De Espanha se dizia que “nem bons ventos, nem bom casamento”. A Espanha manteve-se uma obsessão histórica para muitos setores portugueses, até à nossa entrada comum nas instituições europeias, vai para 30 anos. Por essa altura, diluiu-se o essencial que restava de contencioso bilateral (sei que os nostálgicos de Olivença não ficarão contentes, paciência!) e as relações passaram a desenvolver-se de uma forma desdramatizada.
Julgo que ambos os países se conhecem hoje muito melhor, que o fim das fronteiras e o incremento do comércio trouxe uma saudável normalidade à relação luso-espanhola, curiosamente nunca afetada pela pontual dissonância entre as orientações políticas de Madrid ou de Lisboa.
Na Europa, Portugal e Espanha nunca estiveram no mesmo “campeonato”, muito embora, em alguns dossiês, tenhamos jogado do mesmo lado. Mas a dualidade económica do nosso único vizinho – com setores muito desenvolvidos ou fortemente beneficiários das políticas da Europa “rica” (como a política agrícola) ao lado de uma Espanha nossa companheira nas políticas “de coesão” - fez com que os nossos interesses por vezes divergissem. Isso foi muito claro nas questões institucionais onde se mede o poder relativo para influenciar decisões. Porém, e este é um aspeto importante, a diplomacia dos dois países sempre cuidou em sublinhar o muito que nos une, procurando que aquilo que nos separa se não torne um óbice a uma relação bilateral que ambos desejamos se mantenha exemplar.
Como profissional das relações externas, quero deixar claro que nem sempre é fácil negociar com a Espanha. A retórica da amizade peninsular – nós, no Ministério dos Negócios Estrangeiros nunca apreciámos excessivamente o termo “ibérico” – quase sempre é insuficiente para ultrapassar o endémico protecionismo dos nossos vizinhos, frequentemente apostados em bloquear o acesso das nossas empresas ao seu mercado e com uma rigidez clara no tocante a qualquer compromisso nas áreas económicas.
Um terreno específico onde isso foi sempre muito evidente foi o setor bancário. Com uma certa naturalidade, a Espanha foi aproveitando as fragilidades sucessivas das nossas instituições, por forma a colocar-se numa posição de relevo nesse nosso mercado. Fê-lo, diga-se, com toda a legitimidade que as regras da concorrência o permitem, mas o equilíbrio final que daí resulta tem consequências estratégicas iniludíveis. O que mais me preocupa, confesso, é começar a ser evidente que o Banco Central Europeu promove abertamente, como se viu no caso Banif, este “take over” da banca portuguesa pela banca espanhola. Um dia, voltaremos a falar disto por aqui.