domingo, janeiro 02, 2011

O outro défice

O cenário era o balcão do "Tosta Fina", o lugar geométrico dos grandes pequenos almoços em Vila Real. Ontem. Os interlocutores eram dois recém-trintões, bem na vida, seguramente com muitas cilindradas à porta.

- É pá, já viste o pessoal que marou em desastres? - disse um deles, mostrando uma notícia do JN sobre as vítimas de acidentes de tráfego desde o Natal.

- É, há muito gajo que não devia guiar. São uns nabos.

- Bom, estes já não guiam mais... (risos alarves duplos)

Pausa para o croissant com fiambre e o sumo de laranja. A bica final reabre a conversa:

- Onde é que foste no fim-de-ano?

- À Corunha.

- Como é que fizeste? Vieste por Chaves?

- Não, pá! Vim por dentro. Em Espanha é uma chatice, não se pode andar, têm bófia à toca por todo o lado, nas estradas. E aquilo é a doer. Só quando se chega à fronteira é que o pessoal pode largar. De Valença cá, foi um tirinho. E tu, onde foste?

- Fui à Estrela. Agora é fácil, com a A24. Consegue-se colar aos 200, muitas vezes. É sempre a bombar. E aqui não há chuis, é porreiro.

Quando me dizem que o principal problema português é o défice orçamental dá-me vontade de rir. Pouco.

14 comentários:

Anónimo disse...

Na mouche...

Acredito que o desiderato geracional
é reduzir o défice de operacionalização de pressupostos de cidadania, de falta de respeito pela sua própria vida e pela dos outros de forma a promover a segurança do entorno, prevenir comportamentos de risco e basicamente não causar Dolo.

Bom ano de 2011, especialmente para si e os Seus
Isabel Seixas

patricio branco disse...

No noso país conduz-se e guia-se, em média e na generalidade, muito mal, é um facto: excesso de velocidade, não guardar as distâncias em relação aos que vão à frente, agressividade (buzinar, acender os farois), pouca educação, falar ao tm ao mesmo tempo, a ideia de que guiar bem é ir depressa e ser temerário, etc.
A entrada do blogue ilustra bem no diálogo comportamentos típicos de parte de condutores.
Causas? talvez escolas de condução pouco exigentes no ensino, pouco investimento em boas campanhas pedagógicas por parte das autoridades, na televisão ou jornais. Mas tambem (passando agora para as causas de acidentes) estradas mal feitas, mal desenhadas (tanta curva) mal cuidadas, esburacadas, alombadas, pouco sinalizadas...
Pela minha experiência e conhecimento, há no entanto regiões onde se conduz melhor, como madeira e açores, onde há bom sentido dos limites de velocidade, da prioridade, mais correcção e civilidade nas estradas ou cidade ao conduzir, menos pressa e mais tolerância.

Julia Macias-Valet disse...

"...da-me vontade de rir."
A mim também...mas amarelo : (

Portas e Travessas.sa disse...

Senhor Embaixador,

A mim também me deu o esboçar um ligeiro sorriso - já que, a gargalhada, é uma demonstração de ignorância - devo ser comedido

Bom Ano 2011

Helena Sacadura Cabral disse...

O principal problema do país é o deficite mental.
Somos um país de doutores e engenheiros. Um país onde a designação é que conta. E onde educação, instrução e cultura são não se distinguem.
Nós não queremos "saber" mais. Queremos "ter" mais. E "ser", infelizmente, cada vez menos!

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Vai-me desculpar, mas que manifestação a aparentar (e tenho a certeza que é só isso) tão pouco socialismo e solidariedade.
Sem dúvida que o civismo pela cidadania não é o melhor.
Mas que isso não sirva de álibi para um certo elitismo provinciano que perpassa nos detentores do poder, que rapidamente se esquecem das suas raízes.
Felizmente que na minha árvore genealógica há alguns governadores da Índia e do Brasil e muitos engenheiros militares do melhor que a escola de carácter aparentou criar. Foram do melhor que a humanidade criou? Não sei! Mas pelo menos assim ficaram para a história, espero que não de forma injusta para com os seus ditos “inferiores”. Afinal posso sempre dizer que é uma questão de berço. Como nunca parasitei o Estado, que são os impostos e o suor dos meus concidadãos, mesmo daqueles que palitam os dentes à vista de todos, sinto-me cidadão solidário por inteiro imune aos muitos milhões que se tomam como seus. E irrito-me com o pretensiosismo, o pedantismo e o sentimento de superioridade de quem sempre viveu à conta do pedreiro e do carpinteiro do bairro, mesmo que sejam boçais e pouco educados. E tenho pena de quem não conhece o verdadeiro eu de muita boa gente humilde deste país. Daquela que divide o pouco pão que sobra dos saqueadores dos cofres públicos e do monopólio da promiscuidade. E com os falsos críticos da responsabilidade dos outros que se esquecem da sua responsabilidade do passado. Afinal não havendo inocentes na política, foi um certo parasitismo inigualitário que lhes não permitiu melhores modos e maneiras. E um certo mimetismo de quem devia dar o exemplo! Ou não fossemos a sociedade mais desigual da Europa, a sociedade dos comendadores, onde os senhores gostam de ser tratados por meritíssimos, os doutores por senhores doutores e os pedantes por vossa excelência. Mas isso não me dá o direito de achar que o meu mundo é um mundo de novo riquismo e de défice de seriedade. Afinal a seriedade não está no padrão das vestes ou do emprego, mas no sentido de humanidade e de uma verdadeira igualdade socialista!

Tenho a certeza que o senhor embaixador concorda comigo! Afinal é tudo uma questão de amor ao próximo, humildade e humanidade. E esse défice, infelizmente em Portugal, vejo-o mais nas classes com maior responsabilidade do que naquelas que são o espelho das falsas elites! Afinal, neste século XXI, já nem devia haver classes, apenas gente solidária entre si! Felizmente que o metalúrgico Lula com todos os defeitos que todos temos, inscreveu um novo Graal na história dos injustiçados, o tesouro que todos os povos procuram: que se faça simplesmente, o óbvio!

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro PAS: o que me chocou não foi a linguagem, foi a falta de ética comportamental que está subjacente ao que foi dito.

Anónimo disse...

Isto é apenas o resultado da evolução da mentalidade das gerações em Portugal. Há muito tempo que se dá muito maior importância à forma do que ao conteúdo. É muito mais importante o carro, a roupa e as férias no estrangeiro do que o conhecimento, respeito e a educação. Os pais desses jovens que se cruzaram com o Senhor Embaixador, consciente ou inconscientemente, educaram os filhos nesse sentido. Os representantes políticos de hoje são um belo exemplo disso - não interessa como se chegou a determinada posição, o importante é se chegar lá.
Vai demorar muito tempo até algumas mentalidades mudarem. Vão sofrer os jovens que hoje começam a vida profissional em Portugal. Vão crescer com cortes e orçamentos impostos pelo estilo de vida de quem está hoje nos lugares de decisão. Nunca entendi porque os estudantes holandeses vão para a universidade de bicicleta e o estudante português vai de Golf. Caso um estudante português vá para a universidade de bicicleta será considerado um excêntrico.
Se Portugal é pequeno, é neste tipo de mentalidades que ainda vão demorar a ser mudadas.

Cunha Ribeiro disse...

Belo retrato do Portugal-chico-esperto-estúpido-a-valer.
O Portugal que tem como ídolos: o Figo e o Ronaldo; o Porche e o Ferrari; o Godinho e o Outro...

Anónimo disse...

De facto, há um enorme défice de educação e civismo em Portugal. Assiste-se nas estradas portuguesas a inúmeras asneiras e falta de respeito pelo próximo, colocando em risco a vida de terceiros.

Com o devido respeito por outros comentários, o civismo não tem nada a ver com árvores genealógicas "recheadas" de ilustres personalidades porque a educação não é hereditária... tal como não é correcta a tolerância com o Manel dos Anzóis que palita os dentes, cospe no chão e faz outras alarvices, tudo em nome da defesa de uma sociedade sem classes.

Claro que os ditos interlocutores recém-trintões, são apenas mais dois exemplares dos muitos cromos lusos que se tornaram uma praga de difícil extinção.

Senhor Embaixador, qualquer um dos rapazolas para além de “bombar” a 200, certamente, ainda, teve a proeza de o fazer a falar ao telemóvel… É que não há tempo a perder! :)

Concordo com a Dra Helena e o Cunha Ribeiro, somos um país que vive do parecer em detrimento do ser.

Isabel BP

(c) P.A.S. Pedro Almeida Sande disse...

Caro Seixas da Costa

Vai-me desculpar a manifestação de maus fígados de quem vê o seu povo sofrer a maior regressão dos últimos cem anos por desvario das suas pseudo elites, mas é tempo de quem quer ser verdadeira elite seja definitivamente sujeito a um exame de boas práticas comportamentais no exemplo. Como diz a Helena S.Cabral a educação, cultura, instrução e acrescento solidariedade e humanidade não se compram e adquirem nas novas oportunidades e o nosso povo na diáspora todos os dias dá exemplos de se bem enquadrado (e não intoxicado) é igual ou melhor que os melhores.

O défice, assim, mais que cultural é de exemplo, de verdadeiras boas práticas, de participação e cidadania e de falta de uma verdadeira elite motivadora, com sentido do colectivo e não de uma vaidade umbigal sem sentido de povo.

LP disse...

Adoro a velocidade, mas nunca me viram aultrapassar, embora em transgressão, a faixa dos 140 K/m. Não é por mim, é por aqueles que PARTILHAM a mesma via comigo.

Comportamentos como o dos ditos croissant's com sumo de laranja e cafézinho a rematar, ops, trintões, é tipico nesta fornada de gestores de mapas e mapinhas, que medem o comprimento do falo pela distancia percorrida proporcionalmente inversa ao tempo. O que é que tem a ver gestores com velocidade? PODER! Infelizmente é a formação que nos dão nas universidades: "tirem o curso para se destacarem na sociedade". eu ouvi n vezes esta frase.

Misturar pais com escolas e dar direitos aos aprendizes da vida (alunos) para além daquele que realmente têm, o aprender, dá nestes dois exemplos de falta de humildade.

Anónimo disse...

As vezes, uma imagem (neste caso uma história do quotidiano) vale mais do que mil palavras. Nem todos os Portugueses são assim, mas há de facto uma mudança profunda de mentalidades a operar. E para isso não há FMI que nos valha...

Manuel Antunes da Cunha

Anónimo disse...

é por isso que eu pequenos almoços na Bila, é sempre na GOMES... as tais "bombas", estacionam melhor no Pioledo...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...