Há dias, Pacheco Pereira, num artigo no “Público”, falava de um tema em que partilhamos um interesse em comum: livros. E perguntava-se, já não sei bem porquê, sobre o número de livros que cada um de nós pode vir a ler na vida – número que contrasta com a imensidão de algumas bibliotecas pessoais, impossíveis de serem "consumidas" pelo proprietário (como será, com certeza, o caso da famosa e gigantesca biblioteca do próprio Pacheco Pereira, na Marmeleira).
Esta é uma questão que já coloquei muitas vezes a mim mesmo, tendo chegado a conclusões similares às de Pacheco Pereira.
Há um raciocínio simples: se alguém, entre os 15 e os 75 anos (as idades são flexíveis, mas trata-se de uma média de 60 anos de leitura), tiver lido, com regularidade, dois livros por semana, sabem quantos livros leria no final? 6.240 livros! Pacheco Pereira chegava a uma cifra similar, concluindo, com equilíbrio, que o número máximo real não pode mesmo passar dos cinco mil livros lidos, em toda uma vida. E, para isso, teria de ser um excelente e regular leitor. Não deixava, porém, de notar que, quando falamos de um “livro”, tanto podemos estar a referir-nos a um pequeno volume de dezenas de páginas como a um calhamaço hermético que se aproxima dos milhares de folhas.
Então, por que diabo, eu, que, em regra, não chego a ler dois livros por semana (quem me dera!) e que ainda tenho mais de uma década antes de atingir a tal idade, possuo já cerca de uma dezena de milhar de livros, na minha biblioteca?
Por razões muito simples e que, sem dificuldade, assumo: porque tenho imensos livros que comprei, na expectativa de vir a ler e que não li (e, dentre eles, muitos que nunca lerei); porque há outros que deixei a meio (por cansaço ou porque outros se tornaram mais urgentes); porque me ofereceram livros que não faziam parte das minhas prioridades de leitura (e que, por isso, não li); porque não consigo arranjar coragem para “desfazer-me” dos livros que tenho; porque, apesar de isso ir contra o mínimo de bom-senso, guardo aquilo a que Jaime Gama chama os “não-livros” (catálogos das coisas mais bizarras, obras de propaganda sobre países, livros turísticos, coletâneas oficiosas de discursos, etc). Também porque tenho muitas obras de referência - enciclopédias, dicionários, prontuários, guias e outras obras para mera consulta, que não justificam leitura completa. E porque sou um masoquista que se dedica compulsivamente à “etnologia” política, desde já previno que também tenho, lá por casa(s), coisas como todos os quatro volumes de “Últimas décadas de Portugal”, de Américo Tomás, o “Livro Verde”, do coronel Muhamar Khadafhi e outras pérolas de qualidade similar, que a injustiça fez escapar ao Nobel.
Os livros e as bibliotecas são, assim, uma perdição que merece toda a minha indulgência.
Deixo-os com uma historieta a propósito de livros. Um dia, um grande amigo meu, leitor compulsivo mas com certa moderação no que adquire e guarda, visitou a imensa biblioteca de uma conhecida figura portuguesa, que, orgulhosamente, lhe mostrava as dezenas de milhares de volumes de que era possuidor. A certo passo desse “tour du propriétaire”, o dono da biblioteca perguntou ao meu amigo: “E você? Tem muitos livros?”. Ele respondeu-lhe, com uma ponta de ironia: “Aí uns seis mil. Não mais. Mas li-os todos…”