consequência inevitável a generalização da guerra à própria França, à capital desse mesmo imperialismo moribundo". 

- "Não só não foi um massacre, como foi um acto legítimo de guerra; não foi cometido por islamitas, mas por jiadistas, isto é, combatentes dos povos explorados e oprimidos pelo imperialismo, nomeadamente francês; e acima de tudo – coisa que estes revisionistas de pacotilha intentam ocultar – foi praticado por franceses, nascidos em França, vivendo em São Dinis e noutros bairros do Paris suburbano. Pois é, os combatentes de Paris não são islamitas estrangeiros; são irmãos de sangue do filósofo Alain Badiou e de outros ideólogos do Partido Comunista de França (marxista-leninista-maoista)".

- "a lógica profunda do ataque a Paris não é o terror, não é o horror, não é a crueldade; a lógica é a lógica da guerra, dente por dente, olho por olho, até derrotar o inimigo. Terror, horror, crueldade são os ataques aéreos, de mísseis de cruzeiro, de artilharia, de drones, conduzidos pelo imperialismo, designadamente francês, sobre os homens, os velhos, as mulheres e as crianças das aldeias e das cidades de África e do Médio Oriente, para roubar-lhes o petróleo e as matérias-primas. Os atacantes de Paris nem chocolates roubaram: levaram a guerra aos franceses, apenas para acordá-los: para lembrar-lhes que o governo e as forças armadas do imperialismo francês estão, em nome da França e dos franceses que julgam ter o direito de se poderem divertir impunemente no Bataclan, a matar, a massacrar, a aterrorizar com crueldade inenarrável os povos do mundo".

- "Os direitos do homem, os direitos humanos fundamentais são uma exigência do mercado capitalista, para poder explorar, sob uma cobertura jurídica, os operários. Os direitos humanos fundamentais são uma forma ideológica de dominação dos operários, porque respondem a uma necessidade do modelo económico hegemónico do capitalismo e tendem à reprodução desse modelo". 

Quando se chega a este estado de insanidade, o internamento em instituição psiquiátrica é o mínimo que se pode recomendar. Mas, em período natalício, talvez seja de aproveitar Arnaldo Matos para os circos de inverno que por aí andam, para renovar a classe dos palhaços. Neste caso, o palhaço triste. 

8 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem e reli com atençao redobrada

Unknown disse...

como nos cantores tambem na politica os senadores tipo pai da democracia e agora o fala barato A. Matos deviam ter, ou os amigos lhe deviam mostrar, que o prazo de validade das baboseiras que alimentaram na vida politica caducaram: ou são muiot brilhantes e sabem renovar ou o melhor é meterem a lingua para dentro e reduzirem-se a insignificancia. Aí deve estar a dificuldade: reduzirem-se a zero.

Anónimo disse...

Não era ele o "grande educador do povo Português" dos anos setenta, pós 25 de Abril?
ah ah ah ah aah aah

Mário Gouveia disse...

Sr embaixador. Leio faz tempo e com um prazer constante o seu blog. gosto do estilo, do modo como tantas vezes nos conduz aos meandros da diplomacia, à sua visão dos factos e sobretudo à sua fundamentação bem sedimentada. neste caso pese o muito panfletismo meio bacoco do Arnaldo de Matos, há uma frase que eu retive e que refere os bombardeamentos e os ataques ocidentais designadamente na Invasão do Iraque. Os misseis de cruzeiro existiram, os bombardeamentos arrasaram cidades e devoraram inocentes. e aqui parece não haver culpados, nem os chacinados tiveram imagens de primeira página. quem foram os terroristas de Bagdad? agradecido pela companhia quase diária

Retornado disse...

Li com atenção e já há muitos anos os retornados sabíamos sem conseguir explicar, que a Europa tinha que dar muitas explicações.

De outra maneira, diferente do discurso deste senhor Matos, eu ouvia há 40 anos que alguma coisa de mau ia sair na rifa à Europa.

Mas nunca tão mau, nem desta maneira horrível.

Um assunto interessante.

Mas nós aqui neste cantinho temos algumas auto-defesas.

Anónimo disse...

...E parece que o Grande Educador da Classe Operária, vai voltar, para ocupar o lugar de Garcia Pereira ,classificado como traidor por não ter ganho, um sequer deputado. Até parece que antes dele já o grande educador havia ganho algum. Quem ganhou um, foi o partido dos cães e o MRPP, puto. O Camarada GP foi embora e fez muito bem. Que venha agora este retomar o leme da coisa e por o Luta Popular, com tiragem diária. Isto é tudo muito engraçado! Têm, creio, uma sede para a Av do Brasil. Se calhar é no nº 53.

josé ricardo disse...

O texto de Arnaldo Matos serve também para reposicionar um certo registo discursivo dos amuados ex-paf, quando, insistentemente, se referem ao bloco de esquerda e ao PCP como partidos de extrema esquerda. Na verdade, estes partidos são tanto de extrema esquerda como o PP é de extrema direita, apesar dos vários e acomodatícios travestimentos dos PP's (cds-pp e Paulo Portas). Ou então, por outras palavras,o MRPP e o partido nacionalista são primos afastados de extremos opostos.
Enfim, é bom que estas pessoas possam arrostar as suas ideias, por mais esdrúxulas que sejam, pois é precisamente este um dos mais vinculativos ganhos da democracia.

Um abraço,
José Ricardo

aamgvieira disse...

Outro triste, neste caso "trista"....

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