domingo, dezembro 15, 2019

Maldade natalícia


Para minha surpresa, acabo de saber que o azevinho é, tempos de hoje, uma espécie fortemente protegida, que é em absoluto proibido cortar esses arbustos e, por essa razão, o hábito antigo de haver ramos dessa planta verde, com pequenas bagas vermelhas (encarnadas, em algumas casas), a decorar as mesas de Natal, já terá quase desaparecido. Confesso que, nos últimos anos, tinha andado distraído, porque não tinha notado o fim dessa bela tradição decorativa.

Na minha infância, o azevinho não faltava nunca nos Natais. E o seu uso, que me recorde, pelo menos uma vez, excedeu a mera ornamentação das mesas.

Foi em Viana do Castelo, em casa da minha avó paterna. Eu teria uns seis ou sete anos. Numa Consoada, com todos os tios e primos, e por uma circunstância que não vem ao caso, estava também por lá uma miúda, basicamente da nossa idade, com quem tínhamos uma relação que não era familiar. Por uma qualquer razão, mas que posso assegurar que nada tinha a ver com a ausência do parentesco, eu e os meus primos, que basicamente andávamos pela mesma faixa etária dela, tínhamos criado uma forte embirração com o feitio da rapariga. Por muito que os adultos tentassem que a juntássemos às nossas diversões dessa noite - creio que tudo se resumia ao jogo do rapa e ao loto, com pinhões à mistura - a miúda foi mantida afastada do nosso convívio.

A certa altura da noite, contudo, tudo parecia ir mudar: um de nós chamou por ela. A voz vinha do fundo de uma escada que ligava dois dos andares da casa. A luz por ali visível, por essa altura, era estranhamente escassa. A miúda, decerto encantada por ter sido convocada, finalmente, ao convívio do grupo da sua idade, que se juntava no andar de baixo da casa, desceu confiante os degraus, imagino que quase a correr.

A certo passo, contudo, tropeçou numa sediela (aquele fio quase incolor que serve para a pesca) estrategicamente estendida na escada e, desculpem-me agora a expressão popular, “esbardalhou-se”, sem apelo nem agravo, no patamar no fundo dos degraus.

A maldade, de que hoje assumo a minha quota-parte, com um remorso que regressa a mais de seis décadas atrás, não se ficou, contudo, por aqui. É que esse patamar tinha sido “almofadado” por nós com um “tapete” de azevinho, o tal arbusto hoje tão protegido e na altura tão vulgar. E, como sabe bem quem conhece a planta, esta é caraterizada por ter uns extremos afiados cujo impacto na pele está longe de ser a coisa mais simpática que pode acontecer a alguém. Ainda hoje me soa nos ouvidos o berreiro da miúda, queixando-se de nós, aliás com toda a razão. Estou certo que, pelo menos alguns de nós, levámos o devido castigo, talvez atenuado pela santidade da noite.

Não conheço os cânones temporais dos pecados, mas acho que tudo já prescreveu...

7 comentários:

Anónimo disse...

é difícil achar piada a isto.

Maria Isabel disse...

Eram frescos vocês, eram.
Mas tem imensa graça.
Eu e os meus 9 irmãos, também as fazíamos boas.
Maria Isabel

Anónimo disse...

Bom dia

Ha semanas uma amiga disse-me que passeando pelo Geres tinha sido avisada sobre o estatuto de especie protegida do azevinho e que nao tivesse a tentacao de colher nem 1 raminho...

Ora a sua amiga esta vingada, certamente que o pecadilho prescreveu e...se nao for esse o caso pode convidar os primos para sua casa a pretexto de broas ou rabanadas. A chegada debaixo de 1 raminho de viscum album , invocando Astetix, o druida e o bardo beija os primos 1 a 1 efusivamente....Ca se fazem, ca se pagam se nao prescreveram...

A proposito a pequena ainda anda por ai airosa e catita?

Agora a serio: no seu jardim nao ha lugar para plantar azevinho e viscum album? Pegam bem, nao dao trabalho e so precisam duma podazinha todos os anos por esta altura...

Bom domingo
Boas Festas

F. Crabtree

Anónimo disse...

A proteção ao azevinho já tem muitos anos mesmo.

Anónimo disse...

Essas maldades não prescrevem...
Fernando Neves

Anónimo disse...

Tempos de hoje? Há mais de 30 anos que o é.

Anónimo disse...

Pode ser que Deus perdoe esta confissão com algum arrependimento...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...