sexta-feira, outubro 28, 2016

28°


Gosto destes dias de fim de junho. Maio foi muito bom, mas o Verão que aí vem já promete. Ontem, jantei numa esplanada. Hoje, estou a pensar passear ao fim da tarde no jardim da Estrela. Que belo tempo! 

Estranho, contudo, esta ideia de andarem a vender, por estes dias, castanhas assadas. Não é coisa que se coma num tempo tão quente! Antes, só se viam à venda no Outono. Agora é isto! O que é que pensarão os turistas de calções que enxameiam Lisboa?

Marcelo e Fidel


Entendo o prazer que Marcelo Rebelo de Sousa deve ter tido ao encontrar-se com Fidel de Castro, durante a sua visita a Cuba. Ele pertence a uma geração para quem as referências da História são importantes, independentemente da lateralização ideológica das figuras que a encarnam. Por isso, poder falar, ainda que no seu ocaso, com um dos protagonistas do mundo contemporâneo, deve ter sido uma experiência marcante. De certo modo, invejo-lhe esse momento, não obstante Fidel não ter nunca feito parte das minhas mitologias.

Castro e a revolução cubana foram um expoente para uma certa geração radicalizada que antecedeu a minha – que é, aliás, a mesma de Marcelo. A heroicidade da luta contra o agressor “yankee”, que tentava limitar o grito de liberdade saído da Sierra Maestra e que se empenhava em suportar sinistros déspotas, por toda essa América Latina sujeita à tutela cínica da Doutrina Monroe, foi uma bandeira que excitou as várias esquerdas mundiais. E também por cá.

Cuba, depois, foi o que foi. De um farol de liberdade, que Guevara ainda tentou exportar, transformou-se numa ditadura triste, em grande parte prolongada graças ao alibi dado pelo bloqueio americano, o qual, aos olhos benevolentes de alguns, lhe absolve todos os pecados.

Raramente tive uma experiência tão desagradável, como turista, como quando há uma década, sem guias nem mentores, passeei pela pobreza das ruas de Havana, então uma cidade de gente sem esperança, a que nem a graça que alguns acham à decadência dava alguma franca alegria.

Fidel libertou os cubanos do bordel dos Estados Unidos em que Baptista convertera o país, mas prendeu-os num pesadelo de vida que condenou gerações à penúria. E não me venham com a conversa do “orgulho” nacional, como se isso pudesse alguma vez substituir a possibilidade de dizer, alto-e-bom-som, podendo também escrevê-lo fora do “Granma”, o que se pensa, bem ou mal, dos dirigentes, que se querem eleitos e contrastantes.

A vida ensinou-me a deixar de ser complacente com a crueldade dos sonhos radicais, do “socialismo real” do Leste europeu a todos os modelos que relativizam o interesse em preservar as liberdades “burguesas”, reféns de amanhãs que o tempo veio o provar ser, infelizmente, muito similares o outros “ontens” que quero esquecer.

Para mim, guardarei para sempre o olhar triste daquela pintora cubana, uma mulher jovem, num subúrbio de Havana, que me contava ter vendido quadros seus em exposições nos Estados Unidos, e a quem, inadvertidamente, perguntei se tinha gostado da viagem: “Eu? Eu não fui! Eu não posso sair daqui. Eu nunca vou sair daqui...”. Aquele desencantado e nem sequer revoltado “nunca” marcou-me para sempre.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

Jogar pelo seguro


Salvo para alguns inimputáveis, preparados para brincar com o fogo, não existe uma real alternativa de bom senso na eleição presidencial americana. Se Hillary Clinton está muito longe de entusiasmar as hostes, é em geral reconhecido tratar-se de um “safe pair of hands” que garante que a potência determinante à escala global fica sob um controlo responsável. Este texto parte, assim, do pressuposto que Hillary Clinton será a próxima presidente americana.

Depois das aventuras da administração Bush filho, os dois mandatos de Obama mostraram uma América num dos seus ciclos regulares de retração estratégica. Sair logo que possível do Afeganistão e do Iraque, readequar o discurso da guerra anti-terrorista e tentar sarar algumas feridas abertas pela administração divisiva que o precedera – tal era o projeto visível de Obama pelo mundo. A Europa deixara aparentemente de figurar nas prioridades essenciais de uma política externa que olhava a Ásia e o Pacífico como o destino futuro de atenção. A Rússia parecia controlável nas suas ambições.

Os acontecimentos, esse regular obstáculo dos políticos, atrapalharam as previsões. O destino desigual das “primaveras árabes” e a desregulação do Iraque, gerou impactos imprevisíveis em todo o Médio Oriente, criando um caos cuja resolução não era conforme com a política de “no boots on the ground” que os EUA se obstinavam em manter. Os aliados ressentiram-se. Israel e a Arábia Saudita desconfiaram da eficácia do apaziguamento de Washington com as ambições nucleares do Irão. A Turquia mostrou-se um parceiro errático. A Rússia de Putin afirmou-se como uma potência oportunista, jogando na certeza de que a resposta ocidental aos seus avanços estratégicos ficaria sempre aquém das armas. Provou ter razão na Ucrânia, como já testara na Geórgia. A NATO, esse heterónimo militar dos EUA na Europa, teve de reganhar agressividade verbal e visibilidade do seu dispositivo. Os EUA não conseguiram recuar tanto quanto tinham planeado, o que também não foi facilitado por uma União Europeia descredibilizada e crescentemente dividida.

Oito anos depois de um ridículo prémio Nobel da Paz, dado “avant la lettre” como uma espécie de investimento na esperança, o balanço da política externa de Obama é claramente pífio. O mundo não está mais seguro do que estava na data da sua posse. É indiferente se a culpa é ou não de Obama, o que contam são os resultados. E esses são maus.

Hillary Clinton não herda a diplomacia de Obama, recebe também o resultado dos erros que ela própria cometeu, de que o caos na Líbia é talvez o caso mais flagrante na nota de culpas que merece pelo tempo em que geriu o Departamento de Estado. Quando aí chegada, Clinton olhava a prioridade Ásia-Pacífico como central na estratégia diplomática pós-Bush. O “braseiro” do Médio Oriente impôs-se e estragou esse desígnio. O seu saldo não foi brilhante.

Que fará Hillary Clinton pelo mundo, uma vez chegada à Casa Branca? A mais republicana candidata que os democratas podem produzir vai, ao que tudo o indica, agravar as tensões com a Rússia, que dá sinais de estar já a contar com isso. Se assim acontecer, uma parte da União Europeia exultará, outra hesitará em acompanhá-la até ao fim. A União pode dividir-se neste particular e a América, que se mantém um poder europeu, confirmará o seu tropismo para partir ou unir o velho continente, de acordo com os seus interesses. Nada que seja verdadeiramente novo.

Mas o grande teste imediato de uma administração Clinton passa pela Síria e pelo modo como aí lidará com uma Rússia que já mostrou que prefere ser temida a respeitada. Há quem diga que a Turquia pode funcionar como ”subcontratado” dos EUA na região. Recuperar a confiança do mundo sunita (com a Arábia Saudita à cabeça) e de Israel é outra das tarefas essenciais na região.

Resta... o resto: o futuro dos acordos comerciais inter-regionais, a substância efetiva da política Ásia-Pacífico e o modelo de relação futura com a China (com o crescente problema da Coreia do Norte no horizonte) e com a India nuclear, as alianças preferenciais numa Europa pós-Brexit, a definição da filosofia de ação externa, entre o proselitismo democrático e a “realpolitik”, etc.

Tempos interessantes, como diz a velha expressão chinesa que os ocidentais adotaram. E perigosos, pelo que vale a pena jogar pelo seguro e o seguro é Hillary Clinton.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Negócios")

Administração Hillary


Um "disclaimer" prévio: os autores são meus amigos. Um aviso sério: ninguém se arrependerá se comprar este livro. Garanto.

Raquel Vaz-Pinto e Bernardo Pires de Lima, dois dos nossos mais talentosos académicos na área das relações internacionais, escreveram uma obra de grande valia. Partindo do conhecimento profundo que têm da estrutura das relações internacionais, cruzando-a com uma apurada análise da política externa americana, produziram um guia quase imprescindível para nos guiar através da Administração Obama, no caminho para uma (quase certa) Administração Clinton. Por ali ficam, com realismo e numa linguagem acessível, os grandes desafios que o mundo vai enfrentar no futuro imediato, com pistas para o modo como o próximo governo americano os irá ter em conta.

Este não é um livro conjuntural, que se esgota em escassos meses, ultrapassado pelo peso da realidade. É um referencial de análise para quem gosta de política internacional e tem curiosidade de saber o que a América pode vir a fazer por esse mundo fora nos próximos anos.

quinta-feira, outubro 27, 2016

Afinidades

Há uns anos, numa conversa com alguém com quem partilho grandes afinidades políticas, vieram à baila dois nomes de antigos líderes do PSD: Durão Barroso e Marcelo Rebelo de Sousa. 

Essa personalidade conhecia ambos bastante bem e, comparando-os, deixou cair esta reflexão: “Você não está de acordo comigo de que, entre os dois, não obstante as divergências que possamos ter com o Marcelo, estamos mais próximos dele e bem mais distantes de Barroso, por partilharmos um mundo de referências que nos são comuns?” 

Ontem, ao ver a imagem de Marcelo com Fidel, lembrei-me dessa conversa e da minha concordância com o que então dizia essa figura, que foi dada por várias razões e também por essa.

quarta-feira, outubro 26, 2016

Diplomacia e sindicalismo


Há momentos em que nos damos conta de que fechamos algumas portas na vida. Tive essa sensação hoje, ao final da tarde, ao assinar a última ata da minha "gestão" como presidente da Assembleia Geral da Associação Sindical dos Diplomatas portugueses, função que exerci durante os últimos dois anos, não obstante estar aposentado desde março de 2013.

Decidi pôr termo ao exercício desse cargo, por ter a perceção de que a minha distância face à vida das Necessidades era cada vez mais profunda e não tinha qualquer sentido estar formalmente ligado a algo que, para mim, se tornara quase uma realidade virtual.

Em Portugal, o sindicalismo diplomático nasceu, naturalmente, apenas depois do 25 de abril. De início, foi apenas uma estrutura associativa sem caráter sindical - razão que me levou, em 1977/78, a encabeçar um grupo de jovens diplomatas que se recusou a integrar essa Associação dos Diplomatas Portugueses, que acusei de "elitista", o que me levou a zangas com alguns de quem hoje sou grande amigo.

Tempos mais tarde, a associação passou a ser sindical e, coerentemente, inscrevi-me nela. No seu seio, disputei algumas "batalhas" pela definir um Estatuto para a carreira, tendo feito parte de várias comissões com esse objetivo, que foi finalmente conseguido, contra ventos e marés. Cheguei a ser vice-presidente da direção da ASDP até uma tarde em que, no meio de uma reunião de direção, recebi um telefonema de Jaime Gama a convidar-me para o governo. O comentário imediato de António Santana Carlos, presidente da direção, nesse final de uma tarde de outubro de 1995, ficou-me para sempre: "Passaste-te para o patronato...". Esse "patronato", creio, não tratou mal o sindicalismo diplomático e a Carreira, embora eu nada tivesse a ver com essas decisões.

Em 2014, depois de uma grande insistência, acedi a ser presidente da Assembleia Geral da ASDP. Fi-lo com imenso gosto, por poder participar numa estrutura sindical que, aos olhos de muitos, continua a ser algo atípica, por se mostrar fortemente solidária com as finalidades do serviço de Estado, tendo essa atitude na sua matriz genética.

Essa porta fechou-se hoje, sem a menor nostalgia, desejando agora aos colegas à frente dos destinos da ASDP a maior sorte e sucesso.

terça-feira, outubro 25, 2016

Álvaro Guerra

Álvaro Guerra e eu divergíamos sobre a data em que falámos pela primeira vez. 

A tese dele é de que foi a 26 de abril de 1974, numa inusitada reunião na biblioteca da Escola Prática de Administração Militar, coordenada pelo então capitão Teófilo Bento, em que havia um mundo curioso de gente à volta da mesa (Luís de Sttau Monteiro, Mário Castrim, Adelino Gomes, Luís Francisco Rebelo, Orlando da Costa, Manuel Jorge Veloso, Luís Filipe Costa, Manuel Ferreira, Artur Ramos, António Reis - dos que me lembro, mas eram alguns mais), numa reflexão sobre o futuro de uma RTP democrática.

Já eu tinha ideia de que, dois anos anos, Mário Mesquita nos tinha apresentado na redação do "República". Mas imagino que ele se tivesse esquecido desse encontro fortuito. Eu havia ido ali, discretamente, tentar fazer publicar uma nota sobre uma conflitualidade, com laivos políticos, sobrevinda numa reunião dos Serviços Sociais da Caixa Geral de Depósitos, onde eu trabalhava à época. A censura não deixaria "passar". 

Claro que, de há muito, eu conhecia o Álvaro da escrita. Seguia-o na ficção, mas também no jornalismo, onde era leitor, embora irregular, da sua coluna na última página do "República" (que nunca foi o meu jornal), o "Ponto Crítico". 

Um dia, vi-o entrar para a diplomacia, pela mão de Mário Soares. Inicialmente, era destinado a ocupar o posto de Conselheiro Cultural na Índia, mas tenho ideia de que não pôde ser colocado no lugar ... por não ser licenciado. Mas, curiosamente, essa qualificação académica já não era indispensável para poder ser embaixador "político"! E assim o Álvaro esteve sucessivamente a chefiar as missões diplomáticas portuguesas em Belgrado, em Kinshasa, em Nova Delhi, no Conselho da Europa em Estrasburgo e, finalmente, em Estocolmo. E, em todos esses postos, revelou-se um excelente profissional, como a memória (sempre mais exigente para quem não fez todo o percurso da Carreira) das Necessidades reconhece. 

Creio que foi em Kinshasa onde, nessa qualidade, nos reencontrámos. Mais tarde, e por várias vezes, em Estrasburgo, falámos por horas, naquela casa do Boulevard de l'Orangerie, onde a Helena nos preparava requintados pitéus, regados por líquidos escolhidos na vizinha "Route des Vins", e se abafava, em divertidas conversas, a nossa insanável divergência sobre a tauromaquia. E sempre, sem exceção, ia com ele à Kléber, onde me assinalava livros que a sua incessante curiosidade tinha descoberto. A última vez que nos vimos foi em Estocolmo, onde já o senti bastante frágil. 

O Álvaro viria a morrer aos 65 anos, em Vila Franca de Xira, junto aos gaibéus da sua terra. No passado sábado, soube agora, uma escultura do António (Antunes) rende naquela cidade uma merecida homenagem a esse homem de bem, excelente diplomata e escritor que se chamou Álvaro Guerra, de quem tive o privilégio de ser amigo.

segunda-feira, outubro 24, 2016

Insegurança


O caso do presumível assassino que andará por Trás-os-Montes parece estar a desencadear um duplo efeito.

Desde logo, as vozes complacentes dos amigos do eventual criminoso, dando-o como "bom rapaz" e lançando a ideia da implausibilidade de ele ter cometido tão hediondos crimes, começam a suscitar uma espécie de benevolente perplexidade que, numa primeira reação, assume aquilo que é a atitude bem portuguesa tradicional, filha das medíocres teorias conspirativas de quem não sabe nada mas não está disposto a que alguém lhe passe a perna: "esta história está mal contada!". No achismo de café, adubado pela especulação palavrosa incessante dos estagiários a tremer de frio com os "cornetos" das televisões, tudo é possível. Daqui até à "síndroma de Estocolmo", que leva à simpatia com os criminosos, pela relativização ou indução de dúvidas sistemáticas sobre factos especulados, o passo é curto.

Mas o caso do "piloto", ao prolongar-se sob angústia mediática obsessiva, redunda também numa fragilização objetiva do prestígio das autoridades policiais, as quais, numa leitura simplista de uma situação operacional visivelmente complexa, já aparecem como que a serem "gozadas" pela argúcia do fugitivo - o que sempre diverte alguns patetas. Esta imagem das polícias impotentes é reforçada pela simultaneidade de crimes violentos ocorridos noutros locais do país, magnificados pela "imprensa do sangue", com televisão próprias em apoio. Se a isso somarmos as dúvidas cumuladas pela repetição de incidentes com argelinos no aeroporto de Lisboa, dir-se-á estar a criar-se um caldo de cultura para um ciclo de insegurança psicológica, com os sindicatos policiais (que no quadro mais global estão travados pelos compromissos da "geringonça") a cavalgarem oportunisticamente a onda.

Nada pior que um país com dúvidas sob a eficácia de quem o pode proteger no dia-a-dia, isto é, a sua polícia - depois de há muito ter visto já instalada uma forte desconfiança sobre o aparelho da sua justiça.

domingo, outubro 23, 2016

Em Lisboa, vá pela sombra


Se acaso pretendesse reduzir a famigerada (gerada pela fama) luz de Lisboa a uma única fotografia, não hesitaria um segundo. A cidade está toda na imagem que Gérard Castello-Lopes nos deixou, do alto, voltado para a rua do Arco do Carvalhão, um local a que os antigos chamavam os Terramotos. Nessa fotografia, um monumento de arte, a luz segue pela rua adiante, lado-a-lado de uma estranha fila de gente, numa adivinhada monotonia, que é bem o retrato de um Portugal onde, como dizia o ditador, as pessoas "viviam habitualmente".

Mas se se olhar um pouco para além dessa luz quase obscena que parece dominar o cenário, invasora, nada pudica, há na pintura a preto e branco da máquina de Castello-Lopes um recorte bem mais variado, sofisticado, seja no elegante pormenor geométrico que rebate, como num desenho, as casas - e que, diacronicamente, imaginamos evolutivo, como num filme -, seja nas caricaturas individuais das figuras em presumível movimento, que se projetam contra a grade bordejante. A luz está lá, sempre igual, por toda a parte, quase banal. É, porém, nas sombras que a criatividade se forja.

Lisboa é uma cidade de sombras - e essa não é uma expressão de retórica passadista, sentimental ou misteriosa, embora pudesse ser também isso tudo, até com fado à mistura. É uma realidade insofismável, que só não tem emergido porque, é preciso dizê-lo, há uma óbvia conspiração a favor da luz, para a qual o exército das sombras não encontrou até hoje o adequado antídoto.

Querem exemplos, omnipresentes na cidade ? É a sombra que o Aqueduto das Águas Livres atira contra o solo que lhe confere uma grandeza humanizada. Sem a sombra, aquela obra de arte seria apenas uma maqueta, em ponto grande. Passeie-se sob as arcadas do Terreiro do Paço, num dia inundado de sol, e olhe-se a riqueza dos desenhos que as sombras produzem nas paredes pombalinas. É a sombra que acomoda o viajante que por ali anda e que, por alguma razão, a procura, fugindo da luz, da torreira. A sombra protege, a luz abafa. A sombra, no fundo, é o lado bom da luz.

Um dia, dedique o leitor uma boa hora a percorrer os caminhos do lisboeta cemitério dos Prazeres. Escolha um dia de sol (Lisboa tem uma obsessão tal com o sol que até deu a uma sua rua o nome de "rua do Sol ao Rato") e perceberá melhor o que lhe quero dizer. Para além das árvores que lhe filtram a incómoda luz, um dos mais óbvios "prazeres" do cemitério é, para os vivos, claro, poder apreciar a infinda variedade das projeções das sombras dos jazigos, um rendilhado criativo que confere a algumas daquelas fúnebres moradias uma dignidade de bairro, onde nem sequer faltam os gatos, que o silêncio reinante permite melhor apreciar. Sente-se num dos bancos que por ali há, à sombra, à conversa, gastando o tempo, que é, além da esplêndida penumbra da contraluz, a mercadoria mais abundante no local, e logo perceberá melhor o que lhe quero dizer

Nem lhes conto o quanto me perturba ver alguns fabianos, « cara al sol », como se entoava no tempo infame, loiros de escaldão, a calcorrearem a ala central do Parque Eduardo VII, já de si escavado como uma vala para adoradores do dito, como se acaso estivéssemos por aqui à borda de um fiorde, num país em que o verão se esgotasse num fim de semana. Convide-se essa gente ao gosto da fuga, por um momento, para a adjacente Estufa Fria e, estou seguro que eles logo perceberão o "calor" ímpar da sombra, das árvores, da delicadeza da luz filtrada. Eles verão que é a noite e o dia, ou melhor, um quase vice-versa.

Lembram-se das imagens brancas, desertas ou quase, muito ensoleiradas (em especial aos domingos, em que a brutalidade da luz parece apostada em rimar com a santidade do dia), dos filmes do neo-realismo italiano? Pois bem, o velho "novo cinema português" tentou reeeditar esse registo, jogando com a alvura das avenidas a que nos habituámos a chamar "novas", usando e abusando de uma luz sem vergonha. E se revisitarmos essas películas, com alguma sofisticação no nosso olhar, é hoje um regalo ver as imagens, inundadas de branco, ganharem de imediato « cor », logo que a câmara se descai, com bom gosto, para a intrusão das sombras, que conferem à naïveté das histórias um sentido digno de recato, de discrição, um toque de intimismo, que a luz não permite e até antagoniza. Não será por acaso que, na expressão «  a-preto-e-branco » o preto surge primeiro...

Como o leitor já presumiu, cansa-me muito escutar o rame-rame do discurso obsessivo, turístico-folclórico, sobre a luz de Lisboa. Tanner - um cineasta suíço que, talvez por isso, não percebe muito de cores da vida do Sul - chamou a Lisboa "A cidade branca". Nunca percebi onde é que ele foi descobrir a "kasbah" que o fez encontrar Argel por aqui. Lisboa não é uma "cidade branca", é uma terra de cores vivas, a que as sombras fazem ganhar novos cambiantes. Por isso também é falso o que cantou Sérgio Godinho, no "Lisboa que amanhece", ao dizer que "as sombras de Lisboa são da cidade branca a escura face". Uma ova !

As sombras são a face mais "luminosa" da cidade e, claro, ganham outra expressão na noite quando, finalmente, a cidade se liberta do sol. É então que a saudável e pecaminosa - no bom sentido, que é o do bom pecado - face de Lisboa se revela. 

Olhem-se com atenção as sombras incomparáveis da ruas que atravessam a Bica em noites de copos e música, procure-se uma ruela esconsa no Cais do Sodré onde se imagina o « deal » final entre a meretriz e o marinheiro da esquadra da NATO, visite-se a tristeza quase suburbana da entrada de uma pensão "com águas correntes" na Almirante Reis, atravesse-se a Praça das Flores na penumbra de um fim de tarde da Lisboa « colorida » pela diversidade sexual, faça-se uma romagem romântica à sombria estátua de Sousa Martins, no Torel, numa noite de luar, ou à ímpar marca de solidão da Triste-Feia, a mais misteriosa rua da Alcântara que foi operária. Ou olhe-se a sombra do Tejo nas Docas, as esquinas onde os adolescentes trocam « shots », com o iPhone na outra mão, nas madrugadas divertidas de Santos ou (ainda) do Bairro Alto. As sombras de Lisboa não têm fim, morrendo no cansaço do alvor do novo dia, feito de olheiras e, claro, de sol.

É essa a minha Lisboa, feita de mil sombras, de mil e uma noites, de uma resistência denodada à ditadura da luz, cuja única verdadeira virtualidade é ter o mérito de ser geradora dessa glória eterna da imagem que é a sombra. 

Que este texto possa ter ajudado os visitantes de Lisboa a melhor entenderem que, aqui chegados, têm uma magnífica Lisboa de sombras pronta para ser consumida. Tenho fundada esperança que o que aqui deixei, este guia irónico em forma de elegia da cidade escurecida, tenha contribuído para que, sobre este tema, haja sido feita, finalmente, alguma luz.

(Artigo publicado no nº 1 da revista "Bica")

sábado, outubro 22, 2016

Michel Barnier e as línguas


A figura que a União Europeia indicou para negociar, em seu nome, com o governo britânico, a saída do Reino Unido da União Europeia é o antigo comissário europeu (e também, embora breve, MNE francês) Michel Barnier. Conheço Barnier desde 1996, quando ambos representámos os nossos respetivos países na negociação do Tratado de Amesterdão. Não deixa de ter graça que o ministro britânico que está encarregado de negociar o Brexit, David Davis, tenha sido também, à época e por algum tempo, o negociador britânico desse tratado.

Porém, a razão porque hoje trago aqui o nome de Barnier é outra: acabo de ler no "Independent" que ele propôs que as negociações com Londres venham a decorrer em francês. Imagino o "agrado" com que a notícia deve ter sido recebida no governo de sua Majestade... E é preciso não conhecer o "estado da arte" em Bruxelas, em matéria do uso de línguas, para pensar que esta ideia tem pernas para andar. É, claramente, uma afirmação de natureza política, numa "guerra" que a França já perdeu, a meu ver, infelizmente.

(Há dois dias, na reunião da OSCE em Viena em que participei, fiz a minha primeira intervenção em inglês. Convidado no final da sessão a intervir de novo, falei em francês. A embaixadora da França junto da OSCE saudou de imediato no Twitter o facto de eu ter falado na sua língua, repetindo-mo pessoalmente durante o almoço. De facto, fui o único a fazê-lo e a outra língua que ouvi falada na reunião foi... o russo!)

Quando me iniciei nas lides europeias, há 30 anos, o francês competia perfeitamente com o inglês nos trabalhos comunitários. 15 anos depois, quando saí dessa área diplomática, o francês estava já em acelerada perda de força. Dizem-me que hoje, em especial por efeito do alargamento, que trouxe para Bruxelas culturas onde a língua francesa tem já muito escasso acolhimento, a situação é bastante pior. Os ingleses podem sair da União Europeia, mas o inglês tem hoje um lugar eterno garantido como "língua franca" no seio da UE.

Deixo ainda uma historieta, a propósito de Michel Barnier e das línguas. 

Um dia de 1996, convidei-o a vir a Lisboa e ofereci-lhe um jantar nas Necessidades. Estendi esse convite a alguns membros do governo português a quem, em razão dos dossiês que titulavam, poderia interessar conhecer o ministro francês. À entrada, um jovem (e brilhante) secretário de Estado português inquiriu: "O Barnier fala inglês?". Achei que fazia a pergunta por curiosidade, atenta a escassa apetência dos políticos franceses (e ingleses e americanos e espanhóis e alemães, etc) para línguas estrangeiras. Expliquei-lhe que o inglês de Michel Barnier, não sendo (à época) excecional era, contudo, aceitável, inquirindo da razão da sua pergunta. A resposta deixou-me siderado: "É que eu não falo uma palavra de francês!". 

Foi nesse instante que me dei verdadeiramente conta de que uma nova geração portuguesa (e europeia), com uma idade bem inferior à minha, já não tinha o francês como essencial e, pura e simplesmente, não falava, e muitas vezes não compreendia sequer, aquela bela língua. Se assim era há duas décadas, bem pior será hoje. Se Barnier quiser conduzir as negociações com os britânicos em francês, vai ter de arranjar um intérprete... 

sexta-feira, outubro 21, 2016

Florestas e inquietação cívica


Hoje à tarde, pelas 18 h, no Centro Cultural Regional de Vila Real, no largo de S. Pedro, intervirei na apresentação do livro "A Floresta Portuguesa - um apelo à inquietação cívica", da autoria do meu amigo e camarada de armas no 25 de abril, Victor Louro.

Numa perspetiva diferente do habitual, este livro, de grande oportunidade, lança um alerta que é muito importante escutar.

Vêm aí os russos?


Alguma imprensa internacional vem a alertar para a escalada de tensão Leste-Oeste, potenciada pelos conflitos na Ucrânia e na Síria. Alguns falam mesmo da possibilidade de estarmos nas vésperas de um novo confronto de dimensão global. Terá isto algum sentido?

Com o fim e a implosão da União Soviética, países que viviam sob a tutela de Moscovo e algumas Repúblicas da antiga URSS procuraram estruturar sociedades políticas de matriz similar à dos países democráticos da Europa “de cá”. Diga-se que isso correspondeu a um evidente desejo das respetivas populações, ciosas de uma soberania que lhes fora “raptada” desde o fim da Segunda Guerra mundial. A posterior entrada de muitos desses Estados para a UE e a sua inclusão na NATO, em ambos os casos aproveitando a “janela de oportunidade” dada pela debilidade conjuntural de Moscovo, levou ambas as organizações até junto da fronteira russa. 

Atravessada por fragilidades de vária natureza – económicas, tecnológicas, militares, demográficas, etc – que afetavam o estatuto a que se achava com direito, a Rússia viu-se mergulhada num cenário de impotência, que se somava ao sentimento de humilhação histórica pela derrota na Guerra Fria. Neste contexto, a tentativa de alguns de modificar a posição da Ucrânia, vista pela Rússia como o último bastião da «buffer zone» que a separava do ocidente, seria sempre inaceitável. O sonho russo era conservar em Kiev um poder «amigo» que, em especial, não colocasse minimamente em causa o seu livre acesso naval ao mar Negro e ao Mediterrâneo. A mudança «de lado» da Ucrânia não podia assim ser aceite pela Rússia, que deu força militar às populações russófilas no leste do país e aproveitou para tomar a Crimeia, área chave para o poder naval meridional russo. O poder em Kiev pode ser pró-ocidental, mas a Rússia provou conseguir instabilizar o país.

O mal-estar russo criou o caldo de cultura política interna para a emergência de um «cesarismo» na figura de Vladimir Poutin, num registo nacionalista autoritário, tendo como objetivo a restauração de algum poder global de Moscovo. Como resposta aos avanços europeus da NATO, que não esteve em condições de travar, a Rússia colocou em questão os equilíbrios em matéria de forças convencionais acordados no fim da Guerra Fria e assume agora iniciativas destinadas a forçar um novo equilíbrio de poder, de que a postura na Síria é uma componente essencial. Moscovo parece aguardar pelo novo poder americano para dialogar olhos nos olhos com a única potência de que se considera (de novo) rival. Até lá, mexe algumas peças do xadrez militar, para aumentar as suas possibilidades no tabuleiro estratégico.

Vêm ai os russos? Não me parece, mas a solidão decisória de Putin não garante a prevalência da racionalidade sobre algum possível aventureirismo.

quinta-feira, outubro 20, 2016

Verbos Irregulares


Foi numa daquelas estantes que, há muitos anos, encontrei o "Portuguese Irregular Verbs". É mesmo vício de livros ou vontade de gastar dinheiro, deve estar a pensar o leitor! Para quem é português, o que é que pode interessar um livro em inglês sobre um assunto gramatical tão especioso?

Também tive dúvidas, confesso, embora o surgimento do (pouco volumoso) volume naquela zona da Shakespeare & Cia, a mais interessante livraria inglesa de Viena, me tivesse despertado a curiosidade. Quem se dedicaria àquilo e porquê? Como na "Balada da Neve", fui ver... Afinal, a explicação era simples. Tratava-se de uma obra de ficção.

O livro, de Alexander McCall Smith, relata a divertida história (conto de memória) de um filólogo alemão que, com um zelo notável, terá empreendido um estudo aprofundado sobre tão escaldante temática. Segundo a novela, a edição do livro, em que espelhava toda a sua sabedoria sobre o assunto, não se terá consagrado num êxito estrondoso, se nisso descontarmos a satisfação proporcionada ao seu próprio ego.

O estimado professor lusófilo, de que o volume acolhe pormenores deliciosos de um seminário passado na Índia, e cujo grande objetivo de vida era ser agraciado com uma condecoração portuguesa (estou a pensar levar o assunto ao Conselho das Ordens) tinha como hábito procurar saber do destino das escassas centenas de exemplares da edição da sua obra-prima. E, por essa razão, sempre que se deslocava a casa de um amigo, procurava perceber o destaque dado nas respetivas estantes ao seu monumental e volumoso estudo, incontroverso referencial sobre a matéria no mundo gramatical da lusofonia. E algumas desilusões teve. Complexa foi, porém, a sua relação com uma namorada, dentista de profissão, a quem, como era natural, oferecera um exemplar dedicado da sua tão estimada obra. O único imponderável foi, contudo, o facto desse laço afetivo se ter entretanto desfeito, com a antiga afeição, por vingança, a decidir destinar a utilização do volume como apoio para o seu pé, no arranque de dentes aos clientes...

Há horas, dei uma saltada à Shakespeare & Cia, numa rua esconsa não muito longe da catedral, como sempre faço quando calha vir a Viena. Desta vez, comprei à Shelia um estudo sobre a atual política russa. À saída, recomendou-me: "não deixe que o saco de papel apanhe chuva. A impressão do nosso logo é feita à mão e fica logo tudo sujo". Já há pouco disto...

O que mudou?


Gosto dos regressos pontuais aos locais que vivi noutras "encarnações". Ontem, sentei-me no mesmo lugar em que, há mais de 14 anos, dirigi a minha primeira reunião como presidente do Conselho Permanente da OSCE, em Viena. 

Voltar ali, agora na qualidade de orador convidado, para falar sobre questões de segurança e controlo de armamentos na Europa, foi uma experiência muito curiosa e interessante. A minha linguagem foi deliberadamente bem mais "solta" do que a que usava quando tinha responsabilidades oficiais. Não ter os constrangimentos de estar a falar em nome do país dá-nos uma cómoda liberdade, a qual, contudo, nos não isenta de, ao ouvirem-nos, saberem bem de onde vimos. E, por isso, não ser indiferente o que dizemos.

Os diplomatas mudam muito, pelo que, à volta da mesas, só encontrei meia dúzia de caras conhecidas, na maioria cruzadas noutros postos. O secretariado da organização, contudo, tem mais estabilidade, pelo que alguns contínuos, técnicos e funcionárias dos serviços de apoio me fizeram "uma festa". Estamos todos mais velhos, mas a simpatia desses velhos tempos renasceu hoje, nessas escassas horas no palácio Hofburg.

Mudou alguma coisa desde esses tempos? No essencial, não. As tensões no seio da OSCE persistem e a situação ucraniana é hoje uma pesada núvem acrescida sobre o quotidiano da organização. A minha intervenção, bem como o debate que se seguiu, versou precisamente sobre o "estado da arte" da instituição, criada para "pilotar" o fim da Guerra Fria e que agora vive atravessada por uma tensão de novo tipo. Fui "provocatório" qb, o que, creio, terá ajudado a estimular o debate. No final, o secretário-geral da OSCE, que conheço dos tempos passados notou, com agrado, que eu tinha falado, a certo ponto, da "nossa organização". "You are still one of us", gostei de o ouvir dizer.

Mas, ao olhar agora para a mesa, dei-me conta de uma diferença: passei de "chairman" que então era para "chairperson", para atender às preocupações de igualdade de género. Isto é importante? Há quem pense que sim. E a primeira pessoa a pensar assim (estou certo, mas não lhe perguntei) é a embaixadora portuguesa junto da OSCE, Graça Mira Gomes.

quarta-feira, outubro 19, 2016

Os princípios do Peter


Peter é um cozinheiro austríaco. "Herdei-o" do meu antecessor, João Lima Pimentel, quando vim para Viena, em 2002.

Era uma figura curiosa, avantajada, com forte bigodaça, fumador compulsivo, homem bastante nervoso e agitado. Mas uma jóia de pessoa. Falava uma mescla de inglês macarrónico misturado com espanhol, aprendido com as duas peruanas que a embaixada tinha ao seu serviço.

Tinha tido um restaurante, mas a sua vida dera algumas voltas inesperadas e menos felizes. Um dia, num jornal, através de um anúncio, veio parar à residência portuguesa, recrutado pelo meu predecessor. Ficou por lá 15 anos, até se aposentar.

Era um profissional de primeira água. Tinha mais de um milhar de menus diferentes e era preciso pedir-lhe a repetição de um prato, caso contrário inventava sempre algo de novo. Uma sua especialidade eram os doces, para mal eterno da minha glicose.

No meu último dia de serviço em Viena, há quase 12 anos, eu havia dito à minha mulher que gostava de ir jantar fora. Estava cansado da trabalheira que sempre é "fechar" um posto e queria espairecer um pouco. O Peter moveu montanhas para me dissuadir. Disse que tinha preparado algo especial para a nossa derradeira refeição. Pronto, lá teria que ser!

À hora de jantar, notámos que a mesa parecia posta para um banquete. Isso contrastava um tanto comigo, à vontade e de jeans, bem como com o ambiente do resto da casa, toda num reboliço de malas e empacotamento.

Começávamos a refeição quando ouvimos uns ruídos na zona da entrada. Foi-nos dada uma explicação qualquer e o jantar prosseguiu com normalidade. Até ao momento em que, da sala ao lado, saiu um som musical. De violino. E não era um, eram cinco violinos, um grupo que o Peter tinha recrutado numa escola de música, uma oferta sua para acompanhar o último jantar que nos preparava.

E foi então que ele próprio entrou na sala, fardado a rigor, com os olhos cheios de lágrimas, naquela língua de Babel, explicando, num discurso embargado, que tinha sido seu desejo despedir-se de nós com aquilo que a cultura do seu país tinha de melhor: a música. Todos nos comovemos.

Eram esses os princípios do Peter, um amigo austríaco que ganhámos.

Saudades do Esperanto

Tinham-me avisado: o condutor é sérvio, fala muito pouco alemão (eu não falo nada) e não entende uma palavra de inglês. No aeroporto, tinha um letreiro com o meu nome e percebi que sabia o endereço onde me devia conduzir. Eu até sou um conduzido geralmente prolixo mas, desta vez, fui num silêncio sepulcral (dado o meu cansaço, não me desagradou, confesso) toda a viagem. Ao chegar ao destino, vi-o passar olimpicamente em frente à porta onde eu devia ser depositado e começar a meter-se por ruas cada vez mais distantes. Tentei explicar-lhe o erro, ele respondia numa língua mistura da de Milosevic com a de Merkel, mas era difícil conseguir passar a mensagem. Entre uns "go back!", "right", "left", cheios de gestos imperativos, lá consegui levar o homem ao porto pretendido, ao fim de alguns minutos. Valeu-me conhecer bem esta cidade. Sorrimos no final da confusão.

É nestes dias que tenho pena que o esperanto, essa língua universal que anularia todas as fronteiras culturais, não tivesse afinal vingado. 

terça-feira, outubro 18, 2016

A Rússia, a Geringonça e algo mais

Tive na passada semana uma conversa com Sebastião Bugalho, jornalista de "O Sol", que deu origem a um artigo que pode ser consultado aqui.

OSCE


É com imenso prazer que regressarei amanhã, por umas horas, à Organização de Segurança e Cooperação (OSCE), em Viena, onde fui convidado a fazer uma intervenção, a título pessoal, numa reunião conjunta do Fórum para a Segurança e Cooperação e do Conselho Permanente da organização, envolvendo os representantes dos 57 países membros naqueles dois órgãos. O tema do controlo de armamentos e a necessidade de reencetar um diálogo em torno do quadro normativo das CSBM's (medidas geradoras de segurança e confiança) será a base da minha intervenção.

Não deixarei de lembrar que um importante marco na vida da OSCE foi a Cimeira de Lisboa de 1996, de onde derivou uma Declaração que se mantém como um eixo fundamental da organização e também que foi durante a Presidência portuguesa da OSCE, em 2002, que, pela última vez, foi possível ter todos os Estados a subscreverem as conclusões. A Declaração do Porto, de 2002, é o último elo de ligação entre os mundos "a Oeste" e "a Leste de Viena".

Vai ter graça regressar àqueles corredores do Palácio de Hofburg.

segunda-feira, outubro 17, 2016

Caixadóculos


Ontem, escrevi por aqui um post sarcástico em que falava de uma "caixadóculos", uma expressão que, recordo, Alexandre O'Neill consagrou na sua poesia. Logo caiu o Carmo e alguma Trindade, choveram insultos, em blogues e páginas alheias, não obstante eu nem sequer ter referido o nome da possível senhora. Ofensa, o "caixadóculos"? Eu próprio uso óculos. Está visto que a capacidade de aceitar o humor já teve melhores dias.

O orçamento

É muito curioso observar certos comentários sobre o Orçamento. Uma das conclusões mais comuns é que o PCP e o Bloco decidiram subordinar-se aos ditames de Bruxelas, a troco da anuência do PS à sua agenda reivindicativa em matéria de pensões, bandeira com que se contentarão. E, "preocupados", esses comentadores interrogam-se sobre como irão essas duas formações explicar essa "cedência" ao seu eleitorado. Preso por ter cão...

Tudologia

Hoje, lembrei-me de um amigo, frequentemente convidado para falar em público de "tudo e mais um par de botas", que um dia me disse...