sexta-feira, novembro 15, 2013

Redes sociais

Já por aqui se falou algumas vezes dos "blogues da política" que por aí andam. Com o Facebook e o Twitter, os blogues representaram, nos últimos anos, um importante espaço de combate político. Mas se já existia a perceção impressionista de que esse conjunto de instrumentos de intervenção vivia subordinado a estratégias bem delineadas, a entrevista dada por Fernando Moreira de Sá, à revista "Visão" desta semana, é um modelo de revelação sobre o modo como o "vale tudo" se instalou, desde há muito, nas redes sociais, somado à montagem de operações para falsificar a genuinidade de foruns radiofónicos e, presumivelmente, de programas televisivos com a "espontânea" intervenção telefónica do público.

Mas não se tratará tudo isso de um mero conjunto de suposições? Não. Fernando Moreira de Sá, ao mesmo tempo que desmonta o aparelho articulado pelo governo anterior em seu suporte, conta, com nomes à evidência, a rede criada em torno da campanha para a ascensão dos atuais titulares do poder político. Com uma autenticidade que deriva do facto de ele próprio ter sido parte dessa operação.

Esta é uma entrevista a não perder! O leitor nunca mais olhará para certos blogues da mesma maneira.

Em tempo: nas últimas horas, pessoas que respeito dizem-me que há exageros e inferências que não podem ser provados, no que foi dito na entrevista. Confesso que, tratando-se de um trabalho académico e tendo o autor (que não conheço) explicado sem aparente remorso que ele próprio cooperou na suposta "operação", o texto pareceu-me credível. Mas não me custa admitir que possa estar enganado. Esperemos, assim, pela decisão da Justiça, porque, se acaso alguém foi difamado ou caluniado, esse é naturalmente o único terreno legítimo para arrumar a questão.

Mensalão

Um dia de junho de 2005, no "salão de autoridades" do aeroporto de Manaus, a minha atenção foi despertada para as inesperadas revelações que estavam a ser feitas, na televisão, por um deputado brasileiro, de seu nome Roberto Jefferson, sobre a existência de um suposto esquema de compra de votos no Congresso brasileiro. Não o sabia então, mas esse iria ser o "dia 1" daquilo a que se chamaria o "mensalão".

Seguiram-se meses de debates, inquéritos, denúncias, em torno de uma singular operação que envolvia pagamentos e desvio de verbas de natureza pública. O Brasil colou-se às televisões e passou a conhecer a figura de Marcos Valério, o "arquiteto" dessa habilidosa montagem. Com a passagem do tempo, o processo foi-se aproximando do número dois do governo Lula, o poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Quase quatro dezenas de outros réus se lhes juntaram. Dirceu acabaria por ser afastado. A sua substituta chamava-se Dilma Roussef.

O processo demorou anos. O Brasil nunca mais foi o mesmo depois do surgimento do "mensalão". E a imagem do PT, Partido dos Trabalhadores, que havia sido criado em torno de Lula da Silva, foi afetada de uma forma que mudou, radicalmente e para sempre, a perceção dessa força política aos olhos dos brasileiros.

O processo do "mensalão" poderá estar a chegar ao seu termo. Anteontem, o Supremo Tribunal Federal (que, no Brasil, conjuga as funções de corte suprema e de corte constitucional) decidiu mandar proceder à imediata prisão efetiva dos réus já condenados, não esperando por alguns recursos pendentes. Não tenho dúvidas que este radical ato de "coragem" só ocorreu porque os juízes do STF, um tribunal que tem muito de político, perceberam que a "rua" exigia isso mesmo, depois das recorrentes manifestações dos últimos meses.

A luta contra a corrupção está muito longe de estar ganha no Brasil, por um conjunto de vícios instalados para cuja desaparição as condições ainda não estão criadas. Mas o caso do "mensalão" foi uma experiência que ensinou muito aos brasileiros e os tornou incomparavelmente mais exigentes com as suas instituições.     

quinta-feira, novembro 14, 2013

O combate

Foi uma tarde que ficou na história das Necessidades, nesses anos 70. De súbito, surgiu pelos corredores a indicação de que um colega, conhecido pelas suas fúrias e pelo seu espírito belicoso, que mais tarde haveria de revelar-se noutras frígidas paragens, pretendia "dar uma sova" num determinado diretor-geral, que, por acaso, era o meu. Já não recordo o motivo que levava esse diplomata, então cônsul-geral num posto no estrangeiro, a querer tirar desforço dessa figura da hierarquia. Mas, conhecendo-o bem, alguns colegas apostavam em como as coisas acabariam forte e feio.

A perspetiva de uma briga, que prevíamos pudesse ter lugar no pátio de entrada (na imagem), levou muitos de nós a não abandonar o serviço no termo do dia de trabalho, curiosos em saber como acabaria o assunto. No meu caso, tendo atrás da minha secretária uma bela janela lateral da qual se "controlava" toda a área desse pátio, fui assistindo à coreografia agitada do putativo agressor. Dando expressão à técnica negocial que ilustra a prática da casa, íamos observando que vários emissários se esforçavam por conciliar as partes. Ou melhor, tentavam isso junto da parte mais agitada, dado que o diretor-geral permanecia escudado dentro do seu gabinete, acolitado pelo meu "chefe de repartição", um seu íntimo que, ao final de cada dia, o conduzia reverentemente a casa. A nossa atenção dividia-se, assim, entre a agitação reinante no corredor da direção-geral e o pátio, onde o colérico colega permanecia, rodeado de "plenipotenciários". 

As coisas terminaram antes da hora de jantar. E sem o espetáculo por que todos ansiávamos. O colega foi convencido a regressar a casa. E o diretor-geral, pelo-sim-pelo-não, abandonou discretamente o ministério pelo "palácio velho", o mesmo que foi a residência do último rei, da qual fugiria, a 4 de outubro de 1910, a caminho do exílio. 

No dia seguinte, soube-se que o frustrado agressor teria dito a seguinte frase, que ficou nos anais da casa, referindo-se ao "encontro" que pretendia ter com o diretor-geral, que teria alegado não ter tempo para o receber: "Eu não demoro nada! Só o tempo de lhe dar dois murros nas trombas..."

quarta-feira, novembro 13, 2013

Entrevista


Finalmente, deixo aqui o link para a entrevista na Económico TV.

Aos papéis

O país era ainda jovem, o diplomata que o representava naquela reunião internacional também o era. Tinha, além disso, muito pouca experiência e era visível o nervosismo com que intervinha, de forma hesitante, no inglês de regra. O seu embaraço de novato era seguido, com simpatia, por colegas de outras delegações, que ansiavam, para seu bem, vê-lo terminar a intervenção, que se prolongava para além do razoável, naquela conhecida sina de quem não consegue descobrir um final condigno.

A certo passo, querendo referir-se a uma "folha de papel", a precipitação fê-lo trocar a expressão "sheet of paper" pelo seu inverso - "paper of sheet" - tendo a última palavra da expressão soado como uma sua homófona. A sala caiu em gargalhadas. Acontece...

terça-feira, novembro 12, 2013

Há mar e mar...

Em 2006, no Brasil, decidi criar um blogue da embaixada, que eu próprio redigi durante mais de dois anos. Como lema desse blogue, escolhi uma frase de Vergílio Ferreira que sempre me impressionou, pelo seu simbolismo: "Da minha língua vê-se o mar".

Há dias, numa entrevista na televisão (ontem reproduzida parcialmente num jornal), repeti essa frase, ou melhor, disse-a erradamente. "Do meu país vê-se o mar". Fiquei furioso comigo mesmo. Deve ser da idade...

* uma leitora recorda-me ainda o erro vulgar de escrever "Virgílio" em lugar de "Vergílio". Coisa que o escritor não permitiria.

Responsabilidade

Costumo lembrar que, durante a minha carreira diplomática, tive 21 ministros dos Negócios Estrangeiros. Sem recorrer ao "name-dropping", posso dizer que alguns me deixaram orgulhoso do os poder representar, outros foram-me relativamente indiferentes, outros ainda me deixaram em forte embaraço pelo modo desajeitado ou mesmo incompetente como não souberam ou não conseguiram defender os interesses do país. Mas nunca, em nenhuma circunstância, me regozijei pelo facto de um ministro, qualquer que fosse a sua coloração política, ter sido infeliz em declarações públicas no estrangeiro. Porquê? Porque, bom ou mau, fora de Portugal o chefe da diplomacia representa sempre o país. Se não se perceber isto, alguém pode ir à final da taça entre a S. Caetano à Lapa e o Rato, com o Caldas em episódicos permeios, mas quem perderá somos todos nós.

segunda-feira, novembro 11, 2013

Adversativos

Há uns anos, ao tempo de outro governo, falei por aqui do "jornalismo adversativo", isto é, da obsessiva tendência da imprensa para não referir algo de positivo sem, de imediato, o fazer seguir de um "mas", introduzindo elementos negativos, como que a "compensar" as notícias favoráveis.

Nos últimos dois dias, foi curioso ver o esforço de muitos para desvalorizar ou relativizar o significado da quebra da taxa de desemprego e o facto dos juros no mercado secundário da nossa dívida pública a 10 anos terem recuado dos 7%.

Deve ser defeito meu, mas não gosto da política feita deste modo.

A diplomacia segundo Álvaro Cunhal

"A política externa deve estar em mãos de gente hábil, de gente capaz de manobrar, de gente capaz de ter linguagens diferentes conforme o sítio onde fala, gente que compreenda que a diplomacia não é bem uma sessão interna de um órgão revolucionário, que a diplomacia de um país revolucionário que vive uma conjuntura internacional determinada e uma situação geográfica como nós vivemos, exige muita maleabilidade e em alguns casos muita ronha"

in "A crise político-militar, Discursos políticos/5, maio/novembro de 1975, Edições Avante!, 1977

Espírito Santo

Portugal tem poucas "marcas" internacionais. Ao longo de toda a minha vida profissional, testei as imagens que o nosso país foi fixando nos outros. Fui avaliando o modo como elas se revelavam identitárias, a sua solidez, a sua permanência no tempo. Através do olhar estrangeiro, medi a sua importância para o "retrato" que de todos nós foi sendo desenhado.

Dentre as poucas que Portugal deixou pelo mundo, a marca "Espírito Santo" surgiu-me sempre como sendo tido por um "valor" seguro. Nunca tive a mais remota relação com o grupo, nem sequer fui depositante do banco. Mas habituei-me a ver o nome "Espírito Santo" respeitado e admirado. E isso não é indiferente a quem, como eu, levou a vida a tentar sustentar a imagem de Portugal no estrangeiro.

A família Espírito Santo, com algumas outras, pagou, no pós-25 de abril, a circunstância ter sido um importante suporte da ditadura que nesse dia terminou, bem como o facto de ter beneficiado de um regime colonial cujo prolongamento no tempo foi fonte de muito sofrimento, em Portugal como em África. Com dignidade, respeitando as novas regras, o grupo Espírito Santo conseguiu retomar o seu papel no âmbito da economia portuguesa, aproveitando a lógica de mercado consensualizada em democracia. Até o conseguir, o grupo foi apoiado por amigos que, no exterior, confiaram na palavra e na honorabilidade dos seus membros. E isso não é coisa pouca nos dias que correm.

Por todas estas razões, e não obstante as culpas próprias do presente, recuso-me a comungar dos sorrisos irónicos, de origens bem diversas, de quantos olham para o momento menos bom que o grupo Espírito Santo hoje atravessa.

domingo, novembro 10, 2013

Comissária

Há dias, numa daquelas "bocas" em que a comunicação social é useira e vezeira, foi "revelado" que a escolha do governo para comissário europeu, nos cinco anos que se sucederão a 2014, poderia ser o professor Poiares Maduro, nóvel governante cujo currículo é ilustrado por algum percurso europeu, desde a academia florentina a órgãos jurisdicionais da União. Conheço bem o percurso de Poiares Maduro e não tenho a menor dificuldade em reconhecer o seu mérito intelectual.

Porém, uma avaliação fria do processo europeu, e dos nossos interesses nacionais nesse contexto, leva-me, também com facilidade, à conclusão de que a pessoa com mais evidente perfil para representar Portugal na futura Comissão Europeia, à luz cumulativa da sua experiência e dos seus conhecimentos, seria, sem a menor sombra de dúvida, a professora Elisa Ferreira, antiga ministra do Ambiente e, depois, do Planeamento, com uma significativa carreira académica, com uma notável prestação no Parlamento Europeu e, de há muito, com uma rede de contactos nesse âmbito que pede meças a quem quer que seja.

Imagino, sem dificuldade, que esta nota possa não ser do agrado da própria Elisa Ferreira. Mas entendi não dever deixar de a colocar aqui.

Taça

Não estou à espera (nem aceitarei) que algum comentário a refira, mas não me coibo de lembrar que, para a minha geração, havia uma frase que avaliava a importância da "taça" face ao "campeonato".
 
E mais não digo, porque hoje me não apetece discutir penáltis. Nem "very lights"...

Urgências

Agora, de um dia para o outro, passou a ser "urgente" debater a "reforma do Estado".

Durante nove meses, o "guião" foi anunciado e reanunciado, com embaraçadas respostas dilatórias, apenas quando alguém se lembrava de perguntar por ele. A certo ponto, ficou bem patente que havia, no seio da maioria, como que uma estratégia para tornar o líder do segundo partido da coligação o responsável pessoal pelo recorrente atraso no exercício. Com algum gozo associado.

Um dia, ultrapassado já o prazo do ridículo, o "guião" lá saiu. E foi "aquilo" que se viu. E, num instante, um texto que pôde esperar meses para ser divulgado, converteu-se numa proposta "incontornável" e, pasme-se!, "urgente". Como se aquele monte de obviedades, com três ou quatro receitas de "thatcherismo" tardio, passasse, por milagre, a ser o eixo do nosso futuro, devendo o país ser convocado e mobilizado para a sua discussão. E, claro!, sendo réu de um crime de lesa-pátria quem não acorresse, pressuroso, a esse debate.

Para o principal partido do governo, cujo nível de "entusiasmo" com o surgimento do "guião" se tornou bem evidente, a polémica passou, de repente, a ser um excelente meio de diversão do difícil debate orçamental. Para o autor político do "guião", convirá, naturalmente, explorar, tanto quanto possível, a "obra feita", para o que já conta com a dedicada colaboração dos "parceiros sociais", sempre à cata de tempo de antena. O que ainda não foi suficientemente sublinhado é a circunstância de um grupo selecionado de socialistas ter logo emergido a terreiro, a relevar a "importância" das "propostas" do "guião", dando interesseiramente a mão à figura do vice-primeiro ministro, com quem contam para aventuras governativas futuras.

A vida política portuguesa está a ficar tão transparente...

sábado, novembro 09, 2013

Entrevista

A convite da "Antena 1" e do "Diário Económico", dei uma entrevista a Rosário Lira e Bruno Proença que é divulgada na "Antena 1" no sábado, dia 9, e na 2ª feira, dia 11, na edição do "Diário Económico" e no canal de cabo "Económico TV" (23 horas).

Nessa conversa, falou-se de várias temáticas externas, desde a diplomacia e do atual "estado da arte" no MNE, até à situação europeia, "resgate" incluído, bem como da relação com Angola e a situação em Moçambique.

A entrevista (para quem tenha tempo e paciência para mais de 50 minutos de conversa), pode ser ouvida aqui.

sexta-feira, novembro 08, 2013

Insensatez

Foram, no mínimo, lamentáveis as declarações produzidas por entidades políticas portuguesas, sugerindo-se como possível "ajuda" às autoridades moçambicanas, em matéria de cooperação policial bilateral, de pôr cobro à insegurança que reina naquele país. Esses comentários, dos quais ressaltou uma triste forma de paternalismo, foram ao ponto de fazer notar aos responsáveis moçambicanos os efeitos, em matéria de investimento externo, que podem decorrer da presente situação de crise. Como se eles o não soubessem...

Este tipo de propostas e sugestões - como ensinam as mais elementares regras da diplomacia - devem sempre ser feitas com total discrição, no pleno respeito pela sensibilidade dos países. Permitir-se este tipo de comentários na praça pública - e em televisões que são avidamente vistas em Moçambique - tem como despudorado objetivo retirar dividendos políticos, "dar ares" de se estar atento aos interesses portugueses.

Mais pudor e maior profissionalismo é o que se recomenda.

quinta-feira, novembro 07, 2013

Ainda a Constituição

Há um grande "teatro" que convém deixar claro, em torno do modo como os agentes políticos e sociais se colocam na "guerra" entre o governo e o Tribunal constitucional. Na realidade, o que existe por detrás deste debate é uma questão bem mais "simples": há quem esteja, de há muito (alguns desde sempre...) contra esta Constituição e há os que a utilizam como escudo da proteção possível de um statu quo institucional, que evite o que entendem serem males piores.

Sejamos honestos: é evidente que o texto da atual Constituição está bastante datado, embora seja difícil um consenso sobre aquilo que deveria mudar e aquilo que deveria permanecer no texto. Alguns que, em tese, poderiam estar abertos a revisitar o texto constitucional, temem que a "caixa de Pandora" possa ser escancarada por quantos detestam esta Constituição. E, assim, acabamos todos neste "compromisso" imobilista. Mas é ridículo pretender que seja a jurisprudência do Tribunal Constitucional a fazer a "revisão" que os eleitos políticos se revelam incapazes de levar a cabo.

Constituição

O presidente da Comissão europeia voltou ontem a alertar para as consequências que podem advir de uma eventual rejeição, pelo Tribunal constitucional português, de algumas normas do orçamento geral do Estado.

Não é nova esta posição do antigo líder do PSD. Interrogo-me, contudo, por que razão a Comissão europeia, a montante da apresentação do orçamento, não optou por recomendar ao executivo português que tivesse o maior cuidado em garantir que as propostas que viesse a fazer respeitassem, em absoluto, as normas da Constituição do país. É que, se acaso assim procedesse, não haveria o menor risco de um "chumbo" pelo tribunal.

Talvez também conviesse lembrar, à atenção de quem tenha a menor pretensão de vir a ser candidato à chefia do nosso Estado, que, se acaso fosse eleito, lhe competiria, no ato de posse, "defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República portuguesa".

quarta-feira, novembro 06, 2013

Táxis

Há pequenas coisas que denotam a deterioração da autoridade do Estado.

Há uns anos, os táxis deixaram de ter as tradicionais cores verde-e-preto para passarem a uma cor amarela, tipo areia. À época, recordo-me de ter ouvido sólidos argumentos em favor da opção por essa nova cor. Agora, de há uns meses a esta parte, verifico que os táxis regressaram ao verde-e-preto. Imagino que haja outras luminárias a avançar especiosas razões favoráveis ao regresso a essas cores originais, seguramente contradizendo em absoluto as anteriores.

A minha questão é, porém, outra. Enquanto, na anterior versão verde-e-preto as cores eram únicas, agora o verde usado nos táxis parece ter sido deixado "à vontade do freguês". Hoje, durante alguns minutos no aeroporto, dei-me conta de, pelo menos, seis tons de verde utilizado. Alguns deles são, de forma propositada, tão escuros que quase se aproximam da cor preta. Outros vão desde evidentes espécies de azul ao verde claro "saloio", passando verde "elegante" (do Sporting, claro).

A minha pergunta é simples: é normal esta variedade ou trata-se de uma padronização falhada? Ou será que o Estado tem medo aos taxistas? Ou isto já é produto da doutrina liberal "in the making"?

terça-feira, novembro 05, 2013

França

Não deixa de ser preocupante para a Europa a situação que hoje se vive em França, muito em especial pelas implicações que esse estado de coisas pode ter no futuro do projeto europeu.

A França é um país-chave da equação continental. Por muito que alguns não gostem de reconhecer isto, devem-se ao eixo franco-alemão os passos mais significativos do processo integrador. É mesmo muito curioso observar que, sendo a França um país que tem "uma certa ideia da Europa", que passa bastante pela sua muito específica ambição em termos de poder no projeto continental - e que está muito longe de ser aquilo que se chama "europeísta", no sentido bruxelense do termo -, ela soube sempre dar uma contribuição que se revelou imprescindível para os grandes avanços que foram conseguidos. Sem a França não há projeto europeu - as coisas são tão simples como isso!

Ora a França atravessa um tempo difícil. É um país que, ao longo dos "trinta gloriosos" anos do pós-guerra, estabeleceu uma sociedade de bem-estar cujo património é hoje defendido em todos os setores do espetro político. Um modelo que obriga a que seja o país da União com a mais elevada percentagem de despesa pública face ao PIB. Esse modelo, com todas as virtualidades e vantagens que lhe estão associadas, torna-a fortemente resistente à mudança que os novos ventos financeiros europeus querem impor-lhe. 

A França tem um potencial económico e um tecido financeiro que parece colocá-la ao abrigo de colapsos como os que abalam hoje alguns dos seus parceiros mediterrânicos. Mas os números preocupantes do seu défice, a forte quebra da sua balança comercial, a perda de competitividade de muitas das suas indústrias e o agravamento de alguns outros indicadores (como o próprio desemprego) revelam que alguma coisa tem que mudar rapidamente no país. Acresce que, nos últimos anos, uma mutação significativa está a gerar na sociedade francesa clivagens e derivas preocupantes, nomeadamente pelo sucesso de algum populismo com laivos xenófobos e até racistas.

O drama francês é também o nosso drama. O apagamento, embora talvez conjuntural, do papel que a França desempenhava no centro do projeto europeu parece estar a conduzir a Alemanha a uma inédita "solidão", que Berlim pode ser tentada a atenuar através de novas alianças, cuja resultante está longe de corresponder aos interesses de um país como Portugal. Além disso, a França é a segunda pátria de muitas centenas de milhares de portugueses, sendo hoje uma das importantes fontes de remessas financeiras que compensam a nossa debilidade interna. Os portugueses em França, ou os luso-descendentes, não incorrem no menor risco por essa sua condição específica. Mas uma crise na sociedade francesa atingi-los-ia em pleno.

Por tudo isto, e também pelo que a França representa para a nossa maneira de estar no mundo, o seu futuro imediato não nos deve ser alheio.

segunda-feira, novembro 04, 2013

Do liberalismo semântico

Há uns meses, num blogue de "neocons" caseiros, vi surgir uma proclamação enfática: "nunca mais escrevemos Estado com "E" maiúsculo!".
 
Essa subliminar consigna deve estar a fazer escola. Há dias, publiquei um artigo numa revista. E lá notei que, no meu texto, sempre que eu falava de Estado, foi feito o "downgrading" da maiúscula inicial. Devem pensar: "quanto mais não seja, vencêmo-los pela gramática!" 
 
Estejamos muito atentos a estes "copydesks" ideológicos! Um destes dias, se os deixarmos grimpar, República e Constituição passam a minúscula.

domingo, novembro 03, 2013

Ainda a "reforma"

Uma leitora atenta deste blogue deixou, num comentário, a nota e a constatação de que, em Portugal, os socialistas haviam criado um ministério para a "reforma do Estado", sem, contudo, nunca a terem levado a cabo. Concedo que possa ser verdade.

Já agora, e se puxarmos pela memória, talvez devamos recordar que o primeiro membro de um governo que teve a seu cargo a "reforma administrativa" foi um (então) militante do CDS, Rui Pena, ministro do governo PS-CDS, nos idos de 70. A "reforma administrativa" tinha aliás uma tradição pré-25 de abril, com um famoso "secretariado", ainda dos tempos marcelistas.

Aproveito o mote para dizer que, em minha opinião, a "reforma do Estado" tem duas vertentes, que quase sempre surgem misturadas.

A primeira são as adaptações a introduzir no formato e funcionamento da Administração Pública, tarefa a que todos os governos se dedicam. Desde logo, para colocarem as estruturas em consonância com as novas leis orgânicas com que sempre se entretêm a balharar e dar de novo, bem como para despacharem algumas promessas que deixaram nos programas eleitorais. No bom sentido, recordo que ninguém como Maria Manuel Leitão Marques, membro de um governo socialista, foi tão longe em medidas para agilizar o Estado. Nunca vi isso seriamente contestado.

A segunda vertente prende-se com a questão das funções do Estado, que, por mais voltas que se lhe dê, é sempre uma questão que releva do modelo constitucional e do que dele decorre para o quadro de responsabilidades que competem ao Estado. É essa a origem dos conflitos com o Tribunal Constitucional. Ora a Constituição só pode ser alterada por um amplo consenso, movimento que, como é da lógica do desenho de todas as leis (e, por maioria de razão, da lei fundamental), deve ter menos a ver com uma pressão conjuntural de urgência e mais com uma análise serena e pactuada dquilo que a moderna sociedade portuguesa hoje deve exigir.

Permito-me agora dizer duas coisas talvez polémicas.

A primeira é que um repensar das funções do Estado não pode ser, necessariamente, sinónimo de redução do papel do Estado. "Reformar" não é reduzir e, por mais que isto possa surgir como sacrílego, não excluo liminarmente que, em alguns domínios, possa vir a constatar-se a necessidade de "mais Estado". Pense-se, por exemplo, na segurança pública e na proteção civil.

A segunda será talvez mais chocante para alguns, mas é o que sinceramente penso. Este governo tem uma maioria, conferida por uma indisputável lógica eleitoral. E, em democracia, isto é o essencial. Nessa qualidade, tem todo o direito de apresentar ao país as propostas que entender. Mas, se acaso tivesse um mínimo de sensibilidade, já deveria ter percebido que a evidente erosão da sua legitimidade política é menos conforme com projetos para cuja concretização necessitaria de maiorias que nem as mais fantasistas hipóteses lhe conferem. E quando essas propostas são de um ridículo quase pungente, então não se deve admirar que a gargalhada seja a resposta. A menos que o momento da apresentação do "guião" não tenha sido inocente e tivesse como objetivo ser uma mera cortiina polémica de fumo para fazer esquecer a brutalidade deste orçamento, hipótese que, curiosamente, não vi suficientemente explorada. Se assim é, de facto, qualquer papel serve.

sábado, novembro 02, 2013

Os Santos

Foto de Fernando Ribeiro

Esta é a altura dos "Santos", lá por Chaves. É uma das grandes festas transmontanas, famosa desde sempre como grande feira rural, hoje, dizem-me, está muito urbanizada nos usos mas, nem por isso, menos movimentada e atraente.

Na minha infância, em alguns anos, fui de Vila Real "aos Santos". Almoçávamos quase a meio da viagem, em Bornes, junto às Pedras Salgadas, em casa dos meus avós maternos. Atravessava-se a ponte de Trajano já ao entardecer. Recordo-me de ter criado a ideia de que era uma festa algo estranha, porque quase sempre tinha lugar em tempo frio, quando, em Portugal, a generalidade deste tipo de feiras ocorre numa altura quente do ano. Mais tarde, vim a apreciar frígidas feiras em período natalício, no norte da Europa, com adequadas bebidas quentes para atenuar esses efeitos.

Nesse tempo e nessa idade, a minha grande curiosidade era ouvir falar espanhol pelas ruas, coisa que nunca acontecia no nosso quotidiano de Vila Real, algumas escassas dezenas de quilómetros a sul. É que, tal como sucedia aos flavienses que se deslocavam anualmente "aos Lázaros", a Verín, no mês de março, nesse dia a fronteira era relativamente franqueada para os galegos virem a Chaves, com dispensa de passaporte. Essa minha sedução pelo que soava a "estrangeiro" era, em Chaves, sublinhada pela ideia mítica do contrabando que lhe ia associada, da comercialização do que não havia do lado de cá, de que era expoente a famosa loja da Aninhas Vitorino, que então muito se frequentava e que sobrevivia por complacentes e dizia-se que poderosas cumplicidades.

Nessa "romaria", recordo-me que se ia sempre visitar a nossa família flaviense e, invariavelmente, passava-se no "Aurora", o café do sr. Avelino, um cidadão galego que tinha vivido, por alguns meses, refugiado num armário da casa das minhas tias, nas Pedras Salgadas, durante a guerra civil espanhola. Um mundo de aventuras juntava-se, na minha cabeça de miúdo, à figura do sr. Avelino e às suas andanças políticas na esquerda espanhola. E, com naturalidade, passei a ter simpatia pelas causas que tinham motivado aquele amigo da família.

Guardo ainda a imagem das barracas noturnas no jardim do Bacalhau - ou seria na praça General Silveira? -, do bulício da gente, para cima e para baixo, na rua de Santo António. Depois, era o longo regresso noturno a Vila Real, por Vidago, pelo Reigaz acima, pelas longas retas de Sabroso e Vila Pouca, com a subida da Samardã como último obstáculo.

Outros tempos. Agora, com a A24, tudo é mais fácil. Já prometi a mim mesmo: para o ano, vou "aos Santos"!

Surpresa

O meu prezado amigo e antigo colega de governo, Daniel Bessa, diz hoje no "Expresso" que o "guião para a reforma do Estado" é uma "boa surpresa", um "documento com princípio, meio e fim". 

Tendo lido o texto com um cuidado quase masoquista, só posso concluir que, das duas uma: ou Daniel Bessa aguardava um texto indigente e "tudo o que vier à rede é peixe" ou, lá para o Norte, foi distribuída uma versão diferente. Mas numa coisa concordo plenamente com Daniel Bessa. O documento tem um "fim". Foi ontem.

Gérard de Villiers (1929-2013)

Morreu Gérard de Villiers. Durante anos, usei os seus livros para "antecipar" a visita a alguns países mais bizarros, onde ele ia situando as façanhas do seu herói intemporal, o agente da CIA e príncipe austríaco Malko Linge, denominado SAS (Sua Alteza Serenísima). 

aqui falei do seu curioso livro sobre a Lisboa revolucionária de 1975. Em Angola, recordo-me de ter lido, divertido, as descrições dos salões do Hotel Trópico (onde vivi quatro meses) nas páginas de um "thriller" sobre a guerra civil local onde, como era seu hábito, sempre havia muita violência e sexo. Villiers estava longe de ser um grande romancista, mesmo dentro do seu próprio género. Era um "autor de aeroporto", ligeiro, que combinava uma sugestiva realidade física dos locais - que fazia questão de visitar pessoalmente - com tramas algo maniqueístas, de onde ressaltava o seu profundo anti-comunismo e, mais recentemente, a sua atitude anti-islâmica. Honra lhe seja que sempre assumiu tudo isso com garbo e sentido de mercado.

Não sei se recomende, ou talvez o faça apenas pela curiosidade que representa, o seu livro sobre a Guiné-Bissau, intitulado "Féroce Guinée", centrado nos militares e no tráfico de droga (Villiers trabalhava com a realidade...), como habitualmente com belas mulheres à mistura, de que as capas dos volumes sempre destacavam as qualidades mais salientes. 

sexta-feira, novembro 01, 2013

A eficácia alemã

Durante meses, a Europa e o mundo esperou pelas eleições alemãs. Nada se decidia antes dos "masters" de Berlim resolverem as suas questões política internas. 

As eleições na Alemanha tiveram lugar. A partir dessa data, as conversações para a constituição do futuro governo têm-se arrastado, por muitas e longas semanas.

Se tivesse havido eleições em Portugal e os nossos partidos políticos demorassem o mesmo tempo a decidir o formato de um novo governo posso imaginar as graçolas que que já não teriam surgido na imprensa alemã.

Judeus

As conversações com aquela delegação de Israel tinham tido uma pausa. Passou-se a uma sala ao lado, onde havia cafés e bebidas. O jovem diplomata quis ser atencioso e perguntou: "juice?". O israelita fez uma cara séria e respondeu: "Of course!". Tinha percebido "jews"...

Post

Há poucas horas, coloquei aqui um post a propósito do chamado "guião para a reforma do Estado". Relendo-o agora, verifico que, embora revendo-me naturalmente na substância do que escrevi, o estilo e o tom usados não eram os mais adequados. Retirei assim texto do blogue, pelo que peço desculpa às três pessoas que nele já tinham deixado comentários.

quinta-feira, outubro 31, 2013

Moçambique

Há semanas, acabei de ler "De todos se faz um país", uma memória assinada por Óscar Monteiro, uma figura importante da história política de Moçambique, lutador pela independência, negociador da transição e com papel determinante na vida governativa do novo país. Com um prefácio de Artur Santos Silva, seu amigo dos tempos de Coimbra, o livro é o roteiro de um percurso pessoal dentro dessa geração de rutura, que passou por vários exílios até chegar à sua desejada pátria. Humanista, homem de cultura e com uma aproximação serena às emoções da nossa história comum, Óscar Monteiro ajuda-nos a compreender melhor, nesse seu texto, o que foi a saga da descolonização.

Hoje, à hora de almoço, numa rua de Lisboa, cruzei-me com Óscar Monteiro. Falámos do seu Moçambique, dos problemas que atravessam o país e da necessidade de ser encontrada uma solução que permita superar as atuais tensões que por lá emergiram. No fundo, parece-me que o título do seu livro encerra a resposta para todas essas questões.

quarta-feira, outubro 30, 2013

Demagogia e ridículo

Tenho um grande respeito pelas instituições do Estado ("reformado" ou não). Por isso, num momento em que o país (se) debate (com) o mais rigoroso orçamento da nossa história democrática, que impõe sacrifícios que deveriam concentrar a atenção prioritário do governo, fico chocado, triste e civicamente insultado, embora (já) não surpreendido, quando vejo um ministro da República, usar da tribuna mediática depois do conselho de ministros para lamentar as graçolas do sr. Blatter sobre Cristiano Ronaldo, num exercício de patrioteirismo demagógico e ridículo.

Portugal - Polónia

Nos idos de 1975, a voga das "associações de amizade" estabeleceu-se em Portugal, em especial incentivadas por gente ligada ao PCP, no tocante aos países "satélites" de Moscovo, enquanto Pequim era a tutela afetiva para as congéneres dos émulos maoístas. Embora andasse politicamente algo longe dessas águas, através de Carlos Eurico da Costa deixei-me arrastar, com algum entusiasmo, para a criação da Associação de Amizade Portugal-Polonia. As reuniões tinham lugar num prédio do Campo de Santana e Alexandre Babo, advogado e escritor, funcionava como eixo - manifestamente, político - dessa operação. Não éramos "inocentes úteis", sabíamos ao que íamos e, na prática, acabávamos por ser uma espécie de "compagnons de route" de uma estratégia bem montada. Mas esse era "l'air du temps"...

A motivação essencial a que nos propúnhamos era levar a cabo um conjunto de iniciativas na área cultural e, na realidade, o grupo de figuras que a Associação foi capaz de juntar (e escrevo de memória) era muito interessante: José Cardoso Pires, Jorge Peixinho, João Abel Manta, Carlos Eurico da Costa, Jacinto do Prado Coelho, Maria Lúcia Lepecki, Luiz Francisco Rebello, etc. A embaixada polaca em Lisboa era titulada, à época, por um homem muito interessante, uma figura da cultura, com um toque de alguma heterodoxia. Lembro-me de termos "grandes planos", gizados com ele, nomeadamente nas áreas musical, teatral, literária, etc.

João Abel Manta produziu para a Associação um cartaz magnífico, com um camponês polaco numa atitude de companheirismo com o Zé Povinho português, num modelo idêntico àquele que fez para a "aliança Povo - MFA". A ideia era comercializá-lo para recolha de fundos, mas duvido que tenhamos tido qualquer sucesso na operação. Na realidade, a única iniciativa "concreta" da Associação de que me recordo foi um concerto de um pianista polaco no S. Luís, de música concreta... Toda a iniciativa desapareceu, no calor desses anos em que havia muito mais que fazer!

Hoje, aqui por Varsóvia, lembrei-me que as minhas ligações à Polónia são já antigas. Neste caso uma "outra" Polónia.

terça-feira, outubro 29, 2013

Rumo a Belém

Faltam dois anos e quase três meses para o país escolher o substituto do professor Cavaco Silva. Tal como naquelas corridas de bicicletas em pista em que os adversários quase não se movem, mas olham uns para os outros com imensa atenção, para ver quem "salta" primeiro, o ambiente pré-presidenciais começa a aquecer, à esquerda e à direita. Só quem estiver distraído é que ainda não notou.

Há já os que optam por ser mais explícitos nas suas ambições. Há os que arregimentam discretamente "tropas", por vezes com lugares misericordiosamente pagos. Há os que dão "casuais" entrevistas em tom "de Estado" (para suscitarem do putativo leitor um "ora aqui está alguém que dava um bom nome para Belém!") com um ar "mainstream" (isto é, "bloco central") e sempre com patriótica e crítica angústia, para ir com o tom do fado menor que estamos a viver. Há os que, por entre sorrisos, começam a falar dos perfis que não são adequados ao lugar que eles próprios podem vir a pretender. Outros virão. Os que, "com algum sacrifício", responderão a "apelos patrióticos", com "elevado sentido de responsabilidade", em face da "hora difícil que o país atravessa". E há os que estão calados, porque acham que o tempo é ainda de gestão de silêncios ou, num latim de feira, que o "primum milium passarorum est".

Daqui a tempos, começaremos a assistir a jornadas das "facas longas", isto é, as campanhas mais ou menos "negras" para liquidar putativos concorrentes, com boatarias sórdidas colocadas, como quem não quer a coisa, no seu local mediático habitual. Não é de excluir que surjam aventuras editoriais "ad hoc", como oportunas rampas de lançamento, assentes em estranhos e/ou estrangeiros capitais. Aproveitando a "lufada de ar fresco" que as recentes candidaturas "independentes" terão suscitado, veremos também emergir nomes "impolutos", dessa entidade mítica que é a "sociedade civil", numa espécie de "remake" das vestais do PRD.

Tenho a sensação que vamos ter algumas surpresas no "mercado" dos candidatos, para além dos "clientes" naturais e óbvios deste tipo de ocasiões, isto é, dos candidatos dos partidos disfarçados de personalidades independentes, sob o alibi do caráter "unipessoal" do cargo. Não falo em nomes, mas começa a ter alguma graça o discurso de quantos dizem (e já são alguns) que "é uma ideia que não me passa pela cabeça" (claro que não!) mas que ninguém sabe "o dia de amanhã" e não admitem que ninguém "condicione" o seu futuro. Onde é que eu já vi este filme?

segunda-feira, outubro 28, 2013

Tadeusz Mazowiecki

Tadeusz Mazowiecki, o primeiro primeiro-ministro polaco da era pós-comunista, morreu hoje, na Polónia, onde circunstancialmente estou.

Há anos, convidado a vir falar da Europa a Varsóvia, pelo antigo MNE Bronislaw Geremek, este apresentou-me a Tadeusz Mazowiecki, que estava presente na conferência. Num jantar que se seguiu, Geremek colocou-me ao lado de Mazowiecki e recomendou-me: "Veja se convence o Tadeusz de que Portugal é favorável à entrada da Polónia na União Europeia". Confesso não ter ficado com memória nenhuma (e eu costumo ter boa memória) da minha conversa com Mazowiecki, um homem algo fechado, tímido, com um perfil de intelectual introvertido. Por isso, não faço ideia se então o convenci. Se tal não aconteceu, os factos posteriores vieram jogar a meu favor.

Habermas

Ando, há anos, para ouvir ao vivo o filósofo alemão Jurgen Habermas. Sem ele, não se percebe a Europa. 
 
Já o perdi, "por uma unha", um par de vezes. Hebermas fala hoje em Lisboa. Logo hoje, eu estou na Polónia. Não é apenas coincidência, é azar. 

Lou Reed (1942- 2013)

Já sucedeu a toda a gente. Estávamos em 2002. Entrámos para jantar, com uns amigos, num restaurante que estava na moda, em "downtown" Manhattan. Passámos por uma sala onde uma cara, numa mesa, me disse qualquer coisa. Minutos depois, saiu-me: "não era o Lou Reed que estava naquela mesa à entrada?". A reação foi imediata: "lá estás tu com a mania de que Nova Iorque é só vedetas!". Chegou o empregado e perguntei: "Na mesa, na outra sala, não está sentado o Lou Reed?". Com uma snobe ausência de expressão, respondeu: "Está.Vem cá muitas vezes jantar. Mora ali, na casa em frente". Julgo (já não recordo bem) que ninguém teve coragem para ir espreitar Quando saímos, já se tinha ido. Talvez para um "walk in the wild side". Agora, segundo a notícia que me chega, acabado de desembarcar em Varsóvia, logo depois da derrota do Sporting, Lou Reed morreu. É a vida, ou melhor, é a morte. Há um dia em que chega aos melhores.

domingo, outubro 27, 2013

Notícias do guião

Um conhecido oráculo oficioso de Fafe explicou hoje que o famoso "guião para a reforma do Estado" tem 90 páginas e por título "um Estado melhor".

Enfim, nada de novo a Oeste. Nos idos de 80, reclamava-se "menos Estado, melhor Estado". Outros acrescentariam, com alguma má fé e pior língua "... e o que sobrar para nós". Ainda será assim?

sábado, outubro 26, 2013

Escutismo

Notável é a explicação dada por Ferreira Fernandes, no DN de hoje, para o facto de não surgirem indicações de que os americanos tenham escutado figuras portuguesas:

"Fartos de tantos "eh pá, sei lá!", "vamos a ver..." e "seja o que Deus quiser" desligaram-nos as escutas".

A direita

Gostei muito de ler o Jaime Nogueira Pinto, naquele heterodoxia de linguagem que lhe vem dos tempos do nacionalismo revolucionário, dizer hoje no "Expresso" que, no património imagético herdado do Estado Novo, "a direita acabou por se tornar um cliché do Vilhena, os banqueiros de charuto com uma corista em cada braço ou no joelho, o latifundiário alentejano de "O Delfim", o inspetor da PIDE com uma gabardine e um chapéu, o Salazar nas caricaturas do Manta..." Para concluir: "Aquele Portugal existia, mas não era assim tão mau".

Olha que era, Jaime, olha que era!

Procopiadas

Os leitores deste blogue já devem estar cansados das vezes que, por aqui, lhes falei do bar "Procópio" e dos viciados da sua "mesa dois", uma confraria decrescentemente propensa aos alcoóis e mais dada a chazadas (reais e morais) ou a águas com picos de mais ou menos fama. Às quartas e às sextas, sempre que possível, é dever de quem, deste grupo, anda pela capital, tentar parar uns minutos no "escritório", para rever amigos, trocar graçolas e dar alento à caixa registadora da Alice.

Ontem, um dos membros expatriados dessa tertúlia, havia sido visto de passagem em Lisboa. Constatada a sua "falta de comparência", foi-lhe por mim chamada a atenção telefónica. Logo, no seu Facebook, nos jorrou o seguinte "soneto ao bar Procópio e ao amigo que me chamou":

Eu ouvi o apelo do Procópio,
mas levemente a chuva aqui batia
e a SIC Notícias fez-se ópio,
já eu no meu sofá adormecia,


enquanto no desvão da Mesa Dois
as ideias salvíficas surgiam
e a Pátria se mirava num depois...
que sabemos virá, mas não o dia!

E eu no meu sofá a ressonar!
Ó vergonha, ó infâmia de um destino!
Que é feito do meu brilho a conversar?
"Se nunca o tiveste" diz ladino

o amigo da onça que há em mim!
Pois bebam muito bem, eu fico assim.  

Da filosofia e da vida

1. Nos dias de hoje, ver amigos separarem-se é a coisa mais natural do mundo e, não raramente, a chave para a felicidade futura de ambos. Já assistir a isso num registo de espetáculo público, com a privacidade escancarada ao "voyeurisme", é algo muito triste.

2. Ser olhado de viés numa livraria, acompanhado por cochichos cobardolas, como se estivesse a pedir a "Penthouse", ao comprar um livro de um amigo polémico, retrata bem um Portugal menor que por aí centopeia a sua miséria moral. Aconteceu-me hoje.

Promoção

O "Publico on-line" decidiu promover-me: fala em mim como "antigo embaixador em Luanda", a propósito de umas declarações que ontem proferi, à saída de uma reunião na Assembleia da República", inquirido sobre a situação em Angola.

"To set the record straight": em Angola, fui apenas "secretário de embaixada" durante quase quatro anos (1982-1985), acreditado localmente como "conselheiro", chefiado pelo meu querido amigo António Pinto da França, esse sim, o embaixador português em Angola.

O "Público" errou - para utilizar o nome da secção que o Vicente Jorge Silva, em boa hora, criou com esse nome, desde o início do jornal. Alguma pesquisa jornalística básica poderia ajudar a evitar estes lapsos.

Congos

Ontem, na página do Facebook de um amigo, troquei algumas notas sobre Kinshasa e Brazzaville, as capitais dos dois Congos, separadas pelo majestoso rio com o mesmo nome. E veio-me à lembrança uma história dos anos 80 ligada a uma travessia desse rio.

Eu e um colega acompanhávamos aquela que era a primeira deslocação a África de um jovem político português, com um futuro já então promissor. Acabados os dias de trabalho no então Zaire (hoje República Democrática do Congo), os três tomámos o barco, um "ferry" manhoso e apinhado de gente, que atravessava o rio do mesmo nome, para chegar a Brazzaville, a cidade em frente, na República do Congo, onde teríamos outras reuniões. Contrariamente a Kinshasa, onde havia uma embaixada na qual tínhamos pernoitado nos dois dias da visita oficial, em Brazzaville ficaríamos num hotel, reservado por um cônsul honorário de cujo desembaraço nos diziam maravilhas. Segundo fôramos informados, podíamos ir descansados quanto ao nosso acolhimento e instalação em Brazza, como os locais lhe chamam. Estava tudo tratado.

A viagem foi normal, através de um rio imponente, histórico para Portugal. Quando o barco amarou à margem de Brazzaville, cada um de nós pegou nas suas malas e saiu para o cais. O ambiente era movimentadíssimo, cheio de apitos e gritos, com gente a correr para o barco e outros a formarem filas para controlo dos passaportes. Um pequeno pormenor começou a intrigar-nos: não aparecia ninguém com ar de que estivesse à nossa espera...

O nosso político, de fato escuro e Church brilhantes, olhava ansioso para todo o lado mas, muito especial e insistentemente, para o meu colega e para mim, responsáveis naturais por uma logística que, pelos vistos, começava a falhar. Mirando em volta, ambos nos interrogávamos, em silêncio, sobre o que fazer. O meu colega decidiu ir até à entrada do porto, a fim de ver se acaso não estaria lá alguém. O jovem político ficou então "encarregado" de tomar conta das malas - e guardarei para sempre essa imagem, um tanto ridícula, de uma figura com uma gravidade inquieta, algo intimidado pela coreografia incontrolável de uma África em que quase acabara de aterrar, encastelado com malas em volta. Por mim, dediquei-me a preencher os formulários dos passaportes, umas imensas folhas, em duplicado, onde o que eu ia escrevendo se misturava com gotas de suor que caíam sobre o papel, tipo almaço, onde se alastravam em manchas, num braseiro de mais de 40 graus, sob um sol tórrido.

À distância, o político continuava a olhar-nos, já pálido, num silêncio de raiva, com a nossa imagem profissional a cair a pique. O meu colega regressou, entretanto, da sua expedição com um "carão" preocupado: não estava ninguém no portão do porto a aguardar-nos. Disse que tinha visto táxis no alto de uma rampa, até onde as nossas bagagens teriam de ser transportadas. E ir para onde? Em voz baixa, com o meu colega, fizemos mais duas constatações "dramáticas": não fazíamos a menor ideia de qual era o hotel onde ficaríamos alojados e, o que era mais grave, não tínhamos nenhum dinheiro local. É que tudo estava nas mãos do agora "maldito" cônsul honorário, que, por essa altura do campeonato, já estaria demitido, num despacho virtual gizado na cabeça do jovem político.

Foi então que o meu colega "inventou" uma solução genial. Subi a rampa, falei dois motoristas de táxi, perguntei-lhes se sabiam onde era o "Hotel Hilton" (nome comum que me veio à ideia, mas não havia nenhum Hilton por lá, perguntaram se não seria o Méridien, disse que sim, para nós qualquer solução servia), contratou-se com eles um preço e foi-lhes dito para arranjarem carregadores para trazerem as malas desde o porto, para pagarem a esses carregadores (ficaram perplexos, mas aceitaram), que depois faríamos contas no hotel (lá chegados, logo veríamos se era esse hotel, mas, pelo menos, estaríamos instalados num "lobby" e aí trocaríamos dinheiro). Alugaram-se dois taxis, um para nós e outro para as malas.

O nosso político descrispou um pouco e abancou no táxi que, embora imundo, era a única hipótese que se desenhava. Quando eu, instalado à frente, levantei um pouco a voz ao motorista, que, percebendo o nosso embaraço, estava a querer renegociar o preço, saiu-se com um "não fale assim com os locais!". Eu ia-me passando! O meu colega, homem já com muitas Áfricas, acalmou-o, acalmando-me: "Deixe-o lá! Ele sabe lidar com isto. Não se esqueça que o último posto dele foi em África..."

"To make a long story short": o hotel era mesmo o Méridien, o nosso pobre cônsul, alertado da nossa chegada e arribado pouco depois, ainda ouviu uma zarabanda das antigas antes de ter tempo para explicar que, afinal, a culpa do que tinha acontecido era toda nossa: é que tínhamo-nos precipitado, saindo no porto errado. Devíamos ter aguardado pela acostagem seguinte, um pouco adiante, onde, numa sala VIP, nos esperavam autoridades locais, bebidas frescas e carros oficiais de luxo. E o homem explicou mesmo que todos julgavam que já não viríamos...

Nunca mais esquecerei essa travessia do rio Congo (ou Zaire), por onde já tinha andado o meu conterrâneo Diogo Cão, nos idos de quinhentos, sem táxis nem hotéis nem cônsules. 

sexta-feira, outubro 25, 2013

Humberto França (1952-2013)


Conhecemo-nos um dia em Pernambuco e, desde o primeiro momento, fiquei sensível ao seu contagiante entusiasmo na promoção das questões da latinidade. Foi o criador do movimento "Festlatino", uma iniciativa generosa e idealista, a que se dedicava de corpo e alma, um pouco por todo o mundo.

À medida das minhas possibilidades, dei-lhe alguma colaboração na difusão da "mensagem" do movimento, porque o interpretei como um interessante esforço para reforçar as dimensões culturais da latinidade. Em março de 2012, tive o gosto de o receber na embaixada em Paris, à frente de uma delegação do "Festlatino".

Foi a última vez que nos vimos. Trocámos entretanto alguns mails. A última mensagem que dele recebi foi de maio deste ano. Duvido que o "Festlatino", que vivia da sua força anímica, resista à sua saída de cena.

Conselho da Europa

Desde a manhã de hoje, participo num debate organizado pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na velha sala do Senado, da Assembleia da República. Estamos a tratar questões de Cultura, Ciência, Educação e Media.

Nele falarei dos programas de Educação Global que o Centro Norte-Sul, do Conselho da Europa, que atualmente dirijo, tem vindo a desenvolver.

É muito curiosa esta sensação de intervir, no próprio país, representando uma estrutura de natureza multilateral. Sentimos como que uma neutralização da nossa própria posição pessoal, passando a ser olhados, pelos conhecidos portugueses, como alguém que vem de fora... cá dentro.

As aventuras da ironia

Há dias, falei por aqui da "humilhação" que supostamente atravessaria setores oficiais portugueses pelo facto de não terem sido reveladas escutas suas pelos serviços secretos americanos. O texto fazia jogos de palavras, que julguei facilmente compreensíveis, com ironias à mistura sobre o "guião para a reforma do Estado" (que já aí vem, o que pode significar que fui eu o "ouvido"...) e as supostas escutas na sede do PS.

Então não querem lá saber que, no Brasil, houve quem achasse que os portugueses se estavam a queixar, a sério, por não terem sido espionados?

No Natal do ano passado, fiz por aqui um "desagravo" ao patusco Artur Baptista da Silva, o "especialista" das Nações Unidas que enganou televisões e jornais.

O que sucedeu? Vários blogues acharam que eu tinha acreditado no homem, não obstante, pelo texto, eu ter espalhado notas que davam facilmente a entender que se tratava de uma brincadeira, ainda por cima surgida quando toda a tramóia estava bem clara.

A ironia e o humor são coisas complexas. Passam pela cultura, por pontos de cumplicidade, por códigos. Embora, nos dias que correm, o inverosimil esteja a acontecer, não quero voltar a ser confundido com os produtores de graças tristes. Vou passar a ter mais cuidado.

quinta-feira, outubro 24, 2013

Portuñol

Há uns anos, fui a Madrid chefiar uma delegação portuguesa. Sentado à mesa de trabalho no palácio de Santa Cruz (equivalente ao nosso palácio das Necessidades), iniciei espontaneamente a minha intervenção em espanhol. Segundos depois, dei-me conta que o meu nível de expressão em língua espanhola, sendo mais do que suficiente para uma conversa solta, não dava para sustentar quase duas horas de trabalho técnico, recheado de expressões que não podem dar lugar a um mínimo de ambiguidade.

(Até 1979, eu nunca tinha ousado expressar-me em espanhol. Lia muito bem a língua, percebia-a falada, mas eu próprio falá-la era bem diferente. Daí que raramente ousasse pedir mais do que "un solo".... Quando fui viver para a Noruega, o meu primeiro grupo de amigos era composto por diplomatas espanhóis, brasileiros e latino-americanos. Com algum esforço, tive de começar a "aculturar-me" ao espanhol, que era a língua franca nesse meio. A curiosidade fez-me mesmo comprar uma gramática e livros de exercícios de espanhol. Mas nunca fui muito longe, confesso... Logo nas primeiras férias em Portugal, numa deslocação a Verín, na Galiza, entrei numa loja e teimei em testar o meu espanhol. O comerciante galego sorriu para mim, com um ar piedoso, e disse-me: "Por que não fala português? Percebemo-lo melhor...")

Mas voltemos a Santa Cruz. Ao constatar o esforço que a "habla" me estava a custar (no fundo, repercutindo a tirada do lojista galego..,) o meu contraparte espanhol, Ramón de Miguel, que entendia bem o português, propôs-me o seguinte:

- Eu falo espanhol e tu falas português. Se ambos falarmos devagar, as nossas delegações entendem.

Os minutos seguintes vieram a provar que isso não era verdade. Se, para o nosso lado, era relativamente fácil acompanhar o que o meu contraparte espanhol dizia, notei que, falando em português, mesmo que artificialmente mais lento, a restante delegação em frente a nós tinha dificuldade em entender-me. A constatação disso, ao final de alguns minutos, acabou por pôr-nos todos a falar... em francês!

Porque me lembro disto agora? Porque, há dias, num congresso em que participei na Turquia, sobre a América Latina, vi-me envolvido numa situação complicada, ligada ao uso do espanhol. 

As línguas oficiais eram o turco, o espanhol e o inglês. Durante o voo, preparei uma intervenção para cerca de 40 minutos, que deveria pronunciar num mano-a-mano com a antiga ministra dos Negócios Estrangeiros, Trinidad-Jimenez. Cabia-nos a ambos pronunciar as "conferencias magistrales" que encerravam o primeiro dia de trabalhos. Tendo o inglês como opção, não hesitei um segundo em escolher essa língua.

Para além de dois discursos iniciais de figuras oficiais, em turco, durante o congresso toda a gente falou em espanhol, mesmo os turcos e brasileiros presentes. À medida que se aproximava o momento de intervir, comecei a angustiar-me: só eu falaria em inglês? Isso iria soar muito estranho e obrigaria à mobilização dos aparelhos de interpretação por parte do auditório, que, sem exceção, entendia e falava espanhol.

Foi então que tomei uma decisão, da qual, confesso, me viria a arrepender: decidi falar no "meu" espanhol. No passado, já tinha feito três intervenções nessa língua (uma no Chile, outra no Uruguai, uma outra em Espanha), mas todas haviam sido baseadas em textos escritos, previamente testados com cultores da língua. Desta vez, porém, iria improvisar, com base num texto... em inglês! Na prática, usei um "portuñol" que, no entanto, me deu imenso trabalho. Durante mais de meia-hora, fiz tudo para ser compreendido. Julgo que as pessoas acabaram por perceber o que eu disse, muito embora reconheça que aquela não foi a minha "finest hour". Mas foi uma das mais difíceis!

Decidi que este foi o derradeiro teste ao meu "portuñol". A partir de agora, só o usarei em conversas "ligeiras", nas "tiendas" ou para pedir um café...

quarta-feira, outubro 23, 2013

Descobrimentos

Será na quinta-feira, dia 24 de outubro, na livraria Bullosa, em Entrecampos, que apresentarei este magnífico livro do professor Paulo Jorge de Sousa Pinto, com um prefácio do jornalista Ferreira Fernandes.

Contrariamente àquilo que o título algo "ligeiro" do livro pode induzir, estamos perante um trabalho com grande profundidade histórica, apoiado numa completa bibliografia, escrito num português "de lei", que nos ajuda a lançar um olhar novo sobre algumas questões dessa aventura ímpar que foram os descobrimentos portugueses.

10 brevíssimas

1. Catherine Deneuve fez 70 anos. Isto começa a ser preocupante...
2. Moçambique em pé de guerra. É o que dá um país começar a ter dinheiro.
3. Bela passagem de gerência na Câmara do Porto. Agora, a ver vamos...
4. Não é saudável o degradar da linguagem no discurso político interno.
5. Terroristas espanhóis libertados por erros da Justiça. Estas coisas pagam-se.
6. Jean-Claude Juncker ganha de novo no Luxemburgo. É um grande amigo de Portugal.
7. Tenho pena pela quebra do FC do Porto no plano europeu. Sem ele, goste-se ou não, Portugal não tem futuro no futebol internacional a nível de clubes.
8. Discretamente, saiu da cena da vida o general Belchior Vieira. Era um senhor das nossas Forças Armadas.
9. Continuam as dissonâncias no executivo. Agora é o "programa cautelar". Caramba: não conseguem combinar nada? Ou falar menos?
10. A entrevista televisiva do embaixador angolano em Lisboa foi modelar. Defendendo, com elegância diplomática, os interesses que o seu país entende dever defender.

Discriminação

Aqui entre nós, não deixa de ser uma suprema humilhação para Portugal o facto de, nas revelações que vão surgindo sobre as espionagem pelos serviços secretos americanos a políticos de vários países, não ter aparecido a mais leve referência a Portugal.

Então ninguém escuta os nossos governantes? Ninguém quer saber o que eles dizem? Ou será que os americanos já conhecem o "guião para a reforma do Estado" e nós não? Estarão a copiá-lo?

Faça-se devida justiça à oposição, que bem tentou remar contra a maré, denunciando escutas à sua sede. Mas também ninguém os ouve...

De copo e prato

Os franceses chamam-lhe os "pique-assiettes", os brasileiros qualificam-nos de "arroz de festa". Em Portugal julgo que não há um nome específico para designar aquelas figuras que fazem parte do panorama habitual das embaixadas, os frequentadores constantes dos cocktails e dos "dias nacionais".

Não me refiro àqueles que, por uma razão funcional ou outra, "têm" de estar nesses eventos: políticos, figuras da administração pública, embaixadores, empresários, académicos, etc, muitas vezes com ligações específicas ao país em causa. Para alguns destes, assistir a esse tipo de receções é por vezes um "frete", desempenhado por razões protocolares, outras vezes pela genuína simpatia que o anfitrião ou o país que os convida lhes merece. Mas, entre estes, há também quem adore andar por esses eventos, ser convidado, sentir-se parte desse mundo. Gostos.

Falo de quantos, sem motivo substantivo aparente, rodam com regularidade, comendo e bebendo, pelos salões diplomáticos. Raramente os vemos sem um copo na mão, conhecem os criados que já lhes conhecem os gostos, mantêm imbatíveis técnicas de abordar as mesas onde ficam pousadas as vitualhas, cuja geografia referenciam desde a chegada aos salões. Têm sempre um olho alerta para topar as figuras públicas conhecidas presentes, de quem se aproximam subtilmente, por sucessivas entradas de ombro, das quais se fazem lembrados e a quem logo apresentam os seus respeitos. Saltitam de grupo em grupo, sempre com um sorriso quase esgar, fazem imensa questão de apresentar uns a outros, cumulam de adjetivos elogiosos os conhecidos, dizem-nos que estamos mais magros e com bom aspeto, às senhoras galanteiam ao ponto de as fazerem acreditar em milagres. São, quase sempre, pessoas amáveis, faladoras, mas, há que dizer, há casos em que são uns imensos "chatos de galocha", que nos agarram o braço ou colam a cara à nossa, para revelar a "última". Alguns, contudo, são utilíssimos: "Não beba o tinto! É uma zurrapa!" ou "O salmão só lá vai com uma serra..."

A maioria acedeu aos círculos das embaixadas por uma função desempenhada no passado, há muito desaparecida. No caso delas, foi frequentemente por um casamento que já lá vai, às vezes por viuvez, às vezes por divórcio. Andam sempre com cartões pessoais, de letra deitada, a armar ao clássico, que apontam ao mais ínfimo diplomata estrangeiro que surja no seu horizonte, na certeza de que isso pode contribuir para continuar a ser lembrado na respetiva embaixada. A sua histórica "target" estratégica são as secretárias dos embaixadores, cuja memória adoçam pelos natais. Porquê? Para estarem sempre nas boas graças da "lista social", para terem a certeza de que, saído que seja um embaixador do posto, através delas garantem a sossegante "recondução" nos convites feitos pelo seu sucessor.

Nem todos têm a mesma capacidade de acesso. Há os que conseguem ir ao "14 juillet", à festa americana ou ao dia da raínha britânica. Em Lisboa, as festas nacionais da Espanha e do Brasil completam esta lista "top" de destinos sociais de eleição. Na sua hierarquia específica, a Itália e a Alemanha estão logo de seguida. Esta é a "aristocracia" destes "habitués", que nunca se referem ao "embaixador X" ou à "embaixatriz X", mas sempre ao "Philippe" ou à "Margot", íntimos, claro. Depois, há os mais modestos, os que só acedem às embaixadas da "Bordúria" ou da "Sildávia", onde vagueiam como aves de pequena rapina por salas desertas, às vezes por uma sandwich, às vezes por
 uma empada, deglutida com um vinho de segunda. Tenho um particular carinho por estes últimos, confesso. Chegam a ambicionar comendas, dessas capitais longínquas. E alguns conseguem-nas.

Conheci centenas destas figuras, ao longo de quase quatro décadas de vida diplomática. De alguns, fiquei mesmo amigo, para além de indefectível admirador da técnica, da sua capacidade de garantirem uma espécie de "oxigénio social" que lhes é vital para o quotidiano. De onde, diga-se, não vem nenhum mal ao mundo. Bem pelo contrário: sempre ajuda a compor receções desertas, onde a sua presença, quase sempre histriónica, é mais notada e desejada. E, então quando chove e os convidados rareiam, os anfitriões ficam ainda muito mais gratos.

Porque falo disto hoje? Porque, ontem à tarde, numa embaixada, encontrei um deles, um grande "profissional" deste "métier", que me disse: "Vou "raspar-me" porque tenho ainda duas "funções" a atender. Sabe como é!" Sei, sei. E lá o vi sair, discreto, leve, sempre muito leve...

Em tempo: como é óbvio, não poderei aceitar qualquer "name-dropping" nos comentários...

terça-feira, outubro 22, 2013

XXI

É uma revista anual da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Chama-se "XXI - Ter opinião". O próximo número, relativo a 2014, sairá no início de novembro, sob a direção de José Manuel Fernandes, e é dedicada ao tema "Os Caminhos da Europa".

Tem artigos de muita e variada gente: D. Manuel Clemente, Maria Filomena Mónica, José Tavares, Vitor Bento, José Manuel Felix Ribeiro, João Marques de Almeida, Fátima Bonifácio, Alan Sked, Manuel Vilaverde Cabral, Fernando Adão da Fonseca, Paulo Guinote, Jacinto Lucas Pires e João Pereira Coutinho.

Por lá publico um texto, escrito neste verão, que espero possa ter "sobrevivido" à crescente imprevisibilidade da evolução das coisas europeias. Chama-se "A Europa é possível?" e foi assim sintetizado:

"A vida é o que é, e a da União Europeia também. E a Europa está a pagar o preço de ter avançado muito depressa e sem resolver os seus problemas de representatividade, o que recomenda que se proteja o acervo do processo de integração já percorrido, muito em especial os fantásticos avanços conseguidos no mercado interno e os ganhos das liberdades introduzidas no espaço europeu. Num tempo onde os grandes entusiasmos parecem colocados a recato, o bom senso recomenda aquilo que pode ser acusado de ser apenas um modesto “possibilismo” europeu, mas que aposta no essencial, no que não se pode perder."

Pode ler os textos aqui (subindo na imagem e clicando em "preview revista").

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