domingo, dezembro 28, 2025

O lugar do Eurico


Ontem, (também) morreu Eurico de Figueiredo. Tinha 86 anos. 

Na minha adolescência, em Vila Real, o nome de Eurico de Figueiredo identificava um estudante de "ideias avançadas", saído anos antes da cidade, que liderara as lutas académicas lisboetas de 1962 e que, depois de uma agitada passagem pela universidade de Coimbra, se exilara na Suíça. Só o vim a conhecer muito depois do 25 de abril, quando regressou a Portugal para exercer psiquiatria e, posteriormente, para se envolver na ação política, da qual um dia acabou por se cansar - e talvez com razão.

Não éramos íntimos, mas fomos desenhando uma relação de amigos. Há anos, convidou-me para apresentar um seu livro. Depois, contracenámos com o seu velho comparsa de Genebra, António Barreto, numa evocação qualquer no teatro de Vila Real. Já o não via há bastante tempo.

Lembro uma história que, por equívoco, nos ligou e sobre a qual um dias nos rimos. Estávamos em julho de 1999. Eu era então, desde há três anos e meio, secretário de Estado dos Assuntos europeus.

Um dia, informei o gabinete do primeiro-ministro de que necessitava de falar com António Guterres, com alguma urgência. Horas depois, foi-me perguntado o motivo da reunião, para justificar a pressa com que pedia o encontro. Mandei dizer que não revelava. No dia seguinte, já um pouco irritado, voltei a insistir. Ao final desse dia, o primeiro-ministro recebeu-me.

António Guterres acolheu-me com um sorriso e a grande simpatia com que sempre me tratou.

- Este seu pedido de reunião, com caráter de urgência, criou por aqui alguma especulação, como já deve ter percebido.

Eu já então presumia essa especulação. Num segundo, liguei-a ao facto de, três dias antes, ter estado numa audiência, também a meu pedido, com o presidente da República, Jorge Sampaio. Que diabo um simples secretário de Estado, lugar subalterno no governo, quereria, na mesma semana, das duas principais figuras do Estado?

Esclareci então António Guterres que a razão da minha visita nada tinha a ver com aquilo que fora tratar com o presidente. No seu caso, eram assuntos estritamente ligados às questões europeias, mas que exigiam uma orientação urgente do primeiro-ministro. A particular sensibilidade do tema recomendava, porém, uma conversa pessoal. Só isso.

Guterres disse-me então das razões da especulação em S. Bento.

- Como você sabe, estamos em pleno processo de formação das listas de candidatos a deputados à Assembleia da República. E, como também é público, Eurico Figueiredo deixou vago o lugar de cabeça de lista por Vila Real, que também é a sua terra. Houve muita gente que pensou que você, sendo embora independente e não militante do PS, poderia estar interessado no lugar e que era essa a razão por que pretendia falar comigo com urgência. Eu, contudo, conhecendo-o, devo dizer que nunca pensei que quisesse ser deputado. Mas também achei que seria legítimo se acaso o quisesse ser.

E tinha toda a razão. A vida parlamentar nunca me seduziu minimamente. Mas, à distância, fiquei sempre com a curiosidade de saber o que teria acontecido se eu, de facto, tivesse tido essa pretensão. Assim, salvo na boataria entre S. Bento e o Rato, acabei por não me "cruzar" com o meu amigo Eurico Figueiredo nos caminhos da representação política de Vila Real.

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