O texto de Mário Soares hoje publicado no "Diário de Notícias", saudando a homenagem que vai ser prestada a Ramalho Eanes, acaba por ter um significado histórico, para quem assistiu às profundas divergências entre ambos. Soares e Eanes são as faces civil e militar da luta contra a deriva radical no pós 25 de abril. Ambos se aliaram "ao diabo" para evitar que o PCP e a chamada "esquerda militar" assumissem o controlo do processo político. O 25 de novembro é uma data que lhes é comum. Mas as similitudes ficam por aí.
São dois homens muito diferentes, para o bem e para o mal. Vistos da História, são dos principais fundadores do sistema em que vivemos.
Soares é um velho "routier" da política. Coerente, procurou desenhar um sistema em favor da preeminência dos partidos, em que o seu PS se sente como peixe na água. Vingou uma geração que sofreu a ditadura e que havia visto a "sua" primeira República vilipendiada por esta. Com a ajuda da direita, conseguiu afastar os militares do centro do terreno político,"civilizando" o regime, com algumas injustiças feitas pelo meio a quem lutou pela liberdade no 25 de abril. Fez as opções certas para o país, no plano da sua modernidade. O saldo é amplamente positivo.
Eanes é um homem diferente, que aprendeu a nadar na água. Sem a cultura política de Soares, cresceu na vida prática, assente numa ética muito própria. Escrupuloso à sua maneira, emergiu de uma rede de alianças militares que chegou a abeirar-se do inimigo. Vistas as coisas com serenidade, pode dizer-se que cumpriu aquilo a que se tinha comprometido, embora tendo deixado alguns amigos pelo caminho, no compromisso trágico em que por vezes se enredou. Mas fez as escolhas que o tempo veio a julgar como globalmente acertadas. No débito histórico, porém, pesa-lhe a aventura patética do PRD, um "justicialismo" à moda da paróquia que, a ter vingado, poderia ter condenado a sobrevivência do regime. Contudo, a História acabará por julgá-lo positivamente.
Ver Soares e Eanes no mesmo e equívoco barco não me entusiasma por aí além, devo dizer. Tanto mais que é uma circunstância que só demonstra o estado de desespero a que o regime chegou.
10 comentários:
Julgará positivamente quem? O Sr. Eanes? O que entregou documentos graves sobre pessoas a António Neto em Cabo-Verde e que logo de seguida, conduziu uma pequenina depuração tropical? Duvido e muito que um e outro entrem pela porta, digamos que grande, da História. Talvez o Zenha, até porque tinha um feitio intratável. Esse sim. Os outros dois? Foguetório que não limpa a História.
dos 4 presidentes democraticos que tivémos, eanes e soares ficarão de facto positivamente para a história.
eanes nunca facilitou a vida a soares primeiro ministro mas eanes era um homem teimoso, demorado e complicado a tomar decisões, escrupuloso, mais de direita ou melhor mais conservador que de esquerda.
um homem que merece respeito e ser homenageado sem duvida.
era o minimo que soares podia fazer, prestar homenagem ao outro com um texto...
Absolutamente!
outeiro
Falando a partir do 25 de Abril de 1974, Eanes é para mim, o homem mais sério que apareceu nestes milhares que nos tem governado, pois deixou sempre para o lado o interesse pessoal, poucos ou nenhuns demonstraram essa caraterística ao longo destes 40 anos. Bem merece uma homenagem!
Há aquela frase americana "A quem era você capaz de comprar um carro usado?"... Ao Eanes, era. Ao outro... nem por isso.
Não (propriamente) um comentário a este texto.Apenas para referir que já me tardava um "escrito" de hoje...Isto porque a leitura do seu blog,meu Caro Francisco,é um ritual que cumpro diariamente às 7 da manhã.
Não gosto de Eanes! Apesar disso, votei nele para a reeleição porque entre ele e Soares Carneiro, não tinha outra escolha.
O seu comportamento ao criar um partido quando ainda era PR, é - sei que com isto ganho mais um punhado de amigos - definidor de um carácter.
Em termos de imagem, o 25 de Novembro não conseguiu apagar o 25 de Abril. Mas
lembro-me de muita gente naquela "viragem" do 25 de Novembro gritar precisamente contra muitas atrocidades que se adivinhavam.
Se Eanes e Soares ficarem conhecidos como sendo "dos principais fundadores do sistema em que vivemos" que sejam. Para mim é um sistema que criou as maiores desigualdades de sempre, a maior corrupção e, no momento atual, é um sistema que continua a criar desemprego, angústia, miséria, emigração...
Se estas palavras são de raiva, que sejam. Mas aquela forma desprezível como "o sistema atual" nos olha merece raiva e desprezo. É um desespero!
José Barros
Merecida homenagem. Excelente ocasião para que se realize. Mario Soares observa, equaciona e age. São dois Presidentes diferentes, mas exemplares. Conseguem rejuvenescer-nos!!!
Ao comentarista anónimo José Barros:
Sim, sabemos como as coisas tem corrido ao longo destes anos, poderiam ter sido melhores, sem dúvida. Mas ainda pode, nos dias de hoje, emigrar para Cuba!...
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