sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Abébias

- "Não dou abébias, prontos!"

Confesso que não percebi, à primeira, a frase-exclamação do taxista, que havia "fechado" ostensivamente a entrada de um carro na fila onde íamos, na Fontes Pereira de Melo, à chegada ao Marquês. O homem mantivera-se calado desde o aeroporto, naquele silêncio ofendido com que essa inenarrável espécie que são os "taxistas das chegadas" por vezes nos presenteia, como retribuição pelo facto de lhes termos tirado da sorte um turista incauto, com quem faria um involuntário "sightseeing" por Odivelas, num percurso até ao Rossio. 

Em fundo sonoro, André Vilas-Boas explicava, em tom catedrático, do tipo "sucedâneo de Mourinho", as subtilezas da passagem da eliminatória. Como vingança pelo facto de eu o ter obrigado, por duas vezes, a baixar o som da conferência de imprensa (que durou todo o tempo da viagem), o motorista tinha aberto a sua janela, por onde expelia o produto da sua tosse, deixando entrar o frio desse fim de tarde de Lisboa.

- "Nunca mais dou abébias! Aqui há uns dias, deixei entrar uma fulana na minha fila e um gajo arrebentou-me logo a traseira. Tenho o outro carro na oficina vai para vinte dias. Foi em Santa Iria da Azóia. Agora, eles que se amanhem. Não dou mais abébias..." 

E com este discurso reiterado à saciedade, em versões diversas em que a inabalável recusa das "abébias" sempre figurava, a que se somaram comentários impublicáveis sobre polícias e outros sobre o ódio aos peões ("nas passadeiras, comigo, estão lixados! Se esperam que eu seja bonzão, bem podem tirar o cavalo da chuva! Levam com um farolim no olho, ai isso é o mais certo!"), lá consegui chegar a casa. Uhf!

O que é o problema do défice, comparado com isto?

17 comentários:

António P. disse...

O do défice o do seu Sporting, caro Embaixador.

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Eis um retrato magistral dessa sub-classe dos taxistas, que são os que estão estacionados nos aeroportos!
Mas garanto-lhe que apanhei um discurso quase idêntico à chegada a Paris. O motorista atirava-se à Bruni e ao marido em termos impróprios de serem publicados. Mesmo tentando traduzir abébias, não dava...
Fiquei a saber da vida do casal seguramente mais do que eles próprios.
Há profissões que são idênticas em qualquer parte do mundo. A linguagem do Bolhão ao pé do que eu ouvi seria pura aristocracia. E eu não sabia metade do que ele dizia...

Anónimo disse...

Mas isso também é um problema de défice...

De tolerância e Fairplay.

Não acredito que não tenha dado conta

Isabel seixas

Anónimo disse...

Será que António tambem é taxista?.

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

E o Senhor Embaixador deve ter apanhado este Taxi para o Parque das Nações verdade? Parabens pelo merecido prémio que ontem vi entregarem-lhe na BTL.

Anónimo disse...

Pessoalmente acho interessante a interação ocasional estabelecida, mais ainda o flash que o Sr. consegue fazer como retrato.
Isabel seixas

tempus fugit à pressa disse...

Há défice?

De inteligência?

De Bom Senso?

De élites não há

Infelizmente

Não se pode cortar nessas?

Embaixador é apelido

ou é doença?

tempus fugit à pressa disse...

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obviamente demita-o

qu'isto de salvação

é coisa que não existe

excepto na morte

e nisso felizmente chegareis primeiro

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro José Tomaz Mello Breyner: muito obrigado pelas suas amáveis palavras. Mas o táxi foi na véspera...

Francisco Seixas da Costa disse...

Quanto à elegância do "árabe" de serviço, ela aí fica. É o outro défice...

Anónimo disse...

Também não gosto de dar "abébias":

"Abébia 1"

Aos taxistas das chegadas, são indescritíveis e representam a primeira imagem do país para os turistas. Pelo aspecto, a maioria deve estar em liberdade condicional...

"Abébia 2"

Aos comentários sem nexo, sinónimo de puberdade em estado permanente... Espécie que, vulgarmente, se designa por "Cromo" (neste caso específico, alguém que fala em "salvação", mas necessita urgentemente de ser salvo).

Isabel BP

Anónimo disse...

Embaixador,

A sua descrição desse spécimen que qualquer visitante pode encontrar ao chegar ao nosso país é excelente. Amigos estrangeiros têm-me referido a péssima imagem com que ficam de nós logo à chegada quando têm apanhar transporte para um hotel próximo do aeroporto. Deixo-lhe uma dica para evitar esses delinquentes: da próxima vez tente apanhar um táxi nas partidas onde estão sempre alguns taxistas que foram levar alguém e por lá ficaram. Têm normalmente um comportamenteo diferente. Bem sei que pode parecer um bocado cobarde não enfrentar um motorista que mais parece alguém em liberdade condicional, mas ao menos não aumentamos o risco de arranjar uma grande chatice, como já me aconteceu. Há tempos, cansado de uma longa viagem, pedi ao taxista para me levar à Avenida de Roma. Começou logo por dizer, "cum caraças, só a mim é que me acontece, estar na fila duas horas e sair-me logo um cliente prá Av de Roma". Se calhar cometi o erro de lhe perguntar se queria, primeiro, ir dar uma volta a Cascais para ficar mais satisfeito dado que eu, infelizmente,morava tão perto. A coisa azedou, o homem era uma besta enorme, e, bem, acabei com as malas na Rotunda do Aeroporto. A minha única satisfação é que não lhe paguei a "corrida"... e ele, provavelmente, voltou para a fila mais duas horas, e, o que teria sido perfeito, saiu-lhe um cliente para o Areeiro...

Manuel Miranda

juliomoreno@sapo.pt disse...

Táxis e taxistas
Com a lentidão e dificuldade que uma recentíssima - de dois dias - cirurgia às cataratas me provocavam, foi com muito maior lentidão que consegui descrever aqui – antes que se me varresse da memória! - o que a sua leitura me sugeriu da experiência que eu mesmo tenho acerca de taxistas, tema do último post do distinto Embaixador Seixas da Costa a quem daqui peço licença para cumprimentar – por favor, não se entenda lisonjear! - uma vez mais.
É que, curiosamente, as minhas experiências sobre taxistas têm sido bastante interessantes e muitas vezes instrutivas até, sobretudo, quando pretendo – ou, melhor dizendo, pretendia - tirar a "temperatura" económica, social e até política" a qualquer cidade/país onde já há algum tempo me não tivesse deslocado.
Porque normalmente bem informados, tantas e tão variadas serão as conversas que terão ouvido aos passageiros que, nas respectivas “corridas” transportaram, e, querendo, na maior parte das vezes, mostrar um pouco da sua própria cultura, personalidade e opinião crítica – isto consoante o tipo das perguntas bem como o das pessoas que lhas formulem - e que é, a meu ver, muitas vezes válida - é meu costume o socorrer-me dos motoristas dos táxis que apanho quando desembarco nos aeroportos para, interrogando-os nos seus idiomas, sempre que tal me é possível (e que a bem poucos se resumirão, o inglês, o francês, o italiano, o espanhol e, algumas vezes, o próprio português mesmo no estrangeiro!), e assim obter deles um resumo muito pessoal da situação que no momento estiver sendo vivida, mas nem por isso mesmo menos real ou objectiva, e que eu não tenha tido tempo de obter pelos noticiários habituais desde a última vez que tenha visitado o local em causa.
Dentre vários, recordo-me de que foi num destes meus habituais inquéritos que, quando, algum tempo antes do 25 de Abril, aterrei em Bruxelas, sendo surpreendido nesse dia com um jantar com o Encarregado de Negócios de Portugal na Bélgica, familiar de um grande amigo meu, que soube que a hoje falecida transportadora aérea belga, a “Sabena”, exibia um interessante e ilustrativo anúncio de propaganda turística ao nosso País com os dizeres, intencionais ou não, seguintes: “VISITE PORTUGAL ANTES QUE ACABE… É O ÚNICO PAÍS DA EUROPA QUE AINDA VIVE NO SÉCULO XIX.”
Contada a novidade ao nosso representante naquele país, que a desconhecia, soube, alguns meses depois, que o facto quase ocasionara um incidente diplomático não porque não houvesse interpretações condizentes com o que naquele anúncio se dizia mas porque a “ofensa” fora considerada como de nível particularmente elevado – tal como a mim me pareceu – para o País nele visado.
Curiosamente, sair de um avião e apanhar um táxi, pode, por vezes, revelar-se útil e mesmo interessante do ponto de vista quer sentimental, quer informativo, sociológico ou, até mesmo, patriótico…

Anónimo disse...

Taxistas de dúbia honestidade encontram-se em qualquer parte do mundo. Tive uma dessas ultimas experiências em Pequim.
Chegado ao aeroporto, pedi para me levar ao hotel.
Ao chegar, paguei o valor afixado mas verifiquei que o valor pago não era igual ao valor da factura. Sendo uma viagem de trabalho, necessitava do valor correcto e então reclamei. Primeiro problema, falar com um taxista em Pequim não é possível se não falar mandarim.
Após ajuda do pessoal do hotel consegui factura do valor pago, com um pequeno pormenor, o valor não estava numa mas sim em duas facturas.
Ao que percebi, o valor apresentado era demasiado elevado mesmo para um estrangeiro e não poderia ser apresentado às autoridades que controlam a actividade. Moral da historia, sempre que vou a Pequim não saio do aeroporto sem acertar previamente o valor a pagar ao taxista.
Eduardo Antunes

Helena Oneto disse...

"...tirado da sorte um turista incauto, com quem faria um involuntário "sightseeing" por Odivelas, num percurso até ao Rossio"...
esta é genial!!! (muito me ri). E por essas e por outras que indico sempre o trajecto. Claro que ficam de trombas mas evito que me peçam o equivalente em euros dos 7 mil escudos que um desses taxistas me pediu, no fim dos anos noventa, por uma "corrida do aeroporto a Benfica... depois de uma discussão muito azeda, e de o ameaçar de chamar a Policia ele acabou por aceitar 200 escudos!

Pelos vistos a estupidez não é privilégio de uma certa casta de taxistas portugueses...:( ele ha cada cavalgadura...

Maria Climénia Rodrigues disse...

....acabei de ler o comentario do Dr. Arabe de Servico e achei simplesmente delicioso, de facto e preciso uma certa sensibilidade, para perceber que o tratamento a alguem por "Sr Embaixador....", pode ser simplesmente um acto de carinho por quem tao bem escreve,e esta sempre em cima dos acontecimentos, relembrando que nem so de futilidades se vive,mas enfim sensibilidade e bom senso, nao esta ao alcance de todos, daí perceber-se que o dito tratamento nao esta ao alcance de todos....que pena....

Maria Climénia Rodrigues disse...

......Acabei de ler o comentário do Sr Arabe de serviço, e achei simplesmente delicioso, que alguém que não consegue dar um nome aos seus escritos, não tenha a sensibilidade de perceber que o tratamento de "Embaixador", não tem que ser mais do que um modo carinhoso de nos referirmos ao autor de um blogue, que tão atento está e escreve as questões que nos rodeiam, abstraindo-se das futilidades de tantas crónicas ocas e sem sentido. De facto ser Embaixador e saber escrever tão bem, deve incomodar alguns, como dizia anteriormente..., no fundo é tudo uma questão de sensibilidade e bom senso...Nem só de Paulos Coelhos vive o nosso Mundo;(Note-se que não conheço nem sou mandatária do autor do blogue),simplesmente o leio e me agrada muito o que leio....

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...