sexta-feira, junho 18, 2010

José Saramago (1922-2010)

O segundo prémio Nobel português (o cientista Egas Moniz recebeu, "a meias", um Nobel da Medicina, em 1949), ontem falecido, foi sempre um homem polémico. Por razões políticas, muitos não o apreciavam e alguns terão tido motivos pessoais para tal. Na literatura, algumas das suas ousadias estilísticas nunca foram bem aceites em certos meios. No plano pessoal, atitudes suas chocavam algumas pessoas e não ajudaram a consensualizar a sua imagem. Nunca se preocupou muito com isso. Por essa razão, o coro de loas que, na hora da sua morte surge por aí, cheira a muita hipocrisia.

Tive o ensejo pessoal de me cruzar com José Saramago, em diversas circunstâncias e em vários lugares do mundo. Tinha com ele uma relação pessoal de simpatia, extensiva a sua mulher, Pilar del Rio. Com ambos tinha combinado, ainda em 2008, no Rio de Janeiro, o projeto de o levar a Paris, para uma "Marathon de la lecture", ideia que a fragilidade da sua saúde não permitiu concretizar.

Faço parte de quantos gostam muito de algumas das obras de Saramago e, mesmo não gostando tanto de outras, o têm por um dos raros génios da nossa literatura. Alguns dão-se ao luxo lusitano de não concordar com isso, no que estão no seu pleníssimo direito. A esses, porém, convém lembrar que a sua opinião é indiferente ao mundo, que consagrou já José Saramago como um dos nomes portugueses mais prestigiados de sempre.

11 comentários:

José Martins disse...

Este pobre leitor, que sou eu, nunca conseguiu ler mais do que meia dúzia páginas dos livros de José Saramago.
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Tenho porém na minha biblioteca uma boa dose dos mesmos, traduzidos em várias línguas, que cresceram de uma exposição, realizada em Banguecoque, pouco depois de José Saramago ser laureado com o Prémio Nobel.
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Prosa chatíssima de ler e não entendível e penetrante na alma do leitor como a do nosso imortal Eça.
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Respeito José Saramago e o seu exílio na ilha vulcânica de Lanzarote, menos de acordo com a integração de Portugal como província espanhola.
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No entanto foi um escritor, arrogante, com mais defeitos que virtudes, cuja irreverência viveu com ele desde a miséria que experimentou de tenra idade e o marcou.
De Banguecoque
José Martins

Anónimo disse...

Com todo o meu respeito essencialmente Admiração

Ao Mestre "José Saramago"

Concordo plenamente com a genialidade
corroborada pela diferença de propostas de paradigma nos seus livros,face ao seu percurso pessoal claro que foi bafejado pelo tempo do ciclo vital manteve-se igual a si próprio e adotou esse seu património como linha de conduta, para mim um bom ensaio sobre a lucidez, eu admiro-o e vou continuar...

Isabel Seixas

Helena Sacadura Cabral disse...

Com esta minha memória de elefante guardo de Saramago três lembranças. Uma positiva: a leitura dos seus primeiros livros. A partir do "Todos os Nomes"tornei-me incapaz de o apreciar devidamente. Aceito que tenha sido eu a piorar.
As duas negativas são profundas. Uma, a eliminação das dedicatórias de alguns dos seus livros a Isabel da Nobrega. Desta já lhe falei e não me alongo...
A outra, a limpeza que sob a sua batuta foi feita no Diário de Notícias, a que se chamou de saneamento político.
Mas, confesso, pessoalmente o homem sempre me atraíu pela sua história de vida. E creio que muito da segunda metade da sua existência se deve a Pilar del Rio.
Logo, creio não ser injusta ao afirmar que foi bafejado pelo destino, que lhe permitiu ter três mulheres especiais. Nem todos têm essa sorte e, sobretudo, quando a têm não deveriam jamais renegá-las ou esquecê-las. É dessa tempera que se faz a gente grande!

Anónimo disse...

Era inegavelmente um grande escritor a quem, pela genialidade da prosa, se perdoam do pecadilhos como os saneamentos no DN.
Antonio Mascarenhas

T D disse...

Senhor Embaixador,

Só duas palavras para dizer que o original da fotografia é de Lia Costa Carvalho - http://www.flickr.com/photos/liacostacarvalho/1859269643/

Bom fim de semana.

José Barros disse...

Muita gente da praxe pensou que José Saramago, ao receber o Nobel em 1998, deixaria de ser Saramago. Ora aquele prémio, além de um maior conforto material, não veio influenciar a sua forma de estar e pensar. Veio sim consolidar a sua autoridade, dentro e fora do país, e dar-lhe mais visibilidade e eco às suas posições que nunca deixou de afirmar e, com a mesma firmeza continuou a dizer aquilo que pensava sem se importar se agradava ou não. Aliás, sabia que desagradava, e muitas vezes desagradou, aos poderes instalados mas nunca ficou com papas na língua. Homens assim, raros em Portugal, são por si só autênticas instituições e são precisos para não perdermos o sentido das realidades. Como interveniente vai sentir-se a sua falta. Como escritor ficará entre os grandes da literatura portuguesa ainda que ultrajado por certos governantes que não quiseram, ou souberam, ver a projecção da nossa literatura para além mesmo das fronteiras da lusofonia.

Carlos Albino disse...

Saramago teve, sem dúvida, muito de criticável, mais que uns, menos que outros. Mas se repugna a hipocrisia das loas, também repugna quem se arma em juiz final sem autoridade moral.

Ernesto disse...

Meu caro,
O seu texto está bem estruturado. O meu amigo mostra-se liberal, aberto e muito provavelmente sincero. Como sabe, sou seu leitor assíduo. Sem embargo, discordo de si em muitos pontos, designadamente quanto à parte final do seu texto.
É evidente que nestas loas post mortem não há muita hipocrisia: há um mar, ou, mesmo, um oceano de hipocrisia. Nesta matéria, concordo a 200% consigo.
Nunca apreciei Saramago como escritor, embora lhe reconhecesse talento, imaginação e criatividade. Sempre considerei o seu estilo detestável, presunçoso e irritante. Estou no meu “pleníssimo direito” como você diz e bem de não gostar. Não gosto e assumo. Teve algumas ideias brilhantes, sem dúvida alguma, mas, em minha opinião, o balanço geral é negativo, independentemente de ter ganho ou não o prémio Nobel (como sabe melhor do que eu, trata-se, hoje, de uma atribuição meramente política e que não tem que ver com méritos objectivos – quantos não mereceriam o galardão e jamais o obtiveram?). Mas, adiante. He’s not definitely my cup o’tea. Conheci o falecido, com quem privei algumas vezes, e nunca simpatizei com o personagem, isto no que toca às suas qualidades humanas e não às respectivas ideias políticas (com as quais estou a 180º de distância). Era uma pessoa arrogante, desnecessariamente controversa, provocadora mesmo, pouco cortês e, para quem provinha do meio humilde da Azinhaga do Ribatejo, patenteava uma exigência absurda em matéria de pequenos luxos verdadeiramente assombrosa (hotéis, restaurantes, aviões, transportes, etc.), como tive mais de uma vez ocasião de testemunhar pessoalmente.
Para além de ser telecomandado pela inefável Pilar que o controlava. Ele sempre se deixou controlar sem contestação. Aliás, ela interrompia-o e corrigia-o a todo o instante, estivesse onde estivesse e independentemente da companhia.
Você manda-me calar – e a muitos outros - com a seguinte asserção: podem pensar mal dele o que quiserem que o mundo já o consagrou, em suma: os cães ladram, mas a caravana passa. Posso apresentar-lhe ao longo da história da literatura, da música, da ciência e das artes, n exemplos de consagrados que o foram sem o merecer e de n elevado a n de outros que nunca subiram ao pódio e que mereciam a distinção. Sabe que isto é inteiramente verdadeiro! Não me vou alongar mais que esta já está quase quilométrica.
Finalmente, meu caro, você que se insurge contra os luso-pessimistas, como classifica Saramago? Sim, como o classifica? Ele que era o expoente máximo do fado lusitano em versão livresca!
Cordiais saudações internautas
Ernesto A. Costa

Anónimo disse...

Muito já foi dito sobre Saramago, o escritor e o cidadão (e até no plano pessoal, que não me interessa de todo), quer na imprensa, quer aqui. Por mim, diria apenas que o apreciava como escritor. Li e possuo vário livros dele. E, de início, até tive alguma relutância em lê-lo, admito sem problemas. Aquele tipo de escrita, menos convencional, foi difícil de “digerir”. Mas acabei por vir a ser seu leitor, com gosto (já, por exemplo, me foi sempre menos fácil ler António Lobo Antunes). Achava graça à sua atitude controversa e polémica, pouco consensual (nunca preciei lá muito as pessoas consensuais. A vida é feita de opções, quem procura agradar a todos, ou não tem opinião própria, ou é fraca personalidade. Posso entender, num determinado plano profissional, esse tipo de atitude, mas nunca no plano pessoal). E Saramago, quer se queira quer não, honrou-nos com o prestígio internacional que granjeou. Não há muito tempo, por ocasião do seu último livro, Caim, recordo-me de um pequeno “debate” entre ele e um representante da Igreja Católica e devo dizer que o Grande Escritor teve sempre uma postura cordata, civilizada, educada para com o seu opositor, o mesmo que hoje, a convite de um canal da nossa TV, lhe fazia comentários elogiosos, enquanto pessoa e escritor. Tenho pena que nos tenha deixado. Ainda esperava ler um derradeiro livro dele.
P.Rufino

patricio branco disse...

a propósito de Saramago e Brasil, para quando um segundo nobel de lingua portuguesa, desta vez brasileiro (sem menospreço para angolanos, moçambicanos, mas vamos por partes).
Se não haver um nobel português da literatura era uma estranha falta (assim mesmo) da Academia Sueca, não haver tambem um brasileiro continua a ser uma falta da acadenmia.

patricio branco disse...

interessante e equilibrado o comentário de H S Cabral.
Justo o comentário de J Martins quando lembra que Saramago defendeu a integração de P na Espanha, que foi algo chocante.

Tarde do dia de Consoada