Para minha surpresa, acabo de saber que o azevinho é, tempos de hoje, uma espécie fortemente protegida, que é em absoluto proibido cortar esses arbustos e, por essa razão, o hábito antigo de haver ramos dessa planta verde, com pequenas bagas vermelhas (encarnadas, em algumas casas), a decorar as mesas de Natal, já terá quase desaparecido. Confesso que, nos últimos anos, tinha andado distraído, porque não tinha notado o fim dessa bela tradição decorativa.
Na minha infância, o azevinho não faltava nunca nos Natais. E o seu uso, que me recorde, pelo menos uma vez, excedeu a mera ornamentação das mesas.
Foi em Viana do Castelo, em casa da minha avó paterna. Eu teria uns seis ou sete anos. Numa Consoada, com todos os tios e primos, e por uma circunstância que não vem ao caso, estava também por lá uma miúda, basicamente da nossa idade, com quem tínhamos uma relação que não era familiar. Por uma qualquer razão, mas que posso assegurar que nada tinha a ver com a ausência do parentesco, eu e os meus primos, que basicamente andávamos pela mesma faixa etária dela, tínhamos criado uma forte embirração com o feitio da rapariga. Por muito que os adultos tentassem que a juntássemos às nossas diversões dessa noite - creio que tudo se resumia ao jogo do rapa e ao loto, com pinhões à mistura - a miúda foi mantida afastada do nosso convívio.
A certa altura da noite, contudo, tudo parecia ir mudar: um de nós chamou por ela. A voz vinha do fundo de uma escada que ligava dois dos andares da casa. A luz por ali visível, por essa altura, era estranhamente escassa. A miúda, decerto encantada por ter sido convocada, finalmente, ao convívio do grupo da sua idade, que se juntava no andar de baixo da casa, desceu confiante os degraus, imagino que quase a correr.
A certo passo, contudo, tropeçou numa sediela (aquele fio quase incolor que serve para a pesca) estrategicamente estendida na escada e, desculpem-me agora a expressão popular, “esbardalhou-se”, sem apelo nem agravo, no patamar no fundo dos degraus.
A maldade, de que hoje assumo a minha quota-parte, com um remorso que regressa a mais de seis décadas atrás, não se ficou, contudo, por aqui. É que esse patamar tinha sido “almofadado” por nós com um “tapete” de azevinho, o tal arbusto hoje tão protegido e na altura tão vulgar. E, como sabe bem quem conhece a planta, esta é caraterizada por ter uns extremos afiados cujo impacto na pele está longe de ser a coisa mais simpática que pode acontecer a alguém. Ainda hoje me soa nos ouvidos o berreiro da miúda, queixando-se de nós, aliás com toda a razão. Estou certo que, pelo menos alguns de nós, levámos o devido castigo, talvez atenuado pela santidade da noite.
Não conheço os cânones temporais dos pecados, mas acho que tudo já prescreveu...