Já lá não ia há alguns meses, à Sala dos Embaixadores, uma bela dependência adjacente ao gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros, com uma excelente vista para a Tapada das Necessidades, onde são recebidos visitantes e delegações.
Dei ontem por mim a pensar nas várias circunstâncias em que por ali estive, de cenas de que fui testemunha à volta daquela bela mesa de mármore.
Fixei bem a primeira vez, creio que em 1976, numa reunião com Melo Antunes, quando uma comissão encarregada das relações com os países árabes, presidida pelo eng° Torres Campos, foi dar conta da sua atividade ao ministro. Torres Campos apresentou cada membro da delegação mas, por lapso, esqueceu-se de mencionar o seu chefe de gabinete. Melo Antunes inquiriu: "E aquele senhor ao fundo, quem é?". Embaraçado, o presidente da comissão explicou que se tratava do eng° António Guterres...
Recordei-me depois, entre inúmeros episódios nessa sala, da estupefação de um ministro de um país dependente da cultura da banana perante um seu homólogo português que cuidava em "explicar-lhe" como funcionava a economia do produto à escala global. Veio-me também à memória uma cena tensa, com uma delegação estrangeira a levantar-se, ofendida, a meio de uma reunião, por uma descuidada frase de um governante português, connosco a persegui-los pelo corredor, convencendo-os a regressar à mesa negocial. Por ali fui testemunha de hábeis conversas que ajudaram a mudar posições de outros Estados que caminhavam em nosso desfavor, bem como de horas de "langue de bois" diplomática, a "encher pneus", com ambas as partes a gastar tempo em conversa "de chacha", para preencher calendário, em visitas formais e sem agenda substantiva. Foi nessa sala que um dirigente africano, a quem um ministro português paternalisticamente recomendava uma maior parcimónia aos governantes do seu país no uso dos dinheiros públicos, perguntou se ele seria capaz de viver se tivesse, como ele, um salário oficial de 25 dólares por mês. E, também por ali, ouvi ou participei em discussões muito interessantes, produtivas, bem como assisti, fascinado, a intervenções de grandes personalidades, figuras que marcaram a história diplomática internacional. Naquela sala aprendi muito, até nos erros que vi cometer.
Vi naquela sala um pouco de tudo, da parte de muitos dos 21 ministros dos Negócios Estrangeiros com quem trabalhei ao longo de quase quatro décadas: uns extraordinariamente competentes, outros embaraçosamente inábeis, embora todos - tenho de reconhecer - cada um à sua maneira, procurando atuar o melhor possível em nome dos interesses do país.
Num recorte de jornal que guardo não sei onde, vejo-me naquela sala, de pé, no final dos anos 70, abrindo a pasta de um acordo a ser assinado por um ministro ou diretor-geral. Ali estou eu, nessa fotografia, fácies grave, com um inapropriado blazer de inenarráveis quadrados, uma bigodaça farfalhuda e um imenso cabelame, típico da época. Belos tempos? Não, apenas outros tempos.
Dei ontem por mim a pensar nas várias circunstâncias em que por ali estive, de cenas de que fui testemunha à volta daquela bela mesa de mármore.
Fixei bem a primeira vez, creio que em 1976, numa reunião com Melo Antunes, quando uma comissão encarregada das relações com os países árabes, presidida pelo eng° Torres Campos, foi dar conta da sua atividade ao ministro. Torres Campos apresentou cada membro da delegação mas, por lapso, esqueceu-se de mencionar o seu chefe de gabinete. Melo Antunes inquiriu: "E aquele senhor ao fundo, quem é?". Embaraçado, o presidente da comissão explicou que se tratava do eng° António Guterres...
Recordei-me depois, entre inúmeros episódios nessa sala, da estupefação de um ministro de um país dependente da cultura da banana perante um seu homólogo português que cuidava em "explicar-lhe" como funcionava a economia do produto à escala global. Veio-me também à memória uma cena tensa, com uma delegação estrangeira a levantar-se, ofendida, a meio de uma reunião, por uma descuidada frase de um governante português, connosco a persegui-los pelo corredor, convencendo-os a regressar à mesa negocial. Por ali fui testemunha de hábeis conversas que ajudaram a mudar posições de outros Estados que caminhavam em nosso desfavor, bem como de horas de "langue de bois" diplomática, a "encher pneus", com ambas as partes a gastar tempo em conversa "de chacha", para preencher calendário, em visitas formais e sem agenda substantiva. Foi nessa sala que um dirigente africano, a quem um ministro português paternalisticamente recomendava uma maior parcimónia aos governantes do seu país no uso dos dinheiros públicos, perguntou se ele seria capaz de viver se tivesse, como ele, um salário oficial de 25 dólares por mês. E, também por ali, ouvi ou participei em discussões muito interessantes, produtivas, bem como assisti, fascinado, a intervenções de grandes personalidades, figuras que marcaram a história diplomática internacional. Naquela sala aprendi muito, até nos erros que vi cometer.
Vi naquela sala um pouco de tudo, da parte de muitos dos 21 ministros dos Negócios Estrangeiros com quem trabalhei ao longo de quase quatro décadas: uns extraordinariamente competentes, outros embaraçosamente inábeis, embora todos - tenho de reconhecer - cada um à sua maneira, procurando atuar o melhor possível em nome dos interesses do país.
Num recorte de jornal que guardo não sei onde, vejo-me naquela sala, de pé, no final dos anos 70, abrindo a pasta de um acordo a ser assinado por um ministro ou diretor-geral. Ali estou eu, nessa fotografia, fácies grave, com um inapropriado blazer de inenarráveis quadrados, uma bigodaça farfalhuda e um imenso cabelame, típico da época. Belos tempos? Não, apenas outros tempos.