terça-feira, junho 22, 2010

As mulheres e a diplomacia

Há semanas, ao entrar na sala onde ia falar aos novos "adidos de Embaixada" - a categoria de entrada na "carreira" -, não pude deixar de fazer um comentário de alguma surpresa pela circunstância de, entre os presentes, haver muito poucas mulheres. De facto, estava convencido de que, nos últimos anos, havia um progressivo reequilíbrio de género dentro da diplomacia portuguesa, correspondente, aliás, ao maior sucesso académico das mulheres na sociedade portuguesa atual. Pelos vistos, enganei-me.

Fiz parte do primeiro concurso de entrada de diplomatas para o Ministério dos Negócios Estrangeiros ao qual as mulheres portuguesas foram admitidas. Não por acaso, foi o primeiro realizado após o 25 de abril. Para quem não saiba - e para especial benefício de quantos por aí louvam ainda a bondade de hábitos da ditadura -, convém deixar claro que, até essa data, as senhoras não eram admitidas na diplomacia. Ou melhor, algumas senhoras andavam pelo MNE e pelos postos no exterior, mas apenas em lugares de secretárias, dactilógrafas, funcionárias administrativas e, em muitos escassos casos, como técnicas. Foi nesse concurso de 1975, de cujo júri fazia parte um jovem professor de Económicas chamado Aníbal Cavaco Silva, que foram admitidas as primeiras diplomatas mulheres, graças a uma anterior mudança no regulamento de admissão, da responsabilidade do ministro dos Negócios Estrangeiros Mário Soares.

Várias diplomatas assumem hoje importantes funções dentro do MNE ou em postos no exterior, nomeadamente em chefia de Embaixadas. Impõe-se que, no futuro, isso aconteça cada vez mais, porque se torna importante que a carreira diplomática portuguesa seja um espelho verdadeiro da própria sociedade portuguesa.

7 comentários:

Julia Macias-Valet disse...

Penso que os cursos superiores sofrem efeitos de moda (e/ou de desconhecimento) um pouco como os circuitos turisticos nas agências de viagens. Em Portugal nos anos 80 houve a moda de ir à Tailândia, nos 90 a Cabo Verde e mais recentemente ao Brasil (Pipa, Natal & so).

Creio que tem que haver um processo de sensibilizaçao junto dos alunos das escolas secundarias para areas menos conhecidas.
Em França organizam-se os chamados "Forum des Métiers" onde é dado a descobrir aos alunos aréas profissionais menos conhecidas.

Mas pelos vistos a Diplomacia ainda padece em Portugal do mesmo sindroma de que sofria a Medicina no inicio do século passado e como diria o Cebolinha da BD da Mônica : "MENINA NAO ENTRA !".

João Antelmo disse...

Se, de facto, o número de candidatas diminuiu, é pena.
O número de mulheres na Carreira tinha vindo a crescer sustentadamente e, é bom assinalá-lo, geralmente contando-se entre as melhores classificações dos vários concursos.
O panorama, quanto`ao equilíbrio de "género" (detestável expressão...), estava em bastante boas condições e já não existem as resistências serôdias e cavernícolas com que alguns abencerragens reagiram à onda imparável das mulheres na Carreira.
O "Botas" deve ter dado voltas e voltas no túmulo.
Já gora, para melhor enquadrar essa atitude do clérico-fascismo, lemremo-nos que mesmo as "secretárias, dactilógrafas, funcionárias administrativas" que "andavam pelo MNE", no dizer deo Embaixador Seixas da Costa, estavam proíbidas de casar, mais uma imposição que a misoginia salazarenta impunha à melhor parte da Humanidade.

Helena Sacadura Cabral disse...

Nem na diplomacia nem em muitas outras instituições. Eu fui a primeira mulher a entrar nos quadros técnicos do Banco de Portugal. E não fosse um excepcional administrador, chamado Ramos Pereira, pssivelmente nunca teria conseguido lá entrar, embora tivesse a mais alta classificação do ISCEF e tivesse ganho o respectivo prémio...

Helena Sacadura Cabral disse...

Já agora também convém relembrar que os militares não podiam casar com divorciadas e que no MNE, no tempo da outra senhora, os diplomatas deviam casar pela Igreja. O meu irmão mais velho viu-se "grego" para casar apenas pelo civil...
Eram uns tempos patuscos, onde se deu cedo o voto às mulheres mas se lhe proibia o acesso a um monte de carreiras. E em que a assinatura do marido era necessária para quase tudo!Eu que o diga, que até para trabalhar precisava de autorização do "dono".

Anónimo disse...

Aquele regime (do manholas de Santa Comba), não bastava ser péssimo politicamente, conseguia ainda outra “proeza”: era ridículo. Isto a propósito do que HSC aqui refere. Mas havia mais: num caso de adultério, a mulher apanhava pena de prisão, o que não sucedia com o marido, apanhado em idêntica “falha”. E no caso de o marido matar a mulher por a encontrar em “flagrante delito adúltero” era expulso…da Comarca. Já a mulher, se procedesse de igual forma, arriscava uma pena de prisão por homicídio até…20 anos. O Salarazismo não tinha “ponta onde se pegasse”!
Quanto ás mulheres na carreira, há-as excelentes! E ainda bem!
P.Rufino

Acácio Fólio disse...

Enquanto a diplomacia portuguesa for controlada pela seita do avental, distribuindo a maioria dos lugares aos seus confrades e protegidos, será sempre difícil diversificar o acesso à carreira.

Anónimo disse...

Houve alguém que tocou um ponto fundamental.
Obrigada Acácio!
Ana Morais

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