Morreu Manuel José Homem de Mello, também conhecido pelo Conde de Águeda. Figura da aristocracia da zona de Aveiro, tinha 88 anos e há muito que havia desaparecido da vida pública.
Em 1962, um ano depois do início da guerra colonial em Angola (em Moçambique e na Guiné, seria mais tarde), um livro iria escandalizar a ditadura. Um jovem advogado, que havia sido deputado da União Nacional, Manuel José Homem de Mello, ousara teorizar, no seu livro “Portugal, o Ultramar e o futuro”, sobre a necessidade de se fazer uma reflexão sobre o futuro institucional do “Ultramar”. Eram propostas de certo modo idênticas às que se rumoravam em setores do regime, nomeadamente num memorando, então muito pouco conhecido, da autoria do próprio Marcelo Caetano - que, aliás, nesse mesmo ano, se iria demitir, com algum “estrondo” de reitor da Universidade de Lisboa.
A principal “novidade” do livro, para além da ousadia das suas propostas, era o facto de ele ser prefaciado por Craveiro Lopes, antigo presidente da República (1951/58), que Salazar recusara reconduzir em Belém. Um ano antes, em março, Craveiro Lopes estivera envolvido na malograda tentativa de golpe de Estado protagonizada por Botelho Moniz. Homem de Mello é tido como próximo desse movimento conspirativo, conhecido pela “Abrilada de 1961”, que levou a uma profunda remodelação política e militar promovida por Salazar.
Se a publicação de “Portugal, o Ultramar e o Futuro” constituiu o primeiro gesto heterodoxo no seio do regime, depois de 1961, viria a ser necessário esperar mais 12 anos até que um outro livro, com o título curiosamente similar de “Portugal e o futuro”, da autoria de António de Spínola, contribuísse para abalar de vez a ditadura.
Homem de Mello foi uma das caras conhecidas do marcelismo, tendo então sido diretor do vespertino “A Capital”. Acabaria por se incompatibilizar com o último ditador. Em democracia, além de empresário, foi comentador televisivo e escreveu alguns livros. Era tido como uma figura próxima de Mário Soares.