Foi uma tarde que ficou na história das Necessidades, nesses anos 70. De
súbito, surgiu pelos corredores a indicação de que um colega,
conhecido pelas suas fúrias e pelo seu espírito belicoso, que mais tarde haveria de
revelar-se noutras frígidas paragens, pretendia "dar uma sova" num determinado diretor-geral, que, por acaso, era o meu. Já não recordo o motivo que levava esse diplomata, então cônsul-geral num posto no estrangeiro, a querer tirar desforço dessa figura da hierarquia. Mas, conhecendo-o bem, alguns colegas apostavam em como as coisas acabariam forte e feio.
A perspetiva de uma briga, que prevíamos pudesse ter lugar no pátio de entrada (na imagem), levou muitos de nós a não abandonar o serviço no termo do dia de trabalho, curiosos em saber como acabaria o assunto. No meu caso, tendo atrás da minha secretária uma bela janela lateral da qual se "controlava" toda a área desse pátio, fui assistindo à coreografia agitada do putativo agressor. Dando expressão à técnica negocial que ilustra a prática da casa, íamos observando que vários emissários se esforçavam por conciliar as partes. Ou melhor, tentavam isso junto da parte mais agitada, dado que o diretor-geral permanecia escudado dentro do seu gabinete, acolitado pelo meu "chefe de repartição", um seu íntimo que, ao final de cada dia, o conduzia reverentemente a casa. A nossa atenção dividia-se, assim, entre a agitação reinante no corredor da direção-geral e o pátio, onde o colérico colega permanecia, rodeado de "plenipotenciários".
As coisas terminaram antes da hora de jantar. E sem o espetáculo por que todos ansiávamos. O colega foi convencido a regressar a casa. E o diretor-geral, pelo-sim-pelo-não, abandonou discretamente o ministério pelo "palácio velho", o mesmo que foi a residência do último rei, da qual fugiria, a 4 de outubro de 1910, a caminho do exílio.
No dia seguinte, soube-se que o frustrado agressor teria dito a seguinte frase, que ficou nos anais da casa, referindo-se ao "encontro" que pretendia ter com o diretor-geral, que teria alegado não ter tempo para o receber: "Eu não demoro nada! Só o tempo de lhe dar dois murros nas trombas..."
9 comentários:
Gostei muito desse texto. De tal maneira fui envolvida por ele, que lamentei o fato de o espetáculo ficar "inconcluso"...
Já um cisne teria menos sorte, anos depois.
a)Cascais
Mais uma manifestação do nosso tão característico "Agarrem-me, se não eu mato-o"
Dentro do anedotário das brigas, nunca me esqueci daquela vez em que, no pátio do Liceu Gil Vicente, o Henriques e Capela se desentenderam, resolveram brigar e, depois de tirar os óculos para não os partir, o Henriques disse: "Já nem te estou a ver bem!" Perante a resposta do Capela: "Então põe os óculos outra vez!", desatou "tudo" à gargalhada, incluindo os contendores. E a briga acabou ali.
Caro Seixas. Chamemos os bois pelos nomes: CAbral de Moncada e João Pequito. E conheço alguns pormenores que não vale a pena acrescentar. Do que você se foi lembrar, homem!
CSC
CSC,
O Moncada era diminuto para ir a brigas, mas...quem sabe!
FD
Também houve uma história (com h pequeno) na Finlãndia, se bem me lembro...metia polícias e carro.
Bem mais mais aliciante seria um duelo...
Mas de facto não há como a expectativa...Enquanto não sai gorada claro
Sinceramente, acho este tipo de histórias escusadas. Não têm especial piada e, além disso, dão má impressão dos diplomatas.
Talvez não faça grande mal pensar-se que são todos sujeitos calmos e educados.
@ Anónimo das 12.33.
É que tudo isto se deve ter passado antes de 1974.
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