A urgência financeira,
que dominou o debate público nos últimos anos, lançou uma nuvem de fumo sobre
um tema da maior importância para o futuro do país, a médio prazo: a negociação
das chamadas “perspectivas financeiras”, o quadro orçamental comunitário para
sete anos (2014-2020), de onde dimanam os diversos fundos comunitários. É uma
evidência que os fundos europeus contribuíram fortemente para o desenvolvimento
do país, tendo a sua utilização chegado a ter impacto de cerca de 4% sobre o
produto. A negociação dos quatro primeiros “pacotes financeiros” (o actual é o
quinto) constituiu sempre uma das tarefas essenciais dos governos, com intensa
implicação directa dos primeiros-ministros, pelo que o país não esquece o êxito
dos dois “pacotes Delors”, da “Agenda 2000” e da negociação feita em 2007 pelo
governo Sócrates.
A situação financeira em
que Portugal vive, com retracção do investimento privado e a escassez de
recursos orçamentais, leva a que os fundos comunitários constituam, na prática,
o essencial do investimento público disponível para os próximos anos. Se, no
passado, uma negociação firme sempre foi considerada fundamental, no momento especial
que atravessamos ela teria sido ainda mais importante. Escrevo “teria” porque
não foi. Estranhamente, não se viu o primeiro-ministro calcorrear as capitais
europeias, como os seus antecessores envolvidos em processos negociais
idênticos fizeram, nunca o então ministro dos Negócios estrangeiros deu sinais
de estar minimamente mobilizado para o tema, apenas uns secretários de Estado surgiram,
na fase terminal da negociação, a tentar rectificar pormenores do que já estava
decidido.
Tenho uma explicação para
o facto das coisas terem sido assim, para o que possa ter sido o “pensamento”
estratégico do governo nesta matéria: “isto vai acabar como a Alemanha quiser. Ora
nós precisamos de Berlim para nos dar a mão, no caso do ajustamento correr mal.
Por isso, o melhor talvez seja não irritarmos os alemães com grandes
reivindicações nos fundos europeus, dos quais nunca iremos tirar mais do que
obteremos da posição de bem comportados no cumprimento rigoroso do programa com
a “troika”. É melhor estarmos quietos!” E estiveram. Assim, sem serem um
completo desastre, embora graças a outros, as “perspectivas financeiras”
redundaram num pacote português apenas sofrível, disfarçado com a atribuição de
uns “cheques separados” para criar uma espécie de “trompe l’oeil”, logo saudado
pelo clube dos eternos beneficiários internos. E o assunto logo morreu, perante
a distração do país.
E agora? Agora, como se
diz na minha terra, o que não tem remédio, remediado está! Mas quer o governo dar
um sinal de abertura para o estabelecimento de consensos de regime para os
próximos anos? Se sim, deverá propor o estabelecimento de uma estrutura
paritária com a oposição para a aplicação dos fundos comunitários até 2020, mas
não optando por ser ele a escolher os “seus” socialistas. É assim que se
procede noutros civilizados mundos…
* artigo que hoje publico no "Diário Económico"