sábado, janeiro 01, 2011

A linha branca

Aquele embaixador era conhecido pelo seu "mau feitio", pela sua tendência para uma fácil conflitualidade. Homem radicalmente conservador, era, no entanto, culto e inteligente, um profissional competente por quem eu me habituara a ter consideração. Também por outra razão: dizia sempre o que pensava, doesse a quem doesse. E isso é muito raro.

Quando entrei na chancelaria da Embaixada que ele chefiava, num certo país candidato a membro da União Europeia, fez-me alguma estranheza uma linha branca, com cerca de dez centímetros de largura, que atravessava o corredor, uns metros adiante do seu gabinete. Porque as minhas preocupações do dia eram maiores que a curiosidade, logo esqueci o assunto.

No dia seguinte, ao passar de novo pela Embaixada, não resisti:

- O que é aquela faixa branca, ali no chão?

- É uma linha de segurança - responde-me, sério, o embaixador.

- De segurança?

- Ao fundo daquele corredor fica o arquivo e o serviço de cifra. Os funcionários da Embaixada que não têm nacionalidade portuguesa não podem atravessar aquela linha. Quem o fizer, pode ter sanções disciplinares. Você perceba: no fundo, eles ainda são todos comunistas...

Olhando para a evolução política entretanto ocorrida naquele país, agora já membro pleno da União Europeia, deviam ser os últimos.

3 comentários:

César Ramos disse...

(...) no mínimo, caricato! A "linha de segurança" seria então uma reminiscência do "muro da vergonha" - mas ao contrário!

Pisar o risco - tal como na estrada(também uma linha branca)-, é sempre uma contravenção gravíssima!

Cumprimentos, e Votos de um Feliz 2011
César Ramos

patricio branco disse...

verdade que em portugal se diz "não pises o risco(ou a risca)".
Chamar-lhe linha de segurança tem graça e pôr isso em prática revela uma personalidade ou um personagem.

Anónimo disse...

Lembro de minha infância passada em uma aldeia raiana perto de Chaves, não havia no chão linha ou risco que delimitasse as terras, mas quando eu vinha correndo apressada do comércio da Marina, ares de contrabandista, uma caixa de bolachas napolitanas escondida junto ao peito como se fosse uma tábua de salvação… na época não as havia em Portugal, e logo depois do pequeno marco caiado atravessava uma linha que meus olhos não viam… e estava em Portugal, respirava aliviada! deste lado os Carabineros, designação da guarda fiscal espanhola, não me podiam confiscar o fardo precioso… Linhas ou faixas sejam elas visíveis ou invisíveis sempre são sinônimos de separação, divisão, proibição… mas depende de quem olha e por que ângulo vê… no meu caso era de fato uma linha de segurança…

Gina Sanches

Agostinho Jardim Gonçalves

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