quarta-feira, dezembro 09, 2015

Benn


Há mais de um ano, "deixei-o" morrer, aos 89 anos, sem aqui lhe deixar a  nota devida. A sua saída discreta de cena fez com que não desse o destaque que a figura de Tony Benn justificaria.

Tony Benn foi um proeminente político trabalhista britânico. Ocupou funções governamentais com Harold Wilson e James Callaghan, tendo, posteriormente, feito uma forte inflexão à esquerda, de que foi considerado um dos mais importantes ícones na política britânica das últimas décadas. Entre outras atitudes polémicas, esteve a favor da famosa greve dos mineiros, opôs-se à guerra das Falkland, apoiou o Sinn Féin na Irlanda do Norte e, até ao final da sua vida, converteu-se numa permanente dor de cabeça para as diversas lideranças trabalhistas. Ficou também famosa a sua luta por se manter na Câmara dos Comuns e recusar-se a ingressar, pela herança do título nobiliárquico do seu pai, na Câmara dos Lordes, o que obrigou a uma importante mudança legislativa. Ao todo, foi deputado por 47 anos e a sua voz, marcada por um falar "axim" que o notabilizou, era sempre escutada com grande respeito, não obstante o radicalismo das suas teses.

Benn deixou como herança literária uma coleção de uma dezena de "Diários", muito bem escritos e diz-se que factualmente irrepreensíveis, que hoje são um importante referencial para se conhecer a vida política britânica de mais de cinco décadas. Outros dos seus livros, mais programáticos e até panfletários, têm menor graça.

(Um dia, num almoço com Mário Soares, fiz uma referência a Tony Benn. Soares conhecia-o, embora o não apreciasse, e logo me disse: "Ele diz mal de mim no volume X desses Diários". Lá fui confirmar e era verdade. Benn, no seu esquerdismo, fora muito crítico do papel político de Mário Soares no período posterior à Revolução de 1974, embora o tema Portugal estivesse muito distante dos seus interesses regulares.)

Por que razão falo hoje aqui de Benn? Por uma curiosidade. Há semanas, dera conta que do "governo sombra" do novo líder trabalhista, Jeremy Corbyn, fazia parte, com a "pasta" de "shadow Foreign secretary", Hilary Benn. Nunca tinha ouvido falar nesse nome, nem percebi se era mulher ou homem, mas fiquei com curiosidade em saber se era parente de Tony Benn. Era filho.

Há dias, nos Comuns, Benn filho fez um discurso sobre a guerra da Síria. Opondo-se abertamente ao seu líder, a intervenção de Hilary Benn, que passou, de repente, a figura de destaque da política britânica, constituiu uma defesa muito forte do envolvimento britânico no conflito com o Estado Islâmico. Tenho a convicção de que Tony Benn não teria gostado das teses do discurso do seu filho, mas teria ficado orgulhoso com a magnífica qualidade do mesmo. A quem tiver uns minutos, aconselho fortemente a visualização dessa excelente peça de oratória, clicando aqui.

Este post leva uma imagem de Tony Benn. A seu tempo, e se o vier a justificar de novo, o seu filho Hilary será para aqui chamado no futuro.

11 comentários:

Anónimo disse...

Absolutamente de acordo: magnífico discurso e os Diários doe Tony Benn são muito interessantes.
João Vieira

Maria disse...

Ainda nao ouvi toda a intervencao mas vou ouvir hoje. Acredito que Tony Benn ficasse orgulhoso da oratoria do filho mas deve dar umas voltinhas inquieto com o conteudo. Ontem encontrei varios amigos no aniversario de uma amiga e agendamos provisoriamente um almoco num pequeno restaurante em Notting Hill onde o nosso amigo e outro que ja partiu estiveram num dia de verao numa mesa perto da do Tony Benn. E mais uma vez agendamos ida ao cemiterio de Highgate por uma rosa no tumulo de Karl Marx. Vai tardando, vai tardando e quando formos mais vale levar um ramo de rosas. Nestes tempos conturbados e bom comprar rosas e cravos vermelhos enquanto ca estamos e nos lembramos...

Bom dia com sol

F. Crabtree

Joaquim de Freitas disse...

Grande eloquência, sem dúvida! Aprecio os debates na Câmara dos Comuns, e sobretudo o respeito de "each other". A democracia é o menos mau sistema, como disse alguém; basta ler estes comentários :

"Jeremy Lee 2 days ago :

We are listening to the future leader of the labour party here. Eloquent and reasoned.


Pat R 17 hours ago :

The United nations? There has been 65 wars since NATO was set up by the labour government.
This guy is full of shit. The labour government and the Bush administration stood by and looked on when Saddam Hussein murdered 100s of thousands of Kurds. Another do-gooder walker making a bullshit speech

Obrigado Senhor Embaixador "for the link" !

Anónimo disse...

Filho de peixe sabe nadar... O inconfundível estilo britânico...

Joaquim de Freitas disse...

Deixei de fora o fim do meu comentário, que é o comentário dum socialista inglês, que é de agradável leitura, Pena é que esta verdade não seja seguida na Internacional Socialista ! :

"I am grateful to Hilary Benn for reminding me why as a young man I used to pride myself on being a socialist. It is gratifying to see that at least in Britain there are still socialists who hold matters of principles above party allegiance. Comrade Benn, this old socialist salutes you! "

" Tradução sucinta : Agradeço a Hilary Benn de me recordar porque quando era jovem tinha orgulho de ser socialista. E de ver que no RU ainda há socialistas que mantêm os princípios acima da disciplina do partido é gratificante. Camarada Benn, este velho socialista saúda-te"

Ao ler isto não posso deixar de pensar em Tony Blair e os seus princípios. Mas há outros. Quando os homens políticos , substituem a moral ao egoísmo, os princípios aos interesses, o império da razão à tirania, a grandeza de alma à vanidade, os cidadãos voltam as costas à política.

aamgvieira disse...

Assenta que nem uma luva ao governo socialista que nos (des)governa. belos comentários !......

Francisco Seixas da Costa disse...

Já, aamgvieira?! Já o (des)governa? Caramba, foi rápido...

Joaquim de Freitas disse...

Caro Crabtree : Se eu ousasse , pedia-lhe de depor uma rosa mais no tumulo de Karl Marx. Se for a Londres, isto vale um convite para um almoço em Leicester Square num restaurante francês que conheço.

"As ideias das classes dominantes, são em todas as épocas, as ideias dominantes."
Karl Marx.

Joaquim de Freitas disse...

Tem piada , que pensei, ao escrever o meu ultimo comentário, que os "snipers" do costume , atentos a tudo o que se diz e escreve que os pode arranjar, abririam o fogo imediatamente sobre o "inimigo" do outro lado! Não escapou ! Só que Tony Blair não era socialista, era um liberal extraviado no campo socialista por conveniência própria.

Para ter a coragem de colaborar, com criminosos da pior espécie, à volta dum "cocktail" nos Açores, servido por um "barman" de baixo calibre, "soit-disant" social democrata, ex- revolucionário maoista, no assassinato dum povo inteiro, do qual pagamos agora e por muito tempo ainda as consequências, era preciso ter todos os "pergaminhos" que mencionei na ultima frase do meu comentário precedente.

aamgvieira disse...

Não é uma questão de rapidez.

Apesar do tripé ser um factor de estabilidade em construção, no caso em questão, os materiais de duas das pernas com acabamentos e pinturas aceitáveis, mas a construção da estrutura interior deixa muito desejar no objectivo da criação dum tripé.

Portanto, não tendo sido efectuado qualquer controlo de qualidade à natureza e características dos materiais utilizados face ao projecto aprovado: A com B, A com C, faltando B com A, conclui-se que a aprovação do projecto foi más rápida que a minha rapidez.

J. Ryder disse...

nunca de me vou esquecer duma sessão dos Quakers (que organizavam almoços frugais com diplomatas em posto em Londres com debates de optima qualidade) em que o convidado foi o Tony Benn que usou a sua oratória heróica para defender o fim da monarquia no Reino Unido.. O tema era "The Case For a British Republic" !... Mas não tinha "voz boa para rádio" como o filho Hillary também não tem ...

ab

J.

João Miguel Tavares no "Público"