quarta-feira, maio 25, 2016

Portos


A escolha de Lídia Sequeira para dirigir o porto de Lisboa foi uma excelente decisão. A gestora, que já fez uma obra notável no porto de Sines, é um nome de qualidade indiscutível, que merece toda a confiança. Conheci-a, há três anos, num trabalho conjunto e deixou-me a melhor impressão em matéria de competência.

Porém, e para além disso, a tensão em torno da greve dos estivadores introduz alguma dificuldade na conjugação de apoios que sustenta o governo. Num contexto diferente, o executivo estaria de mãos mais livres para promover soluções duras e confrontacionais, à altura daquilo que os estivadores necessitariam, tendo em conta os elevados custos do seu boicote à economia nacional. Nas atuais circunstâncias, embora o PCP não tenha ilusões de que o governo venha alguma vez a alinhar com o seu seguidismo face aos sindicatos, é óbvio que António Costa não tem as mãos completamente livres para uma intervenção musculada no conflito. E é pena! É esse o preço inevitável da "geringonça"...

terça-feira, maio 24, 2016

As dúvidas liberais

Os liberais do burgo defendem o princípio do subsídio público a (algum) ensino privado.

Mas respeita a filosofia liberal haver negócios privados que, pelos vistos, só têm sucesso se pagos pelo dinheiro dos contribuintes?

Verifica-se que, na lista dos estabelecimentos de ensino privado aos quais o Estado subcontrata os serviços, pelas carências pontuais no serviço público, surgem instituições que sujeitam os alunos a práticas religiosas diárias, que a laicidade determinada pela Constituição da República não admite no ensino público.

Estará o Ministério da Educação a respeitar a Constituição ao estabelecer contratos com este tipo de escolas? Admite fazê-lo com estabelecimentos das seitas Mormon? E neste caso, onde estão os nossos liberais? Não se indignam contra este ataque à livre escolha no ensino?

segunda-feira, maio 23, 2016

Portugal e o Atlântico

Hoje, no quadro do V Encontro "Triângulo Estratégico América Latina - Europa - África", organizado pelo IPDAL, na Culturgest, a partir das 17.30 h, debaterei o alinhamento atlântico de Portugal com Paulo Portas, Bernardo Pires de Lima e Luís Marques Mendes.

domingo, maio 22, 2016

As voltas ao circuito


- Quantos circuitos poupamos com o túnel?

A pergunta, feita na madrugada de ontem, entre dois vilarrealenses, deixou perplexo o passageiro que ia no banco de trás do automóvel naquela travessia do Túnel do Marão, numa viagem entre o Porto e Vila Real.

- O que é que vocês querem dizer com isso?

Lá tivemos que explicar...

Uma certa geração de Vila Real tem na memória o percurso antigo do circuito automóvel da cidade (substancialmente diferente do atual). Eram 6,925 km, razão pela qual a distância de 7 km se tornou familiar para muitos de nós e, mais do que isso, passou a ser uma espécie de referencial de medida. Várias vezes, por exemplo, ao ver uma placa com indicação de 35 km, dou por mim a pensar que "já só faltam cinco voltas ao circuito".

Já agora: o túnel do Marão "tira-nos" mais de duas voltas ao circuito...

sábado, maio 21, 2016

O mistério constitucional do Brasil



O Brasil tem um regime presidencialista. O governo do país é dirigido pelo presidente da República, eleito com base num programa sufragado pelo voto popular. A última eleição teve lugar em finais de 2014, tendo Dilma Rousseff sido eleita maioritariamente contra a linha proposta pelo seu opositor conservador.

No modelo presidencialista brasileiro (tal como nos EUA), os candidatos à presidência apresentam-se com um vice-presidente, para uma eventual necessidade de substituição. O vice-presidente não tem um programa próprio, isto é, sendo eleito conjuntamente, compete-lhe aplicar o programa na base do qual foi eleito o presidente - a pessoa em quem os eleitores efectivamente votaram.

Para aprovar medidas de natureza legislativa, mas não para a gestão política corrente, o presidente brasileiro necessita de ter apoio no Congresso – constituído pela Câmara de deputados e pelo Senado. Contudo, a sobrevivência do governo não depende da confiança parlamentar. Em teoria, o governo não necessitaria sequer de incluir parlamentares, mas, naturalmente, o presidente segue esse princípio, para garantir uma constante base de apoio para processo legislativo.

A presidente Dilma Rousseff encontra-se suspensa das suas funções (em teoria, apenas por 180 dias), face a acusações de que teria infringido alguns dos seus deveres constitucionais. Os defensores da presidente entendem que as razões invocadas para o seu afastamento não têm um fundamento que justifique a destituição e que todo o processo não passa de um "golpe", que gritam pelas ruas. Como dizem os juristas, a doutrina sobre este tema divide-se, pelo que não quero chamar essa polémica para aqui.

Na pendência do esclarecimento das questões que envolvem a presidente, o vice-presidente da República assumiu o seu cargo. Em tese, se o Senado brasileiro concluir pela inocência da presidente, esta poderá regressar ao cargo e o vice-presidente deixará as funções que interinamente está a desempenhar. Porém, se a presidente for afastada, e o vice-presidente assumir em plenitude o cargo até ao fim do mandato, que programa está este obrigado a aplicar ? Naturalmente aquele sob o qual foi eleito, isto é, o programa cuja aprovação popular lhe permite estar ocupar o cargo.

É que, entretanto, não houve novas eleições, pelo que só pode prevalecer a vontade maioritária expressa nas urnas da última vez que os cidadãos foram chamados a tal. Mas, perguntará o leitor, e a vontade do parlamento, o sentimento anti-Dilma evidenciado ? O regime braseleiro não é parlamentar, não escolhe o governo e este não responde constitucional e programaticamente perante o Congresso.

Assim, um vice-presidente da República que assume a presidência desta forma tem legitimidade para modificar a orientação política sob a qual foi eleito? Pode um presidente nestas condições aplicar um programa que não só é decalcado do programa derrotado nas últimas eleições presidenciais como vai muito mais longe no seu afastamento face ao programa eleito?

Na realidade, se acaso há um "golpe" político no Brasil, é este.

(Artigo hoje no jornal "Público")

sexta-feira, maio 20, 2016

Venezuela



A Venezuela é uma tragédia anunciada, desde há vários meses O governo populista de Nicolás Maduro, uma espécie de “genérico” de Hugo Chavez, conduz o país a um beco que só tem saída através de uma rutura, cujo formato prático ainda está por clarificar.

Chavez era um demagogo com carisma, que  aproveitou a riqueza do petróleo, que a Venezuela tem a rodos, para lançar generosas políticas sociais que lhe grangearam apoio de setores muito fustigados pelas profundas desigualdades que sempre marcaram o país. Porque a democracia, tal como a conhecemos nas nossas sociedades, não estava nas suas prioridadades, Chavez instituiu um modelo político que fraturou progressivamente a sociedade, hostilizando quem se opunha ao meu megalómano projeto de instituir um “remake” da mitologia gloriosa de Bolívar. De caminho, viciou o país à monocultura petrolífera, que pagava as importações maciças e dispensava tudo o resto.

Chavez morreu. Sucedeu-lhe Maduro, que foi confrontado com a queda do preço do petróleo, ficando sem recursos para suportar as políticas públicas assentes num Estado pletórico, que diabolizara a iniciativa privada a arruinara o tecido económico. Sem o menor diálogo com a oposição política, Maduro optou pela bravata, acusando o “imperialismo” e os seus supostos aliados internos de todos os males do país. O passado já provou que a direita venezuelana não é “flor que se cheire”, mas a verdade é que o principal problema é a insustentabilidade prática do modelo chavista.

Esta crise política poderia ser idêntica a tantas outras que o mundo tem, não fosse o caso de viver na Venezuela uma muito importante comunidade portuguesa, maioritariamente desafeta ao atual regime, que se teme possa vir a ser apanhada no fogo cruzado que um desfecho violento venha a originar. Há muito pouco que autonomamente possamos fazer, para além de monitorizar a situação, lado a lado com outros parceiros, nomeadamente europeus, agora que o Brasil perdeu conjunturalmente qualquer “leverage” no processo.

Há quem, retroativamente, aproveite para criticar o impulso dado por anteriores governos portugueses ao reforço dos laços económicos com a Venezuela de Chavez, realçando alguns negócios que a crise petrolífera não deixou que fossem para diante. É um erro pensar assim. Os dirigentes políticos, de Sócrates a Passos Coelho, fizeram o que deveriam ter feito: garantir às empresas contratos, que criaram aqui empregos e lucros, mesmo com os naturais riscos, ao mesmo tempo que procuraram sustentar o melhor ambiente político possível de diálogo com um país que acolhia largas dezenas de milhar de portugueses. Ou alguém já pensou no que, entretanto, poderia ter acontecido se acaso Lisboa tivesse atuado de outra forma?


Migrações e refugiados


As repercussões políticas, sociais e económicas dos fluxos migratórios, ligados a crises humanitárias, é um tema que preocupa hoje crescentes setores da sociedade portuguesa, os quais procuram acompanhar e analisar as diferenciadas respostas surgidas no contexto europeu e, muito em particular, refletir sobre a atitude portuguesa face a este fenómeno, olhando o futuro. Nos diversos fóruns de debate em que tenho participado nos últimos anos (políticos, económico-financeiros, culturais e sociais), noto que estas novas dimensões da crise emergem cada vez mais como relevantes nas preocupações das pessoas, que cada vez mais se dão conta de que, no contexto europeu onde tudo isto converge, como dizia Eduardo Guerra Carneiro, "isto anda tudo ligado".

Na 4a. feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, com a secretária de Estado Margarida Marques e Rui Pereira, debati a "Ambivalência da Europa perante o drama dos Refugiados", com moderação do jornalista Ricardo Alexandre.

Ontem, no Centro Nacional de Cultura, com o general Martins Branco e com José Manuel Felix-Ribeiro, sob moderação de Rui Vilar, abordei o "Êxodo para a Europa, em especial o modo como aquela realidade afetou o projeto europeu, procurando trabalhar algumas respostas.

Em ambas as ocasiões, entre outras considerações, exprimi a opinião de que se está a pedir à Europa respostas muito complexas, talvez demasiado ambiciosas para o seu atual grau de integração, que se situa aquém do forte tecido de políticas que seria exigível, face à gravidade de uma situação que se repercute de forma diferenciada nas agendas nacionais. A Europa que hoje temos estava apenas preparada para uma "gestão corrente" mas, claramente, não tem dimensão institucional que lhe permita responder a crises graves, em especial se estas surgirem, como estão a surgir, de forma cumulativa, provocando fortes tensões numa rede de políticas incompletas, onde se cruzam responsabilidades europeias com reservas nacionais de competência soberana. Isto é válido para os refugiados como o é para a crise do euro ou as tensões securitárias em torno de Schengen, entre outras coisas.

Uma questão que abordei nos dois debates prende-se com as responsabilidades portuguesas, para deixar uma palavra de orgulho pela atitude do nosso país, desde as entidades oficiais à sociedade civil. Embora saibamos que algumas condições particulares colocam Portugal ao abrigo de alguns dos efeitos mais dramáticos nesta crise, a posição assumida pelo nosso país desde a primeira hora, com uma reação em uníssono do espetro partidário, conferem-nos autoridades para podermos reclamar uma clara e prestigiante posição de "benchmark" no contexto europeu.

Alguns dirão que tudo isto não passa de palavras trocadas, não entendendo o caráter pedagógico deste tipo de ações, desprezando a formação de redes ativas de atenção perante os problemas e as suas sequelas, multiplicadoras do sentido de um sentido de responsabilidade solidária que importa estimular. A estes arautos de sofá, que esgrimem cinismo e crítica fácil, eu pergunto, muito simplesmente: estão a fazer melhor? 

quinta-feira, maio 19, 2016

Os desastres e as tragédias

O desaparecimento sobre o Mediterrâneo de um avião da Egyptair que fazia o voo entre Paris e o Cairo (fiz essa viagem num voo da mesma companhia, há poucos anos) é um desastre mais para a história da aviação mas é uma tragédia humana para quem dele é vítima, bem como para as respetivas famílias.

Desta vez, a tragédia abateu-se sobre um qualificado colega com fortes responsabilidades numa empresa de cuja equipa de gestão faço parte. Para os seus familares deixo aqui uma mensagem amiga de simpatia e pesar.

terça-feira, maio 17, 2016

Nós e a Venezuela


A situação atual que se vive na Venezuela tem levado alguns comentadores a criticar o reforço das relações bilaterais entre os dois países na última década, em que se empenharam os governos Sócrates, bem como os que se lhe seguiram.

Este é o momento para deixar bem claro que a ação promovida por esses executivos teve todo o sentido e merece ser saudada. Mesmo que alguns dos negócios não tenham tido sucesso - e a vida dos negócios é assim -, bastantes outros houve em que empresas portuguesas retiraram fortes lucros dessa atividade, com o que isso significou de postos de trabalho e salários para muitos dos seus colaboradores. Olhando para trás, pouco haveria a corrigir face ao que foi feito.

Na sua relação com a Venezuela, Portugal comportou-se sempre de uma forma correta. Que eu tivesse dado conta, nunca os dirigentes políticos portugueses deram nenhuma "caução" política ao populismo do regime, nunca vimos a diplomacia portuguesa transigir em matéria de princípios, por um qualquer viés ideológico induzido. Claro que José Sócrates procurou reforçar os seus laços pessoais com Hugo Chavez e é óbvio que se procurou que isso fosse lido publicamente no quadro de um entendimento, tão forte quanto possível, entre Portugal e a Venezuela, um país onde vive uma importante comunidade portuguesa e com o qual surgiram, à época, hipóteses interessantes de negócio. As relações de amizade entre Portugal e a Venezuela existiram antes de Chavez e vão sobreviver para além de Maduro.

(Um dia, em Paris, durante um encontro de membros de comunidades portuguesas em vários países, uma senhora luso-venezuelana, residente em Caracas, profundamente anti-Chavez, disse-me que ficara desagradada por ver o presidente venezuelano recebido "como um amigo" em Lisboa. Perguntei-lhe o que poderia acontecer à nossa comunidade se acaso Portugal tivesse uma atitude hostil para com Chavez. "De facto, isso poderia ser muito mau para nós", reconheceu).

Fizemos o que tínhamos a fazer com a Venezuela, da mesma forma que atuámos, e bem, ao manter um entendimento positivo com a Líbia de Kahdafy, com a qual todo o mundo teve relações económicas intensas até à véspera da sua queda. É o mesmo que hoje se faz com José Eduardo dos Santos ou com qualquer dirigente que, de facto, dirija um qualquer país junto do qual surjam oportunidades de negócio - a menos que sobre ele recaiam sanções internacionais obrigatórias ou em que entendamos dever participar, como aconteceu face ao Irão e ainda ocorre face à Rússia. Assim será no pós-Dilma: continuaremos a ter um entendimento aberto com Michel Temer no Brasil ou com qualquer outro governo brasileiro que nos "saia na rifa".

Não somos nós que escolhemos os governos dos outros e, salvo um banimento internacional decretado, damo-nos, não com um dirigente ou um governo em particular, mas com os Estados. E, naturalmente, procuraremos estabelecer com os dirigentes "de turno" nesses Estados, qualquer que seja o seu nome, as melhores e mais próximas relações. E quando estiver em causa a defesa de interesses portugueses ou de portugueses, a "realpolitik" é sempre a regra básica e imutável a seguir. 

Não perceber isto é ter da vida internacional ou uma visão "angélica" ou uma perspetiva de má fé política, ancorada em ranços ideológicos, de esquerda ou de direita. Cada um que escolha o que melhor lhe convier.

A tragédia do chavismo

Tudo indica que se aproximam momentos de extrema tensão na Venezuela. A liderança de Nicolás Maduro revela-se incapaz de encontrar soluções de natureza económica para superar a crise e a obstinada colagem ao poder deste sucedâneo de Hugo Chavez, que insiste em cortar todo o diálogo com a oposição, arrisca o país a uma catástrofe. 

Não nos pode indiferente esta crise grave numa Venezuela onde vivem centenas de milhares de portugueses. E a nossa impotência revela bem o que é a dificuldade de ação de um país como Portugal, sem meios para poder ser relevante numa questão que afeta um número muito substancial dos seus nacionais.

Maduro tem sido um presidente incompetente, mas os erros vêm de trás. Hugo Chavez e o seu sonho bolivariano, um socialismo populista cujo declínio seria acentuado em tempos mais recentes pela drástica quebra do preço do petróleo, desenharam um modelo político-económico assente no setor público, reduzindo sucessivamente espaço à economia privada, que passou a viver acossada e sob suspeição, mesmo o pequeno comércio onde operam muitos portugueses.

Nos tempos em que o petróleo alimentava os sonhos de Chavez, o Brasil era um dos grandes beneficiários das compras que a Venezuela fazia ao mundo. A balança comercial desequilibrou-se de tal forma em favor das importações oriundas do Brasil que, um dia, numa reunião bilateral em Caracas, segundo me foi contado por um ministro brasileiro presente à cena, Lula disse a Chavez algo como isto:

- O Brasil está a ganhar muito dinheiro com as exportações para a Venezuela e, à luz dos nossos interesses imediatos, eu provavelmente não deveria estar a dizer-te isto. Mas a verdade é que, a prazo, esta situação é insustentável para vocês. Não podem continuar a importar quase tudo aquilo que consomem. Há imensas coisas que poderiam produzir vocês mesmos. A Venezuela tem de criar empresas produtoras de bens essenciais.

- Tens razão! Estamos a pensar nisso. Vamos criar várias empresas públicas para a produção de bens de consumo.

- Mas eu não me referia a empresas públicas! Eu falava a dar espaço a empresas privadas, a capital estrangeiro. Há empresas brasileiras que podem estar interessadas em instalar-se aqui. Mas tens de lhes dar garantias, segurança para investimento.

A reação de Chavez foi imediata e inequívoca: 

- Privados? Não, privados não! Não queremos por aqui mais privados! 

segunda-feira, maio 16, 2016

Mezinhas


Leio hoje na imprensa que o governo pretende legislar sobre alguns falsos "medicamentos" que por aí se vendem. Não tenho a certeza de que isso vá ser conseguido e que essa vontade vá muito longe.

Há semanas, numa viagem de automóvel, durante várias horas, tive o cuidado de acompanhar numa determinada emissora de rádio repetidos e variados "spots" de propaganda a uma determinada "mezinha". A acreditar nos bem treinados intervenientes, muitos disfarçados de clientes "satisfeitos", o produto fazia bem a quase tudo, desde o funcionamento do aparelho digestivo ao colesterol, diminuía a diabetes e era deixada uma pouco subliminar sugestão de benefícios anti-cancerígenos. Tudo isto, para além de um monte de outros "benefícios" colaterais. A tramóia seguia a regra tradicional das estratégias publicitárias ("se ligar na próxima meia hora, recebe duas embalagens e paga menos x"). Só não era credibilizada com pessoas com bata e óculos, a "armar ao sério" e em fundo de "laboratório", porque não havia imagem. No resto, desde a música suave às vozes "redondas", com testemunhos de uma maioria de mulheres, como convém, estava lá tudo.

Posso avaliar o efeito apelativo que este tipo de publicidade desonesta deve ter em gente idosa ou fragilizada por doenças, em pessoas angustiadas em tentar tudo  possível, a quem estas mixórdias são impingidas, a preços que não tão baratos como isso. Dir-me-ão que, em muitos casos, se trata de placebos. Mas então, se assim é, é bem pior: estamos perante uma falcatrua. Se o "medicamento" não pode ter efeito, há que denunciar isso? Ninguém atua? Porquê? O Infarmed não pode fazer uma denúncia? As Ordens dos Médicos ou dos Farmacêuticos nada fazem? A DECO não lança campanhas televisivas ou radiofónicas contra isto, agora que o preço da publicidade anda de rastos? Não há quem proteja os consumidores no aparelho governamental?

Receio muito que pouco vá acontecer. Porquê? Porque, por exemplo, algumas dessas miseráveis peças de publicidade parecem-me ser o sustentáculo de uma certa estação que, pela música que emite, surge dedicada a pessoas de idade e que é dependente de um grupo que parece ter, de há muito, bênção divina.

Nestas questões é que eu gostava de ver ativa a vontade "fraturante" do Bloco de Esquerda. Não em relação aos alucinogénios ou às drogas falsificadas, mas às vigarices que atingem pessoas idosas ou doentes.

António Gomes da Costa


Acabo de saber que, por motivos pessoais, António Gomes da Costa deixou a presidência das várias instituições luso-brasileiras a que, por várias décadas, dedicou a sua vida e o seu empenhamento pessoal. Na história da comunidade luso-brasileira, poucas pessoas podem ombrear com António Gomes de Costa na sua devoção à tarefa de proteger, no Brasil, e com persistência, o bom nome dos portugueses, a dignidade da história lusa, a promoção da amizade entre os dois povos. Fê-lo através da sua intervenção cívica, da sua palavra na imprensa, da sua ação de acompanhamento, de direção e coordenação dessa notável rede de instituições, que em tempos foram geradas pelos portugueses no Brasil, fantásticos exemplos de realizações de que todos temos obrigação de nos orgulhar. Uma obra que é pena que não seja mais conhecida do que é, tanto por portugueses como por brasileiros.

Quando cheguei ao Brasil, em 2005, para assumir as funções de novo embaixador português, Gomes da Costa sabia que tinha à sua frente alguém de quem estava bastante distante no plano das ideias políticas. Por razões que não vêm aqui para o caso, e que o curso histórico ajuda a explicar, há setores da nossa comunidade no Brasil nos quais permanece uma afetividade ao tempo que precedeu a rutura política ocorrida em 1974. A circunstância dessa comunidade ter passado a integrar, após o 25 de abril, figuras do mundo político e económico que então buscaram refúgio no Brasil, face aos ventos revolucionários que, à época, sopravam em Lisboa, criou por ali um caldo de cultura conservadora que, como é natural, muito marcou a matriz política de algumas - ainda que não de todas - as instituições luso-brasileiras. Acresce, nesse contexto, que muitos portugueses que viviam até então na África tutelada pelo regime português, e que, em desespero, foram viver para o Brasil, reforçaram com naturalidade esse sentimento. Isso é simbolizado, até hoje, em alguma iconografia de figuras do Estado Novo que sobrevive nos salões de muitas dessas instituições, memória de um passado que alguns entendem dever continuar a reverenciar. Como é do seu pleno direito.

Um embaixador de Portugal é o embaixador de todos os portugueses que vivem no país onde está acreditado. Representa o chefe do Estado, a República e a democracia, mas tem de entender que pode haver, na comunidade desse país, quem tenha ideias que contrariam os valores que lhe cabe afirmar e promover. Isso não o deve impedir de tratar esses portugueses como quaisquer outros, porque a tal o obrigam as regras do Estado democrático que lhe cumpre defender e aplicar. Essa é, a meu ver, a superioridade moral das democracias.

É aqui que devo uma palavra de reconhecimento e muito respeito a António Gomes da Costa. Sabendo quem eu era, conhecendo as minhas ideias e as nossas diferenças, Gomes da Costa soube, com grande inteligência, desenhar um terreno de integração do novo embaixador em setores da comunidade onde figuravam muitas das idiossincrasias que referi, num entendimento subliminar onde prevaleceu sempre o muito que nos unia - o interesse de elevar o nome de Portugal e da dignidade da comunidade luso-brasileira. Recordo, como uma memória muito positiva, os muitos momentos gratificantes que passei nessa segunda "embaixada" portuguesa que é o Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, em eventos de diversa natureza, ao lado de António Gomes da Costa, que aí foi por muitos anos a figura referencial. E quero dar público testemunho de que, em todas as ocasiões em que procurei o seu apoio para iniciativas em que o seu auxílio podia ser necessário, obtive sempre a sua imediata atenção desinteressada - ou melhor, sempre interessada em contribuir para tudo o que pudesse ser útil à promoção dos valores portugueses no Brasil. Devo-lhe um sem número de atenções e, no momento em que abandona a sua generosa entrega às causas da comunidade, quero afirmar-lhe a minha sincera gratidão e admiração, na qualidade de antigo embaixador de Portugal.

Termino com uma nota um pouco mais pessoal. Um dia, eu e António Gomes da Costa demo-nos conta de que, em tempos comuns mas com um oceano de permeio, ambos havíamos trabalhado para essa grande instituição estatal que é a Caixa Geral de Depósitos. É assim ao meu amigo, mas também ao ex-colega, António Gomes da Costa que aqui deixo um forte abraço.

domingo, maio 15, 2016

O novo Brasil e o Mundo


Sucedendo à credibilização iniciada com Fernando Henrique Cardoso, a política externa de Lula da Silva havia colocado o Brasil no mapa dos poderes mundiais. A crise económica provocou um recuo nessa ambição e a gestão inábil de Dilma Rousseff fez "sumir" o Brasil da agenda internacional.

José Serra, o novo chefe da diplomacia brasileira, escolhido pela imagem moderada que projeta, tem uma tarefa difícil. Desde logo, compete-lhe fixar a ideia - que está longe de adquirida pelo mundo - de que o afastamento de Dilma cumpriu o espírito constitucional. Cabe-lhe ainda « vender » as inflexões drásticas nas políticas públicas que vão ter lugar e o modo como o novo governo irá controlar as reações expectáveis. Depois, tem de estruturar um novo discurso diplomático, consonante com a forte viragem conservadora interna, tornando-o compatível com o tecido de alianças preferenciais em que o "outro" Brasil tinha assente toda a sua estratégia durante mais de uma década. A vizinhança « bolivariana » fez já sentir essa incomodidade e ninguém esqueceque, há um ano, Serra chamou ao Mercosul « um delírio megalomaníaco ». Finalmente, o Brasil vai ser confrontado com os péssimos sinais que a constituição do novo governo trouxe para as políticas ambientais, para a igualdade de género e para o respeito pela diversidade.

A prevalência dos forte interesses económicos do país faz presumir que uma certa « realpolitik » acabará por prevalecer. O facto do novo ministro juntar nas suas competências o principal instrumento de promoção económica externa é um sinal claro. De uma coisa estou bem certo : por mais liberal que seja a agenda interna, não se verificará uma quebra significativa no tradicional protecionismo brasileiro, em especial com um governo abertamente promovido pelos interesses empresariais.

Serra tem alguns trunfos. Desde logo, a simpatia da máquina diplomática, onde a maioria dos quadros nunca esteve muito confortável com a agenda imposta por Celso Amorim e, depois, com a irrelevância a que Dilma condenou a casa. Vai contar também com a boa vontade potencial de algum mundo internacional, que vivia irritado com a complacência brasileira face à Venezuela, Cuba e outras derivas « sulistas », em matéria de democracia e de direitos humanos. EUA, Argentina e Chile irão prová-lo. A Europa, que não tem a menor «espinha» diplomática, irá «aos soluços», colando-se ao governo Temer se este tiver sucesso.

Uma nota final : a esquerda portuguesa tem de ter juízo. No tocante às relações Brasil-Portugal, carpir mágoas pelo fim de Dilma não é a mesma coisa do que ter saudades de Lula, que era um amigo de Portugal. Vou dizer uma verdade pouco simpática para alguns, mas que creio incontestável : em regra, a direita brasileira é bastante mais favorável ao reforço dos laços com Portugal do que a esquerda. As Necessidades sabem isso bem.

(Artigo que hoje publico no "Diário de Notícias")

sexta-feira, maio 13, 2016

Governo brasileiro


Que conclusões se podem retirar da composição do novo governo brasileiro?

A primeira é que este é, sem a menor dúvida, o governo mais à direita desde o fim da ditadura militar. Desde o discurso assumido aos seus integrantes, passando pelos acordos conhecidos com certos setores conservadores, nada infirma esta perceção.

Desde logo, pode deduzir-se que Michel Temer optou por um executivo muito político, que obedece em absoluto aos cânones tradicionais. Nunca terá estado em cima da mesa a hipótese de um governo com uma forte componente técnica, que poderia ser apresentada como uma resposta de responsabilidade, e até de alguma rutura com o passado recente. Tudo indica que o aparelhamento do executivo eca acomodação de fortes interesses prevaleceu, em absoluto, no seu desenho. Temer terá "costurado alianças", como se diz no Brasil, em troca de cargos. Os grandes "barões" estaduais do PMDB estão presentes ou representados, o que parece indicar que irá haver uma imediata sangria dos lugares que o PT ocupava. Curiosamente, foram feitos alguns gestos para com alguns antigos aliados de Lula, o que, contido, na lógica política local, pode não ter um significado político profundo e corresponder apenas a um "pick and choose" individualizado.

Temer terá procurado dar dois fortes sinais. 

A nomeação de Henrique Meirelles para a Fazenda (Finanças) é um recado forte aos mercados. Meirelles, um antigo quadro do Banco Boston que Lula levou para o Banco Central no seu primeiro mandato, é uma figura muito respeitada e a garantia de uma ortodoxia financeira que, no entanto, parece muito longe de ser compatível com o prosseguimento do tecido de políticas sociais que disse pretender manter intocadas. Meirelles não estará muito distante da orientação de Levy, o nome do penúltimo ministro de Dilma para o cargo, que acabou por não resistir às pressōes.

A designação de José Serra para a chefia da diplomacia é uma escolha interessante. Por um lado, compromete o grande partido da oposição ao PT, o PSDB, com a solução Temer. Embora Serra tenha "vida própria", a verdade é que o Brasil olha para ele como uma caução de Fernando Henrique Cardoso a este governo. Para o mundo exterior, José Serra é uma escolha sossegante, "a safe pair of hands". Serra, que quereria a Fazenda, terá exigido o controlo do Comércio Externo, reduzindo em grande parte o poder do ministério da Economia. Conhecendo relativamente bem o Itamarary, um ministério que sempre esteve confortável com o PSDB e menos com o núcleo próximo do PT que o dominou na última década, a escolha de Serra deve ser um alívio.

Duas notas finais.

A nomeação de Blairo Maggi para a Agricultura e de um nome fraco para o Ambiente revela o peso da "bancada ruralista" e do "agronegócio" sobre a preservação ambiental. Para certos setores ambientalistas internacionais, onde o nome de Maggi é diabolizado, isso não serão boas notícias.

Péssimo e incompreensível sinal é a circunstância do governo não ter nenhuma mulher. É uma decisão reveladora de uma imensa falta de sensibilidade política. 

O sorriso da hospedeira

A solução governativa que hoje está instalada em Portugal tem a virtualidade de nos fazer regressar à política. Basta ver o assanhamento que a questão do subsídio público a algum ensino privado trouxe para o debate para podermos constatar como eram exageradas as notícias de que a estreiteza das margens orçamentais havia esbatido, de uma vez por todas, as fronteiras entre esquerda e direita, pela imperativa imposição de um único caminho.

Já passei a fase em que alimentava o quotidiano com esse tipo de disputas, até porque, desde há muito, aprendi que há bastante mais vida para além das ideologias. Mas acho saudável que, mesmo com alguma inevitável demagogia à mistura, se abra um debate em termos de opções em matéria de políticas públicas. Considero que é um estímulo para abanar a anomia cívica que por aí anda promover um bom combate de ideias.

Este governo tem aberto a porta a que, pela primeira vez desde há muito tempo, algumas premissas, dadas como assentes no pensamento que domina o « mainstream » da nossa política, tenham sido cruzadas por interrogações. Sou crítico de algumas das agendas « fraturantes » que o Bloco tem vindo a colocar sobre a mesa. Não tanto por objeções quanto à sua razão de fundo, mas muito mais por um  juízo negativo sobre a sua oportunidade, face a uma opinião pública que pode ter alguma dificuldade em achá-las conformes com a hierarquia da sua agenda de preocupações. Porém, tenho de reconhecer que, sem essa pressão « à esquerda », o PS português dificilmente abandonaria o espartilho de « neutralização » ideológica em que caminhava e que hoje marca muita da social-democracia europeia. 

Há, contudo, duas grandes questões a que só o futuro responderá e ambas se interligam. A primeira é saber se a adoção, cada vez mais evidente, de uma governação política mais à esquerda irá, ou não, alienar setores do tradicional eleitorado socialista, ao mesmo tempo que os louros dessa deriva progressista são colhidos pelos seus parceiros. A segunda questão é o « teste do algodão », isto é, se, no final de contas a « geringonça » funciona ou não, naquilo que verdadeiramente interessa e que não é tão pouco como isso : retoma do crescimento,  redução do desemprego, melhoria significativa da condição de vida dos mais pobres, sustentação das políticas públicas essenciais, enfim, um Estado social eficaz com o bem-estar das pessoas no seu centro.

Para já, perante alguma inevitável perplexidade face aos números económicos que por aí surgem nas últimas horas, sigo a velha regra que adoto nas viagens aéreas, em ocasiões de turbulência : olho para a cara das hospedeiras. E, até ver, António Costa continua a sorrir.

quinta-feira, maio 12, 2016

Fernanda Câncio

Creio que nunca encontrei pessoalmente Fernanda Câncio, a jornalista do DN que foi namorada de José Sócrates. Apenas falámos telefonicamente duas vezes: aquando de um perfil que estava a redigir sobre uma efémera figura política da nossa praça que era minha conhecida e a propósito da comunidade portuguesa em Paris, depois dos atentados terroristas de há meses. Aqui entre nós, reconhecendo que escreve bastante bem e tem uma frontalidade e uma coragem não despiciendas, estou muito longe de fazer parte do "clube de fãs" das suas cruzadas pelo "politicamente correto" em questões de género e outras temáticas "fraturantes", em que se soma, com regularidade, à agenda obsessiva do Bloco.

Escrevo motivado pelo longo artigo que Fernanda Câncio ontem publicou na "Visão", onde descreve, com pormenor, a saga em que se vê envolvida nos dias que correm, por ter sido arrastada para todo esse magma de lama que dá pelo nome de "Operação Marquês". Li aquilo e não quis acreditar. E não sei o que mais me chocou: se o reino kafkiano em que se tornou o nosso sistema de justiça (e de injustiças), um polvo à solta, aproveitado por alguns e que se projeta como uma séria ameaça sobre todos; se a canalhice de alguma dita comunicação social, confrades profissionais de Fernanda Câncio. Noto esta frase significativa: "Não tenho forma de ganhar esta guerra porque o simples facto de a travar significa que já a perdi". Os patrulheiros que só leem "as gordas" e estão à coca de tudo quanto possa favorecer o caso contra o antigo primeiro-ministro desiludam-se: de nada do que Fernanda Câncio diz no texto se pode inferir qualquer juízo sobre a inocência ou culpabilidade de Sócrates - tema que não é para ali chamado.

Repito: não conheço Fernanda Câncio mas, depois de ler o que escreveu, quero daqui deixar-lhe a minha solidariedade. Ela não precisa dela para nada, mas a mim faz-me falta dar-lha para ficar de bem comigo mesmo.

quarta-feira, maio 11, 2016

Os pontos no "i"

A jornalista que me contactou, cujo nome não notei, foi simpática e educada. Disse-me que falava do jornal "i" e pediu-me uma declaração sobre um determinado assunto, que não cheguei a deixar que explicitasse. 
Foi ontem à tarde e a minha resposta foi imediata: "Tenho muita pena, minha senhora, mas, para o jornal "i", não falo. O seu jornal, há semanas, fez uma notícia falsa e em tom de baixa intriga a meu respeito e, não obstante eu ter escrito de imediato ao vosso diretor, não só não corrigiu o título na plataforma online como não teve a delicadeza de me dar uma resposta. Por isso, não falo para o "i"".
jornalista, que se mostrou conhecedora do assunto que havia motivado a minha indignação, foi correta e não insistiu. E eu fiquei de bem comigo mesmo. Há dias felizes, não há?

terça-feira, maio 10, 2016

Dr. José Aguilar



Esta imagem tem muito de rural ou, no mínimo, de periferia urbana. E, contudo, as aparências iludem. O caminho que aqui se vê não está, em linha reta, a mais de cem metros do centro da cidade de Vila Real. Era por ali que eu ia para a escola primária. Era assim Vila Real.

Descobri ontem esta fotografia (e copiei-a com o iPhone), numa exposição organizada pelo Museu do Som e da Imagem de Vila Real, que reúne trabalhos fotográficos antigos do dr. José Aguilar, um dos escassos nomes da advocacia local desse tempo, figura desaparecida já há 35 anos.

José Aguilar era uma personalidade bastante interessante, um profissional destacado do foro, com obra ficcional publicada, muito bom cultor da língua. Tinha um perfil físico caraterístico, que sempre me evoca a imagem que criei do brasileiro urbano que via na "Manchete" ou na "Cruzeiro": homem ligeiramente avantajado, escasso cabelo puxado para trás, bigodinho fino, elegantemente vestido, creio que fumador de boquilha (mas posso estar enganado). Usava chapéu e recordo bem a sua figura a passear na avenida onde ficava o seu escritório ou a passar, pausado, nos corredores do "Club" da terra. Tinha um tom de voz algo roufenho, que o filho homónimo herdou.

Há alguma razão particular para me lembrar desses pormenores de um advogado de Vila Real? Provavelmente, muitas pessoas da minha geração terão gravadas na sua memória impressões idênticas: sobre o dr. José Aguilar bem como sobre algumas escassas dezenas figuras dessa Vila Real de então. Não muitas mais. Porque a cidade - e era assim em Vila Real como o seria certamente em Viseu, Leiria ou Portalegre - "eram" essas figuras. 

Vila Real era um mundo muito pequeno, claramente identificado nos seus contrastes, em que alguns nomes sobressaíam e, com naturalidade, marcavam a paisagem urbana que o miúdo de então que eu era iria fixar para sempre. Havia uma meia dúzia de advogados na cidade, uma dúzia de médicos, um grupo maior de professores do liceu cujos nomes todos conhecíamos, ao lado de outros profissionais de destaque. Eles eram o "establishment", uns com mais poder e influência, outros relevados pelas importância local das suas ocupações. Eram algumas dezenas de personalidades conhecidas, do comércio à função pública, do exército aos "proprietários" ou "capitalistas". Alguns eram intelectuais nas horas vagas, gente que dava umas horas à escrita e às ideias, como era o caso do dr. José Aguilar.

Pergunto-me o efeito que projetará nas novas gerações vilarrealenses uma exposição como aquela que ontem visitei, para além da curiosidade da descoberta, nas imagens, de pedaços reconhecíveis da cidade muito diversa em que hoje vivem. É que a graça que achamos à reportagem fotográfica do nosso passado é sempre irreproduzível e não é transferível. Por mim, devo dizer que passear pela Vila Real da objetiva do dr. José Aguilar me "rejuvenesceu", deu-me bastante prazer e dá-me agora o ensejo de enviar à sua família, em especial ao Zé e ao Jói, um abraço de velha amizade.

segunda-feira, maio 09, 2016

A universidade dos guizos

Na sua imperdível coluna no DN, o meu amigo Zé Ferreira Fernandes refere-se hoje a uma antiga "universidade" para carteiristas, que a tradição coloca no Porto, nos anos 50. O jornalista situa-a na Areosa; a minha versão, já com décadas, dava-a em Ermesinde, ali ao lado.

Segundo rezam as crónicas, os discentes eram nela ensinados com um espantalho, cheio de guizos, de cujas vestes aprendiam a "aliviar" os tansos, sob a orientação especializada de velhos cultores da arte, useiros e vezeiros das multidões das feiras da região.

(Não deixa de ter graça um facto bem real: na linguagem dos carteiristas, o primeiro contacto com a vítima, quando o "operador" procura detetar a parte do corpo onde está a carteira, chama-se precisamente "toque do guizo". Por que será?)

Ferreira Fernandes relembra hoje esta história, a propósito da famosa "Quina", uma carteirista de 86 anos que, desafiando as regras da aposentação, teima em continuar a exercer a sua atividade, o que a obriga a regulares e menos simpáticos encontros com a polícia.

Ora o "Correio da Manhã" - esse órgão de "formação" que dá alento ao dito de que "o crime compensa" - informa que "Quina" mora precisamente... em Ermesinde! E esta, Zé Ferreira Fernandes?!

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...