sexta-feira, novembro 22, 2013

Kennedy e Portugal

John Kennedy morreu há 50 anos. Contrariamente à ideia de que este é um dos momentos da vida em que todos nós sabemos onde estávamos, devo dizer que não tenho a menor recordação de quando soube do assassinato do presidente americano, embora deva ter sido lá por Vila Real. Depois disso, sobre ele e sobre a sua morte, devo ter lido mais do que sobre qualquer outro chefe de Estado americano.

Hoje à tarde, numa palestra que fiz a algumas dezenas de empresários, sobre a política externa angolana e o papel de Angola no mundo e, naturalmente, o futuro das relações com Portugal, lembrei um facto que julgo ser muito pouco conhecido. É sabido que, no início dos anos 60 do século passado, a administração democrática americana, então titulada por Kennedy, promoveu ações de financiamento destinadas às forças independentistas angolana. Mas um facto pouco notado é que os Estados Unidos terão pedido a Israel para formar guerrilheiros para a luta anti-colonial contra as tropas portuguesas, sendo que esses combatentes pertenciam à UPA (União dos Povos de Angola), que depois viria a chamar-se FNLA, e que havia sido responsável por algumas das mais sangrentas ações no Norte de Angola, de que maioritariamente foram vítimas populações civis. Kennedy era, assim, uma "bête noire" do governo português de então e, de facto, outros relatos confirmam a sua profunda hostilidade ao regime de Salazar e, muito em especial, à sua política colonial.

Kennedy deixou na História uma imagem simpática. A sua morte trágica, cedo na vida, naquele dia 22 de novembro de 1963, garantiu-lhe um lugar na mitologia, política e não só, à escala global. Como entre nós aconteceu com Sá Carneiro, o jovem presidente americano ficou registado no imaginário coletivo à luz daquilo que foi o seu passado, como se acaso o seu futuro viesse necessariamente a ser um mero prolongamento desse mesmo passado, e coerente com ele. Ilusões.

15 comentários:

L M D disse...

Na minha modesta opiniao, Kennedy nao foi um dos maiores politicos americanos, bastante longe da grandiosidade de F. D. Roosevelt.
Estou em crer que o seu irmao Bobby era politicamente superior.

Defreitas disse...

Gostei deste "post", Senhor Embaixador. Ilusões, escreveu. Realmente. Neste 22 de Novembro não faltarão elogios a este herói do ocidente. Mas não basta ter sido assassinado pelos seus para entrar na História pela grande porta. J.F. Kennedy era um puro produto do sistema de elite americano e distinguiu-se de facto pelas decisões que fizeram da sua presidência uma calamidade para os povos do mundo inteiro.

Deixando de lado alguns aspectos imorais da vida privada, escandalosamente imoral, e mesmo os negócios do pai com os nazis, e levando a seu crédito algumas decisões justas para os Negros e a calma com a qual tratou o problema de Cuba com os Russos, o que foi essencial para a paz, restam mesmo assim outras decisões trágicas.

Não foi para preservar a paz que, desde a sua nominação como presidente, em Março de 1961, lançou um programa de armamento dos mais importantes em tempo de paz: dobrou o numero de mísseis nucleares balísticos intercontinentais, aumentou o numero de bombardeiros estratégicos e o dos outros mísseis .

Em Abril ordenou a invasão de Cuba. Bombardeiros americanos, camuflados com as cores cubanas, atacaram as bases militares cubanas, enquanto que os navios de guerra apoiavam o desembarque de 1500 cubanos da Florida . Foi a invasão da "Baia dos Porcos" perpetrada em flagrante violação da legalidade internacional. E tudo isso porque a América nunca aceitou de perder o controlo de Cuba, que a máfia americana tinha transformado num lupanar , onde a droga, o álcool e a prostituição eram as actividades essenciais da ilha. A invasão custou 176 mortos e 4 000 feridos cubanos.

Em Agosto, Kennedy lançou a operação Ranch Hand , uma guerra química contra a população do Vietname, espalhando sobre as florestas e as recoltas o famoso produto "laranja". Até 1971; perto de 80 milhões de litros deste produto mortal foram assim lançados. Mais de 2,5 milhões de hectares de florestas e terras foram contaminados.

Este produto que contém dioxina provoca diversos tipos de cancro. Muitas crinças nasceram com malformações horríveis : ausência parcial ou total de membros, cabeças desproporcionadas, troncos com duas cabeças, ausência de cérebro, etc. Tais crianças continuam a nascer hoje. 800 000 pessoas continuam doentes por causa da dioxina e 150 000 crianças sofrem de tais malformações.

O "glamour" da esposa e a juventude deste casal podem ainda cobrir "la une" dos magazines hoje, como ontem, mas não podem fazer esquecer que tudo isto também foi Kennedy.

Nunca compreendi, sabendo que após a 2a. guerra mundial, os dirigentes da I.G.Farben que tinham produzido o gás Zyklon B utilizado nas câmaras de gás nazis foram reconhecidos culpados e condenados, o governo americano e Kennedy" não foram inculpados e condenados.

Anónimo disse...

Senhor Embaixador
É um facto o que diz da aversão de Kennedy à política colonial portuguesa. Mas é também um facto que foi durante o seu governo que houve a possibilidade de um acordo entre Portugal e os Estados Unidos sobre o assunto. Diogo Freitas do Amaral, em "A tentativa falhada de um acordo Portugal - EUA sobre o futuro do Ultramar português", obra publicada em 1994,respeitada a lei dos 30 anos referente à divulgação de documentos secretos, relata em pormenor troca de correspondência havida, além de conversações, de que pelo lado americano se ocupou o subsecretário de Estado George Ball e pelo lado português Franco Nogueira e o próprio Salazar. Tudo se passou entre Agosto de 1963 e Fevereiro de 1964, tendo entretanto ocorrido a morte de Kennedy, até que naquela última data Salazar pôs um ponto final neste processo que parecia demonstrar uma certa abertura do governo norte-americano para soluções de compromisso e de médio prazo para a resolução definitiva do problema.
Foi pena!, é o mínimo que se pode dizer.
Mário Quartin Graça

Anónimo disse...

Exactamente o mesmo se passou em Portugal com o assassinato de SM El Rei D. Carlos.

Todos que viveram aquele dia nunca se esqueceram do assassinato vil e cobarde do Rei de Portugal.

A grande mancha de sangue da cobarde 1ª república e da sua ala carbonária.

Anónimo disse...

caro anonimo

ate o buiça estara de acordo consigo!..

lembro apenas que o trabalho que a primeira republica fez com a escola primaria

http://www.searanova.publ.pt/pt/1713/dossier/163

la os intelectuais da santa madre igreja e essa nobreza fina educada e progressista deixaram o nosso pais com um atraso que outros nao ajudaram a ultrapassar.

nao choraminguemos o inchoramingavel.

o rei nao seria o culpado de tudo isto, mas como o mudar o regime? nao foi com a ditatura de franco, nao seria com a casta de oficiais de origem aristocratica, so podia ser a birguesia e os operarios, so podia ser a carbonaria ou coisa semelhante



bem haja



Anónimo disse...

Vi um artigo que informava sobre o apoio dado pelo presidente Kennedy às forças de independência da Argélia,
assim os franceses também publicam dados sobre o apoio americano aos independentistas porque era do interesse dos Estados Unidos
apesar de noutras alturas eles ajudarem a França

Anónimo disse...

Nos tempos actuais do velho-eterno-PREC-das-escadarias-aulas magnas, em que obrigatóriamente a democracia só pode pertencer a alguns, e sabendo do nosso passado seria muito dificil hoje, 22 de Novembro de 2013 fazer a seguinte pergunta:

"Em vez de perguntar o que é o País ("Estado de Portugal")pode fazer por vós,Perguntem o que é que os portugueses podem fazer por Portugal".

Salgado Zenha e Sá Carneiro, dois portuguses desaparecidos a quem presto homenagem !

Alexandre

Anónimo disse...

O comentário que se segue nada tem a ver com este "post" mas é a forma que tenho de poder expressar aqui uma opinião acerca deste "blog".
Dos que conheço, este é sem dúvida, de parte do seu autor, o mais inteligente, o mais interessante, o mais sereno, o mais diversificado, até mesmo o mais divertido, embora muitas vezes os comentadores, incluindo-me a mim próprio, não estejam à mesma altura do nível intelectual e da compostura de FSC nem da objectividade que ele claramente procura manter nas suas análises.
Creio que todos devemos agradecer-lhe por gastar tanto do seu tão ocupado tempo a oferecer-nos as suas ideias, as suas lembranças, as suas preocupações, levando-nos a pensar nelas, reflectir sobre elas e, quando nos apetece, comentá-las publicamente.
Só lamento que de parte do autor não haja mais vezes a réplica à réplica, o que permitiria um aprofundar de ideias e de troca de opiniões certamente benéficas para todos.
Tirando uma ou outra vez em que o autor se sente "picado" e reage em conformidade, é muito raro que os comentários dos comentadores mereçam uma resposta do comentado.
Fico à espera... Será pedir muito?

Anónimo disse...

Ele há cada uma! Então o Senhor Defreitas quer culpar JFKennedy pelos negócios do pai com os nazis?
Agora para avaliar a credibilidade de uma pessoa há que passar a pente fino a conduta dos seus antepassados para ver se há alguma coisa que o "infecte"?
Desculpe que lhe diga, mas isto faz-me lembrar qualquer coisa como o conceito de "pureza da raça" que, se estou bem esclarecido a este respeito, foi precisamente o ponto mais negro de todos os pontos negros do nazismo.

Anónimo disse...

Era realmente um mestre na arte da encenação. Os discursos pomposos, dramáticos, eram feitos por outros, naturalmente.
Mas, para além de ser rico (são todos), tinha uma mise-en-scéne preparada para realçar o glamour da sua vida, em contraste com os sombrios anos 50 americanos. Foi um herói moderno para muita gente. Quase uma estrela pop.
Mas, como diz um comentador, não resistiu à tentação de queimar algumas populações, em nome, dizia (e outros a seguir), da "Democracia".
Ora, como sabemos por experiência própria nos últimos tempos, a "democracia" que se pretendia exportar é um conceito cada vez mais difuso, cuja propriedade, sabê-mo-lo agora, pertence a meia dúzia de pessoas "globais".
Assim, é bom que nas escadarias da Aula Magna se continue a lutar por uma "Democracia" de todos, por todos (estou certo que pelo menos um dos homenageados estaria nessas escadarias, caro Alexandre).

patricio branco disse...

kennedy percebeu pois bem que teria de se apoiar uma guerrilha anticomunista, portugal mais ano menos iria falhar, perder a guerra e havia que ter uma força pró americana então, lembro me da rtp anunciar o assassinato, era a hora de ir jantar, uns familiares tinham me convidado para ir jantar lá a casa, pois foi o que foi, johnson prestou juramento no avião para washington onde iam ele, o corpo do presidente assassinado e a familia deste, é assim, lá não perdem tempo, kennedy teve força, veja se a crise dos misseis cubanos, a urss recuou, etc etc

Anónimo disse...

É sempre interessante ver como os termos aplicados às ações mudam consoante o resultado das ditas. O terrorismo passa a "ações sangrentas", os terroristas passam a "forças independentistas", etc.

Os primeiros ataques em Angola deviam de ser ensinados em todas as escolas. Só para que as pessoas tivessem um bom termo de comparação quando andam para aí a falar, por exemplo, da ETA.

Já agora, ninguém fala em "uparras" ou "mplarras"...

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Catinga: "terroristas" eram os resistentes que colocavam bombas nos comboios ou pontes durante as ačöes contra a ocupação nazi. Eu não uso a linguagem que Ferreira da Costa usava, na antiga Emissora Nacional desse tempo, nas reportagens que fazia no norte de Angola.

Anónimo disse...

Mas... como é que se pode classificar as ações da UPA (haverá alguém que ainda duvide do que lá se passou?) senão como... terrorismo?

Dar um tiro na cabeça a um polícia é terrorismo, invadir uma quinta, matar toda a gente, esventrar grávidas e esmagar crianças contra a parede é "ação sangrenta"? Não percebo "tá a ver"? Não percebo...

Mas a culpa deve ser minha que não li os livros certos, não vou aos restaurantes certos, não voto nos partidos certos...

José Baltazar disse...

Eu chamo-lhe a criação de um teatro de guerra. Nos 13 anos seguintes, tirando a tentativa gorada do MPLA no leste, e mesmo essa era apenas para criar a rota Agostinho Neto, que ia dar... aos Dembos, a guerra desenrolou-se nesse teatro, precisamente na mesma região dos atos de Março de 1961. Na História do meu Batalhão, tenho o mapa da ocupação militar portuguesa em Abril de 1974 e esse mapa coincide com o mapa da atuação da UPA em 1961, na íntegra.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...