terça-feira, dezembro 10, 2019

O regresso dos bufos


Quando as pulsões populistas esquecem o cuidado mínimo a ter com os direitos básicos das pessoas, o resultado é sempre a grossa asneira. A “delação premiada”, que as teorias das justiças de pacotilha utilizam pelo mundo subsdesenvolvido para obviar à incompetência investigativa, tentando acomodar da maneira mais baixa os clamores da indignação justicialista, anda agora por aí nas bocas do nosso pequeno e, por isso, mais miserável mundo.

Ora nós já por cá tivemos a delação premiada! Que outra coisa era senão isso a corte de “bufos” que a Pide alimentava, à custa de alguns tostões e outras benesses?

Imediatamente a seguir ao 25 de abril de 1974, quando dava instrução na Escola Prática de Administração Militar, aproximaram-se de mim dois irmãos, ambos economistas, que frequentavam a especialidade de “Contabilidade e Pagadoria”. Por uma razão que eu não conseguia compreender, esses meus instruendos mostravam-se muito inquietos com a Revolução que tinha acabado de suceder, querendo saber do seu possível destino pessoal, então que a guerra colonial parecia sair do horizonte. Ia acabar já o seu tempo de “tropa”? Regressariam de imediato à vida civil? Encaravam mesmo a hipótese de ir para o estrangeiro.

Eu achava tudo aquilo um pouco estranho! Logo então, que Portugal começava finalmente a “ter graça”?! Mas, embrenhado que andava, por esses dias, nas lides revolucionárias, dei-lhes pouca atenção. Mas, lá no fundo, estranhava aquela aproximação conjugada e um pouco insistente de mais.

Mas acabei por esquecê-los, semanas depois. Só voltei a lembrar-me deles, meses mais tarde, quando veio a ser revelado que esses “irmãos metralha” eram, afinal, dois miseráveis “bufos” da Pide, de quem haviam sido encontradas cartas sob pseudónimo, a denunciar colegas que, por sua culpa, tinham passado “as passas do Algarve”. Isso acabou por vir a público, os canalhas foram desmascarados mas, com toda a certeza, a “bondade” do 25 de abril acabou por esquecer esses pecadilhos e, às tantas, ainda aí hoje andam de costas (a fingir de) direitas.

Se os legisladores portugueses tiverem o topete de trazer para cá o instituto jurídico da “delação premiada”, um sistema de benefício para gentalha a querer absolver-se das suas próprias patifarias, facilmente inventando sobre as dos outros, com o grau de “credibilidade” que o seu estatuto lhes concede, esses legisladores qualificar-se-ão bem a si mesmos. Convém que isto fique dito, alto e bom som, desde já. A justiça, para ser justa, tem de começar por ser decente.

17 comentários:

Anónimo disse...

O delator denuncia um corrupto, não denuncia uma pessoa de bem. E o que é preferível? Apanhar um corrupto por delação, com diminuição da pena de outro ou não apanhar ninguém? É que há provas que só o delator tem.

Anónimo disse...

Anónimo das 22.30

Boa!


Aí tem, Senhor Embaixador, a lógica do pessoal!

Anónimo disse...

Delação premiada? Passar a viver num país onde quem manda e dá palpites é a gente do Tribunal do Santo Correio da Manhã?

rui esteves disse...

Ao ingénuo que escreveu "O delator denuncia um corrupto, não denuncia uma pessoa de bem".
Sim? Acha que um denunciante se prende com minudências?
Quanta gente vai ser presa por invejas, por ciúmes ou por despeito?
Ou para afastar concorrentes?

rui esteves disse...

Pedro Álvares Cabral regressa a Lisboa, trazendo todo o lixo que o Brasil produziu neste últimos 500 anos!
E entre outras coisas estimáveis, traz com ele as igrejas evangélicas - estão a nascer 5 igrejas por mês, noticiava há dias o Expresso.
E também esse marco do direito, a Delação Premiada, directamente inspirada nos manual do perfeito inquisidor.

Pedro F. Correia disse...

Os bufos nada valem se não trouxerem provas ou indícios fortes. Penso que o bufo é uma instituição a preservar. Parece cada vez mais estar em vias de extinção pelo medo, esse lobo que parece disposto a sair do canto escuro quando nos movemos para agir decisivamente. Bufos, um passo enfrente!

Pedro F. Correia disse...

Apoiado Anónimo.

Luís Lavoura disse...

Discordo totalmente do Francisco. A delação é essencial em qualquer sociedade civilizada. O cumprimento das regras e leis exige que as pessoas saibam denunciar a sua violação.
O facto de haver leis e regras injustas, como no caso de uma ditadura, nada tem a ver com a delação per se. Quando há leis e regras justas, a sua violação deve ser denunciada.

Anónimo disse...

Esta diatribe contra os bufos está, salvo o devido respeito, completamente deslocada. A delação tem a ver com crimes, não tem a ver só com invejas e outras coisas mesquinhas, nem com delitos de opinião. E tem de estar sustentada em provas. A denúncia caluniosa (acusações falsas) , que saiba, é crime e vai continuar a ser.
A falta de delação premiada e um programa decente de protecção de testemunhas coloca Portugal, ao contrário do que se pensa, não na posição de um país civilizado mas na de um país subdesenvolvido ( bastante...). É evidente que isto vai ser mau para os advogados do crime, que vivem da ineficiência do sistema. Muitos que por aí pululam nas televisões vão perder importância. Mas é o progresso...

Luís Lavoura disse...

A delação já hoje existe em Portugal. Por exemplo, se alguém escreve um artigo num jornal, ou dá uma entrevista, denunciando um crime, o Ministério Público pode perfeitamente decidir (e por vezes decide mesmo) abrir um inquérito a esse alegado crime.
A delação premiada também já existe em Portugal, embora de forma muito estrita.
Portanto, não se está a pretender fazer nada de radicalmente, ou conceptualmente, novo: apenas se está a pretender alargar o âmbito da possível delação premiada.

Anónimo disse...

Ao Rui Esteves

Nesse campo da delação premiada, quem está atrasado não é o Brasil, é Portugal. Nessa como em noutras matérias, o Brasil é um país bem mais avançado, goleia-nos por quinze a zero. Mas só porque eles têm franjas de miséria, a nossa ignorância transforma-se numa vesga arrogância e num estúpido complexo de superioridade

Anónimo disse...

Já se aperceberam que temos desde há uns anos uma nova PIDE. É o Big brother da globalidade.
Mas esta nova pide nem se nota e todos nem pensámos que quem quiser pode conhecer-nos melhor do que nós próprios nos conhecemos?

Dulce Oliveira disse...

By the way...a mim aflige-me que uma carta anónima sirva de prova na acusação de alguém

Cícero Catilinária disse...

Pois é, caro Embaixador Seixas da Costa. Pelo teor da grande maioria dos comentários acima,o "título" deste seu post, "O regresso dos bufos", está perfeito. Ainda a lei não foi aprovada e já estamos rodeados deles.
Cambada!

Anónimo disse...

A investigação criminal é que terá de ser competente. Só espero, que não avance esta tenebrosa hipótese de lei. Espero, no mínimo, que o PS, no seu todo, não permita, tal absurdo. Basta o Brasil!.

Anónimo disse...

A delação premiada é muito desejada por alguns magistrados do Ministério Público, por que será? A ser instaurado, o regime será mais uma vergonha da justiçazinha que nos calhou.

Anónimo disse...

Ha vacas sagradas em Portugal e a ministra da Justiça é uma delas, não se a podendo criticar - sem se correr o risco de ultrapassar a fronteira do politicamente correcto. Com esta nova iniciativa queremos regressar ao 'intigamente. Ja não se lembram quando a ministra, muito ainda antes do tempo, veio anunciar publicamente, a despropósito que, na sua douta opinião, a nova Procuradora-Geral seria X?
Eu tenho por certo que cada vez que a ministra intervém publicamente se espalha e que cada vez se refugia no silencio se protege. Sem demérito para s sua carreira profissional fulgurante e brilhante, e a sua passagem pela política funesta e de ma memória.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...