quinta-feira, fevereiro 02, 2017

Paris e este blogue


Faz hoje precisamente oito anos. Cheguei nessa noite a Paris, ido de Lisboa, para aquele que seria o último posto da minha carreira diplomática. A certeza da data do termo das minhas funções (à época, os diplomatas não podiam permanecer no estrangeiro depois dos 65 anos) permitia-me planear os quatro anos à minha frente com alguma calma. E, nesse dia, iniciei este blogue.

Paris havia sido uma escolha minha. Simpaticamente, tinham-me sido dadas várias outras e interessantes possibilidades em matéria de postos, mas optei pela experiência numa cidade que (pensava que) conhecia bem, com uma cultura que me era muito próxima. Paris era o sonho da minha juventude, para onde, nos anos 60, partira de Lisboa à boleia, como um muçulmano vai a Meca. A partir de então, com a periodicidade que me era possível, fui um visitante frequente da cidade. Aí viver por alguns anos não era uma hipótese que me pudesse ser indiferente. Mas, nos quatro anos que se seguiram, aprendi bem a diferença entre ser turista e residente...

Dois outros fatores me entusiasmavam. A França era um parceiro central do processo europeu e eu tinha uma especial apetência (e, vá lá, conhecimento) pela matéria, pelo que achei que tinha algumas condições para ajudar a promover os interesses portugueses, no plano europeu, junto das autoridades francesas. O segundo fator era a comunidade portuguesa, a maior no exterior. Eu vinha do Brasil, onde os portugueses residentes refletem uma realidade diferente, mas onde tinha começado a entusiasmar-me por essa fantástica aventura que era o mundo expatriado lusitano. Em ambos esses domínios iria ter excelentes experiências.

Vivi dois períodos muito diferentes, em Paris. Nos dois primeiros anos, foi tudo um pouco "business as usual". Os últimos dois anos coincidiram com os tempos da "troika", com fortíssimas restrições financeiras, com cortes drásticos nos orçamentos, salários e pessoal. Foi também um tempo de redução de estruturas consulares, de despedimento de professores que ensinavam português na comunidade.

Não foi nada fácil "representar" da mesma forma os dois tempos, tentando ser completamente leal em ambos, porque um embaixador tem de calar os estados de alma, tem como obrigação obedecer aos governos de turno, representa em última instância o Estado, de que esses governos são apenas gestores conjunturais. E é a imagem externa do Estado, isto é, do país em nome do qual atua, que importa acima de tudo preservar.

Este blogue começou, assim, há precisamente oito anos, no dia 2 de fevereiro de 2009. Sem exceção, aqui deixei, pelo menos, um texto ou uma imagem todos os dias. Às vezes, mais. Lendo-o em retrospetiva, noto nele um retrato contido, nunca oficioso mas sem nunca esquecer as funções que exercia, do modo como fui lendo a realidade desses quatro anos intensos de vida. Um retrato às vezes alegre, outras vezes sofrido. Mas sempre sincero, porque aprendi que a verdade pode dizer-se de várias maneiras. 

Em 2013, o blogue mudaria de estilo e de tom, a partir do momento em que a saída das funções oficiais me desobrigavam de alguma contenção, que até aí era natural. Alguns dos leitores não gostaram, outros apreciaram o que, para quem me conhecia, não era um "outing", mas apenas a vocalização mais livre das minhas ideias. E assim continuou, até hoje. E assim continuará, até que me canse definitivamente deste exercício.

Uma última nota. Saí de Paris há quatro anos, quase dia por dia. Sem a mais leve nostalgia. Quando por lá passo, e continuo a gostar muito da cidade, às vezes quase me esqueço de que vivi por ali. Pode parecer estranho, mas é pura verdade. E deixo um "segredo", que talvez ajude a explicar muita coisa: não há nada como viver em Portugal!

10 comentários:

Jaime Santos disse...

Percebo perfeitamente o que diz, porque já vivi muitos anos fora (mas nunca em França) e não há mesmo nada como viver em Portugal...

Antonio Marques Mendes disse...

Feliz Aniversário! Que o "exercício" se repita por muitos anos. Parabéns e um abraço.

Laura Ferreira disse...

Que venham mais tantos :)

Rui C. Marques disse...

Já aqui escrevi um dia sobre os últimos dias da gravidez deste blog.Hoje vou apenas referir que a sua leitura é um dos meus sentidos rituais quotidianos. E hoje também,se coincidíssemos em Paris,desafiaria o meu amigo Francisco para almoço no "Au chien qui fume" (coisas da alma...).
Um forte abraço

Joaquim de Freitas disse...

Há tanto e tantos lugares onde se perder, com prazer …em Paris ! Mas depois de alguns dias de vagabundagem, fico satisfeito quando desço da Praça de Clichy , onde na véspera se desfrutou a mariscada do Wepler, até à Gare de Lyon, e digo até à próxima…passando pela Praça da Concorde, de manhãzinha, e sentir Paris “qui s’éveille”


La tour Eiffel a froid aux pieds
L'Arc de Triomphe est ranimé
Et l'Obélisque est bien dressé
Entre la nuit et la journée



Les banlieusards sont dans les gares
A la Villette on tranche le lard
Paris by night, regagne les cars
Les boulangers font des bâtards


Il est cinq heures
Paris s'éveille
Paris s'éveille



E depois, as minhas montanhas , o ar fresco e o repouso…

Dalma disse...

É muito reconfortante ouvir alguém como o Sr. Embaixador dizer que é bom viver em Portugal. A minha experiência de viver fora só corresponde a um ano em Itália e outro no Canadá(Quebec) e comungo exatamente dessa opinião! Bom e mau há em todos os países...

AV disse...

Parabéns pelo aniversário de um blog que é um prazer diário.

Anónimo disse...

https://iresmo.jimdo.com/2017/02/02/la-nouvelle-immigration-portugaise-en-france-et-la-division-socio-ethnique-du-travail/

Anónimo disse...

"E depois, as minhas montanhas , o ar fresco e o repouso…"

As montanhas são só do povo esclarecido de esquerda, como é obvio em certas cabecinhas.

Isabel Seixas disse...

Parabéns ao Duas ou três coisas

Era uma vez uma ideia de alguém com competências inatas e adquiridas de comunicação interdisciplinar num horizonte infinito de saberes habilmente estudados e favorecidos pela genética, promovidos pelo status e ascendente de género, além do gosto indelével pela conversa escrita.
Era uma vez um grupo de pessoas ávidas por conversar e dar contributos com as suas vivências e teorias explicativas, alguns acutilantes, outros com bom senso e apaziguadores , outros a dominar as figuras de estilo e a querer aparecer com os seus dotes de espirito de contradição, alguns, desmancha,prazeres,mas um dono de Blogue com uma gestão moralizante eficiente e eficaz que entre trovoadas e relâmpagos de prosas e poesias manteve esta faísca.

Daí que parabéns senhor embaixador, além do orgulho sustentado que tenho em Si, este blogue continua a ser um balsamo,agora com as minhas atribuições de cuidadora formal e informal, com menos tempo para o visitar diariamente, mas fico sempre embevecida em constatar como o Senhor cuida bem Dele, do duas ou três coisas, claro.

Muito obrigada pela inclusão e um abraço grande para Si e todos os amigos que não conheci pessoalmente(com grande pena minha)mas que por aqui fizeram as minhas delicias de um tempo maravilhoso, a propósito será que a velha senhora já estará institucionalizada num blogue lar?Fazem-me tanta falta as provocações vitais e a desgarrada...

Mais uma vez Abraço a todos, especialmente ao duas ou três coisas muitos anos de vida ativa,
com saudade
Isabel Seixas


Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...