sexta-feira, fevereiro 03, 2017

O poder da exceção


Há dois dias, ouvimos o novo responsável pela Defesa dos Estados Unidos exigir ao Irão o estrito cumprimento de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, relativa ao seu equipamento militar. Ninguém lhe ouvirá, contudo, uma palavra de exigência a Israel para que cumpra as múltiplas resoluções, aprovadas no mesmo âmbito, que o governo judaico se recusa a respeitar desde há décadas.

Os americanos foram os inspiradores da ordem multilateral em que vivemos, após a Segunda Guerra mundial. As Nações Unidas e as instituições de Bretton Woods (o Banco Mundial e o FMI) devem-se ao seu impulso. Mas é uma evidência que os Estados Unidos tiveram sempre uma leitura muito própria do seu papel no mundo: usam as instituições multilarerais tanto quando podem, delas retirando legitimidade para aquilo que corresponde aos seus interesses, mas recusam-se, por sistema, a aceitar ficar em minoria nessas instâncias, isto é, a acatar uma vontade que não seja a sua. Perante esses casos, decidem ações unilaterais (como fizeram no Iraque, em 2003) ou jogam com a asfixia financeira das organizações (como fizeram na Unesco, em 2011), não pagando as contribuições a que livremente se obrigaram. Este multilateralismo “à la carte” representa a arrogância de uma potência que tem consciência de que a sua força é um fator que pode sobredeterminar muitas coisas. E, mais do que isso, que intimida e, frequentemente, faz vergar os outros.

Note-se que este comportamento americano não é exclusivo das administrações republicanas. Com maior ou menor frontalidade, em todos os ciclos politicos de Washington houve sempre uma reserva dessa espécie de direito à “excecionalidade”. Se o “outro lado” geopolítico do mundo nunca aceitou este autoproclamado estatuto, os aliados ocidentais, temerosos e dependentes, foram-se quase sempre acomodando a este “poder de facto”. 

Apesar desta sua prática, Washington nunca abandonou, sobre o seu compromisso perante o mundo multilateral, uma retórica discursiva de adesão teórica aos seus princípios. E a retórica, mesmo hipócrita, é sempre reveladora da existência de alguma saudável vergonha.

Isso, agora, parece ter acabado. A primeira declaração da nova embaixadora americana nas Nações Unidas é um atestado de rejeição frontal dos fundamentos por que se rege a comunidade internacional. A nóvel diplomata deixou claro que está ali para fazer prevalecer a vontade dos EUA na a ONU, e que “tomará nota dos nomes” dos países aliados que a tal se oponham. E outros sinais já surgiram, entretanto, denunciando que a cartada financeira será usada para condicionar o funcionamento futuro das várias estruturas da organização.

Podemos imaginar a magnitude da tarefa que aguarda António Guterres num contexto como este. Só lhe podemos desejar sorte, porque coragem sabemos que nunca lhe faltará.   

13 comentários:

Unknown disse...

Depois de tanta gente a cantar loas, anos e anos,aos EUA e Inglaterra sabe bem ler isso

Joaquim de Freitas disse...

Grande texto, Senhor Embaixador ! No fundo e na forma. Certamente um dos melhores que, aqui, no seu blogue, publicou. Não somente subscrevo tudo o que escreveu, como o vou traduzir em inglês e o vou enviar a alguns amigos americanos em correio privado.

Anónimo disse...

Entretanto, aqui por dentro deste país à beira mar plantado, o governo PS encontra-se neste momento entre o sitiado e o sequestrado.

O dinheiro para distribuir pelas clientelas está a esgotar-se e as "piranhas/clientelas" vorazes como são, querem sempre mais e mais.

O contrair divida começa a tornar-se impossível, os juros estão altos a 4,2%.

Sem mais dinheiro para distribuir às "piranhas/clientelas" o clima vai ficar mais deteriorado,o "cheiro a podre " desta geringonça vai ficar mais acentuado!.

Anónimo disse...

Roma era assim, agia de forma semelhante, embora mais tolerante para com as outras culturas e fés. Quer Roma,ontem, quer os EUA, hoje, pelo facto de projectam (projectaram)Poder, fazem (fizeram)o que querem e ainda lhes sobra (sobrou) tempo. Até um dia, como sucedeu com Roma. Quanto a Guterres, poderá vir a ser o melhor SG das NU de sempre, como aqui há tempos escrevia uma articulista no The Guardian. Temo é que lhe venha a suceder o mesmo que a Boutrus Ghali e os EUS, caso Trump ainda for Presidente, lhe vete um segundo mandato.
D. Fragoso

Anónimo disse...

O anónimo das 12.22 esquece que aquilo que refere se deve, em boa parte, a decisões do Presidente do Eurogrupo, esse lacaio do sinistro Ministro das Finanças alemão, que mais não são do que manobras para destabilizar o nosso governo, de esquerda, com vista a vacinar outras potenciais aventuras do género e nos punir por não trilharmos o caminho que os seus criados de mesa aqui em Portugal, Passos/Portas/Gaspar/Albuquerque, tinham feito. Aquelas taxas de juro não são produto do acaso, nem inocentes, têm uma origem: Bruxelas (eurogrupo) e Berlim. E pergunta-se, onde está o patriotismo de Passos? Não existe, visto preferir que o País passe por problemas economico-financeiros, para assim justificar que o seu falhado e reaccionário governo, de que tem tantas saudades, é que era a solução para as nossas maleitas politico-sociais.
Meu caro, não se deixe enganar, é o conselho que lhe dou.
D.Fragoso

Joaquim de Freitas disse...

Por vezes há textos que gostaria de compreender : O que é que o texto do anónimo das 12:22 tem a ver com o tema do “post” que comenta ?

José Alberto disse...

António Guterres tem, reconhecidamente, muitas qualidades, mas nem só de qualidades vive o homem. A FÉ será talvez o que faz a maior diferença em relação a outros também com muitas qualidades mas para quem a FÉ nada diz.

José Alberto disse...

A política dos EUA nem era a do gato escondido com o rabo de fora, como fica bem claro neste texto de FSC. Será legítimo, com a devida distância temporal e de forma, podermos afirmar que parecem desenhar-se no horizonte acções tipo macartismo mas deste século em que vivemos?

José Alberto disse...

A política dos EUA nem era a do gato escondido com o rabo de fora, como fica bem claro neste texto de FSC. Será legítimo, com a devida distância temporal e de forma, podermos afirmar que parecem desenhar-se no horizonte acções tipo macartismo mas deste século em que vivemos?

Jaime Santos disse...

Como o Sr. Embaixador bem nota, a hipocrisia ('o elogio que o vício presta à virtude') denota a existência de vergonha e a vergonha é, apesar de tudo, um poderoso constrangimento à ação. Trump é brutalmente honesto, porque lhe falta qualquer réstia de vergonha. Gosto especialmente das palavras de Haley. O que ela vai fazer àqueles que não obedecem à linha americana? Partir-lhes as pernas com um taco de basebol? E isto devia fazer pensar aqueles que reclamam pela suposta perda de soberania que representa a nossa pertença à UE. Como o exemplo do RU bem mostra, resta agora a May ir mendigar umas migalhas a Washington enquanto ouve Trump a negar tudo em que ela (ainda?) acredita. Num mundo de nacionalismos, não há amigos. Há adversários externos, inimigos internos e o ocasional e temporário aliado, que se trai (e se invade, quando se pode) quando é preciso. Os peixes grandes comem os pequenos e é tudo. Seria triste que Portugal, que pela ação de Mário Soares e de outros evitou tornar-se num estado cliente de Moscovo nos idos de 1975 (ao que parece, os Russos nem sequer olhavam para isso com grande entusiasmo), fosse agora cair no regaço de Trump ou de um seu sucedâneo, ou então de uma versão continental do atual Presidente americano...

José Alberto disse...

Comentário à publicação de D. Fragoso:
- Segundo nos diz a história todos os impérios acabam por ter o seu fim. Acredito que o percurso da história actual não irá ser diferente do passado. O imperialismo americano também terá os dias contados (aliás já parece estar em decadência), tal como o Russo, o emergente imperialismo chinês, etc. Só temos que esperar para ver. Se ainda formos vivos quando isso acontecer, lol.

"Roma era assim, agia de forma semelhante, embora mais tolerante para com as outras culturas e fés. Quer Roma,ontem, quer os EUA, hoje, pelo facto de projectam (projectaram)Poder, fazem (fizeram)o que querem e ainda lhes sobra (sobrou) tempo. Até um dia, como sucedeu com Roma. Quanto a Guterres, poderá vir a ser o melhor SG das NU de sempre, como aqui há tempos escrevia uma articulista no The Guardian. Temo é que lhe venha a suceder o mesmo que a Boutrus Ghali e os EUS, caso Trump ainda for Presidente, lhe vete um segundo mandato."
D. Fragoso

Anónimo disse...

E saberão,ela é o seu chefe, o nome dos países?
Fernando Neves
.

Anónimo disse...

Senhor Embaixador
Aqui a LINA , a tal que nem existe desde 2004: està a ver ?
O Senhor sera sempre aquela pessoa que eu tanto esperei e que nunca pude encontrar...As saudades do Portugal me acompanham e isto para a eternidade agora...
Sem querer interferir na sua vida de familia , se um dia o Senhor ouvir dizer que a minha menina eva maria lina blouin nascida em frança , no 14 arrondissement em paris , em port royal nos prematuros em 1989 no dia 21 abril foi enterrada num algum lugar em frança, e que o pouco de familia que me resta ouvir dizer que ela ou eu fomos pessoas malvadas quero que saiba que nem é verdade. Tenho muita pena que ela nem pode ter a nacionalidade portuguesa na época .Como o Senhor percebeu estamos todos mortos em frança pelo poder de o puder fazer ... Ao menos o seu nome é escrito agora .Penso que isto deve ser o ultimo trastorno . O meu desgosto agora é que nem queria ser enterrada em frança mas o poder decidiu outro. Uma chapa de cimento sem nome mas creio com etiquetas horriveis ...Nao é a minha escolha .Um abraço à portuguesa duma antiga portuguesa com um coraçao portugues para a eternidade . O meu diploma de frances està diluido para a eternidade para mim e é a minha pior deceçao linguistica que nos causou este assassinio e agonia lenta nas nossas identidades . Tudo fica em ordem deste lado.Uma impostura que algo raro se mostrou a mim na minha vida .Agora penso que a unica coisa que fica é morrer com o meu amigo xavier birette em silencio dum lado como do outro dos paises respetivos.EFFACES .

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...