A situação atual que se vive na Venezuela tem levado alguns comentadores a criticar o reforço das relações bilaterais entre os dois países na última década, em que se empenharam os governos Sócrates, bem como os que se lhe seguiram.
Este é o momento para deixar bem claro que a ação promovida por esses executivos teve todo o sentido e merece ser saudada. Mesmo que alguns dos negócios não tenham tido sucesso - e a vida dos negócios é assim -, bastantes outros houve em que empresas portuguesas retiraram fortes lucros dessa atividade, com o que isso significou de postos de trabalho e salários para muitos dos seus colaboradores. Olhando para trás, pouco haveria a corrigir face ao que foi feito.
Na sua relação com a Venezuela, Portugal comportou-se sempre de uma forma correta. Que eu tivesse dado conta, nunca os dirigentes políticos portugueses deram nenhuma "caução" política ao populismo do regime, nunca vimos a diplomacia portuguesa transigir em matéria de princípios, por um qualquer viés ideológico induzido. Claro que José Sócrates procurou reforçar os seus laços pessoais com Hugo Chavez e é óbvio que se procurou que isso fosse lido publicamente no quadro de um entendimento, tão forte quanto possível, entre Portugal e a Venezuela, um país onde vive uma importante comunidade portuguesa e com o qual surgiram, à época, hipóteses interessantes de negócio. As relações de amizade entre Portugal e a Venezuela existiram antes de Chavez e vão sobreviver para além de Maduro.
(Um dia, em Paris, durante um encontro de membros de comunidades portuguesas em vários países, uma senhora luso-venezuelana, residente em Caracas, profundamente anti-Chavez, disse-me que ficara desagradada por ver o presidente venezuelano recebido "como um amigo" em Lisboa. Perguntei-lhe o que poderia acontecer à nossa comunidade se acaso Portugal tivesse uma atitude hostil para com Chavez. "De facto, isso poderia ser muito mau para nós", reconheceu).
Fizemos o que tínhamos a fazer com a Venezuela, da mesma forma que atuámos, e bem, ao manter um entendimento positivo com a Líbia de Kahdafy, com a qual todo o mundo teve relações económicas intensas até à véspera da sua queda. É o mesmo que hoje se faz com José Eduardo dos Santos ou com qualquer dirigente que, de facto, dirija um qualquer país junto do qual surjam oportunidades de negócio - a menos que sobre ele recaiam sanções internacionais obrigatórias ou em que entendamos dever participar, como aconteceu face ao Irão e ainda ocorre face à Rússia. Assim será no pós-Dilma: continuaremos a ter um entendimento aberto com Michel Temer no Brasil ou com qualquer outro governo brasileiro que nos "saia na rifa".
Não somos nós que escolhemos os governos dos outros e, salvo um banimento internacional decretado, damo-nos, não com um dirigente ou um governo em particular, mas com os Estados. E, naturalmente, procuraremos estabelecer com os dirigentes "de turno" nesses Estados, qualquer que seja o seu nome, as melhores e mais próximas relações. E quando estiver em causa a defesa de interesses portugueses ou de portugueses, a "realpolitik" é sempre a regra básica e imutável a seguir.
Não somos nós que escolhemos os governos dos outros e, salvo um banimento internacional decretado, damo-nos, não com um dirigente ou um governo em particular, mas com os Estados. E, naturalmente, procuraremos estabelecer com os dirigentes "de turno" nesses Estados, qualquer que seja o seu nome, as melhores e mais próximas relações. E quando estiver em causa a defesa de interesses portugueses ou de portugueses, a "realpolitik" é sempre a regra básica e imutável a seguir.
Não perceber isto é ter da vida internacional ou uma visão "angélica" ou uma perspetiva de má fé política, ancorada em ranços ideológicos, de esquerda ou de direita. Cada um que escolha o que melhor lhe convier.
11 comentários:
Não sou expert. Ilações destas são incongruências. Então, sr. embaixador, que moral e que princípios há no meio de tudo isto? Maduro, José Eduardo dos Santos, Raul Castro, Obama são tudo meninos de coro. Coro alto, quiçá. Assim, não vamos lá.Abespinham-se com Durão Barroso e santificam o artigo de Jorge Sampaio no "Público". É por estas e por outras que até já nem a classe dita média acredita nesta merda. Vitorino e um tal Campos e Cunha, que até apoiou as exposições de uma tal Sofia Areal, vão para o SANTANDER. Venha a mim o vosso reino. Amen. Pilim e poder são o que são. Não se admirem que a populaça se farte de tudo isto!!!! A vertical e a horizontal são o que são. A coluna vertebral é horizontal ou vertical???? Eu já não sei.
De acordo relativamente à necessidade de não termos um 'parti-pris' ideológico relativamente aos Governos legítimos (do ponto de vista do Direito Internacional) de cada País na condução de relações diplomáticas ou mesmo comerciais com os ditos Países. Mas, como os Governos são como as flores, um dia secam e caem e são substituídos por outros, convém manter um distanciamento saudável em relação a todos os Governos, mas em particular àqueles que não são legitimados pelo voto popular em eleições livres (e incluo aí o atual Governo do Brasil). É que um dia em que em Angola, por exemplo, o MPLA seja substituído por outro Partido no poder, este pode bem vir cobrar a Portugal a sua atitude passada relativamente ao atual regime de Luanda. Nesse sentido, nunca compreendi a atitude de Sócrates relativamente a Kadhafi ou a Chavez. E isto independentemente das relações pessoais (que podem ser excelentes ou não) entre as pessoas ou da necessidade de receber os governantes de outros países com toda a dignidade que é devida aos cargos que ocupam. Amigos, amigos, negócios à parte!
Concordo. O socrates presumo tinha outros motivos (sugiro a triangulação S Silva,Chaves Construções Lena)
Grande post Embaixador. Algumas pessoas por elas escolhiam os governos em todos os Países. Falou ai e bem em ranços ideológicos. Aqui temos nos comentadores habituais espécies dessas tanto á esquerda( Joaquim Freitas, Manuel Silva, Jaime Santos,Lavoura etc etc) e também da direita( Breyner, Reaça etc etc). Enfim uns ingénuos e uns demagógicos. Embaixador, estes que atrás citei, são dos tais que tem bandidos de estimação. Falou ai outra coisa que eles não entendem, acima de tudo os interesses de Portugal e dos portugueses nos vários países.
Francisco um texto muito inteligente e de extrema oportunidade. Parabens!
Hoje "herois", amanhã ditadores , e vice-versa...!
Já que o caro anónimo das 20:49 me nomeia, permita-me que lhe responda. Não pretendo escolher o Governo de nenhum País exceto o meu, e também não tenho bandidos de estimação. Faço, muito naturalmente, uma apreciação sobre a conduta de políticos no meu País e fora dele (como faz aliás o Sr. Embaixador, por exemplo). E vou continuar a fazê-lo, goste o meu caro ou não. Julgo ainda que posso exigir aos políticos que elejo que se comportem com um módico de princípios e de prudência, mesmo nas relações internacionais. Não gostaria mesmo nada que se repetissem momentos como aquele em que o Governo de Cavaco Silva votou contra uma resolução da AG da ONU que exigia a libertação de Mandela (que felizmente não levou a represálias contra a nossa comunidade na África do Sul depois do fim do Apartheid), ou quando Durão Barroso decidiu servir de mordomo na Cimeira das Lajes, ou ainda outro momento bem mais recente em que uma coligação algo estranha derrotou um voto da AR para que se respeitassem os Direitos Constitucionais de Cidadãos Angolanos, entre os quais um com nacionalidade portuguesa (cujo bem-estar presente me deixa seriamente preocupado). Nessa medida, gostaria que o novo Governo mantivesse a atitude inteligente, vigilante e distanciada que caraterizou a sua atuação durante esta recente polémica, que contrastou pela positiva com, por exemplo, a atitude de um ex-Líder Político que veio pedir para que não se judicializasse a relação com Luanda... Finalmente, não meto no mesmo saco os superiores interesses do meu País com os interesses de negócios, ainda que perfeitamente legítimos, de cidadãos portugueses no Estrangeiro...
Hoje "heroi", amanhã "ditador" , e/ou vice-versa !!!!!!!
Muito bem. Concordo inteiramente, com exceção do parágrafo relativo às sanções ao Irão e à Rússia. Em minha opinião, sanções económicas nunca, porque elas limitam a liberdade de os cidadãos terem as relações económicas que quiserem e com quem lhes apetecer. E a liberdade dos cidadãos é o mais importante de tudo.
Apenas ressalvo que as empresas, para além de eventuais colaboradores, têm trabalhadores. É que parece que o termo trabalhador está proscrito em alguns sectores da nossa sociedade.
Também gostei muito do post, mas apesar do que aprendo apor aqui e por aí, tenho dificuldade em encontrar o fio de prumo decorrente claro da minha ignorância.
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