segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Jantar de fim-de-semana

Era sempre assim, lamentava-se o embaixador. Os nacionais do país em que estava acreditado só convidavam para as suas casas durante os fins-de-semana. Quando muito, na sexta-feira à noite. Isso destruía-lhe o sossego do sábado e do domingo, que tanto prezava, utilizado para passeios pelos arredores da capital. Mas, que se havia de fazer?!, era quase sempre assim...

Pelo menos, naquele sábado, os anfitriões seriam um casal simpático, com o qual os embaixadores se haviam cruzado diversas vezes e que tinham já ido jantar à embaixada. A informalidade do convite levava a que não tivessem recebido sequer um cartão escrito, mas uma simples indicação do endereço, surgida numa conversa no meio de uma receção. Sendo assim, seria adequada a hora escolhida para aparecerem? Que tipo de vestuário seria mais próprio? Era uma pena não terem esclarecido isso, a tempo. Pelo sim pelo não, o embaixador levava um "blazer" com gravata. Se a informalidade fosse muita, logo poderia tirar o adereço do pescoço... ficando com o traje a que os brasileiros chamam "esporte fino".

O embaixador e a sua mulher tocaram à porta. Tiveram esperar alguns minutos. (Ora bolas! Parece que chegámos demasiado cedo). Seria o dono da casa, ele próprio, a vir abrir a porta, conduzindo-os para a sala. Estava de "jeans" e "pullover" (Que chatice! Viémos um pouco 'overdressed'). Foi muito simpático e, rapidamente, ofereceu bebidas. A dona da casa demorou um pouco mais a aparecer e, quando surgiu, denotava ter-se arranjado um tanto à pressa. (É isso! Chegámos muito cedo. Das próximas vezes, temos de saber a hora exata). A embaixatriz tinha-lhe trazido flores, que a senhora agradeceu muito.

A conversa fluiu, durante as horas seguintes. Os anfitriões eram gente interessante e culta. E muito mais simples do que os embaixadores supunham. A dona da casa, a certo passo, deslocou-se para a cozinha. Afinal, seria ela própria quem faria o jantar. (Que casal encantador!). A embaixatriz ofereceu-se para ajudar e o embaixador acabou também por ir abrir o vinho, selecionado na pequena adega, numa incursão feita com o dono da casa. O jantar, muito simples mas saboroso, acabou por ser bastante tardio, num ambiente verdadeiramente familiar. (Gente muito agradável e simples! Mas, claramente, esperavam-nos mais tarde).

E a noite chegava ao fim. Os embaixadores agradeceram a simpatia do jantar, sublinhando, com sinceridade, o caráter intimista do acolhimento, dizendo as tradicionais amabilidades sobre as capacidades culinárias da dona-da-casa e sublinhando, com sinceridade, o excelente ambiente que haviam partilhado.

Foi então, à saída, que o anfitrião comentou: "Amanhã, domingo, teremos cá os embaixadores franceses e também um casal de médicos, nossos amigos". (Por que diabo se lembrou agora de nos revelar quem serão os hóspedes de amanhã?). "E, como lhe disse na semana passada, cá os esperamos também. Oito e meia é uma boa hora?"

7 comentários:

Anónimo disse...

Não sei se a Maggie vai aprovar os porta panelas.
Isabel seixas

De resto foi giro...

Helena Oneto disse...

Imagino:):):)! E pena não contar o que respondeu o Embaixador (no caso deste ter conseguido dizer alguma coisa)...

Os anfitriões mostraram ser gente muito bem educada!

Anónimo disse...

Mas então o Embaixador não tinha, pelo menos, uma secretária lá na Embaixada, para o lembrar destas coisas (já que a cabeça dele não as registava)? Que embaraço!
P.Rufino

Julia Macias-Valet disse...

Nunca me aconteceu mas aconteceu com amigos próximos. Ai é que se vê a verdadeira arte de "receber".

Os meus ficaram para jantar e voltaram no dia seguinte.
E os seus também voltaram certamente !?

Anónimo disse...

Será imperdoável se não registar, num outro suporte, a compilação destas e de outras estórias.

JR

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Aconteceu-me algo de semelhante.O meu marido e eu havíamos sido convidados para jantar em casa de um dos administradores do Banco de França, pessoa encantadora, mas com quem fazíamos cerimónia. Nesse jantar, em princípio, estariam outros elementos ligados às finanças e o Banco de Portugal fez questão que fossemos.
Tomámos o avião cedo, descansámos um pouco, aperaltamo-nos e partimos. Chegados à porta, eu disse:" devemos estar enganados, porque não se ouve ruído nenhum". O meu marido também ficou inseguro. Mas, corajosa, toquei à campainha. Quem nos abriu a porta foi o próprio administrador, impecavelmente vestido, mas com um ar um pouco murcho. Quando lhe entreguei o presente que levara e perguntei pela senhora ele agradeceu e respondeu-nos que estava na Igreja a velar a mãe que morrera de manhã. Por isso, pedia-nos desculpa, mas iríamos jantar fora. Tinha tentado apanhar-nos mas como era fim de semana e não sabia o hotel onde estávamos não conseguira avisar-nos. Foi um jantar que jamais esqueci.
E hoje, com uns anos por cima e já fora de funções, quando nos encontramos ainda nos rimos da situação!

Francisco Seixas da Costa disse...

Como vou hoje (será hoje?) jantar com os embaixadores a quem esta história (verídica!) aconteceu, tentsrei saber como dela se saíram...

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...