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sexta-feira, março 18, 2011

China (e o Mónaco)

Num almoço ontem, no Institut Français des Rélations Internationales, alguém perguntava ao embaixador da China, com uma legítima preocupação, como é que ele avaliava o impacto negativo sobre o mercado internacional de produtos alimentares de fenómenos como as inundações na Austrália, os fogos do ano passado na Rússia ou as secas que assolam muitas zonas de produção no mundo.

A resposta do meu colega chinês foi esclarecedora: dado que a China tem cerca de 1,3 biliões de habitantes, a preocupação central dos seus governos, nos últimos 60 anos, tem sido garantir a segurança e a autonomia alimentar dessa mesma população. Porque a China sabe bem que, em caso de crise alimentar mundial, "ninguém tem capacidade de a ajudar", o país tem, essencialmente, que se preocupar com as suas própria crises.

Uma resposta como esta ajuda-nos a medir, com mais acuidade, a escala quantitativa de um Estado como a China, fundamental para se entenderem algumas das suas opções, seja em matéria de políticas públicas, seja no campo internacional. 

Numa nota mais ligeira, o meu colega chinês deu conta, aos presentes nessa refeição, de uma frase magnífica do príncipe Alberto II do Mónaco, por ocasião de um recente encontro entre autoridades chinesas e monegascas: "a importância da relação sino-monegasca é testemunhada por esta importante realidade: quase um em cada quatro cidadãos do planeta pertencem à soma conjugada das populações do Mónaco e da China"...

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Françafrique

Foi simplesmente notável o documentário, de que a "France 2" ontem apresentou a primeira parte, dedicado à "Françafrique" - essa relação complexa da França com as suas antigas colónias africanas. 

Desde o final dos anos 50 à atualidade, o elaborado sistema de articulação entre a antiga metrópole e os novos países africanos, com as ligações pessoais e o tecido de dependências económicas, ficou exposto com clareza e frontalidade, apoiado em testemunhos credíveis e insofismáveis. Não é possível compreender a história contemporânea da França sem se conhecer esse magma, determinado por profundas razões de natureza estratégica.

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Cimeira da OSCE

Na "Brasília do Casaquistão", Astana, teve lugar, em 1 e 2 de Dezembro, uma cimeira da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que reuniu os chefes de Estado ou governo (ou seus representantes) dos 56 Estados da organização.

aqui se falou, com algum pormenor, sobre a OSCE, nomeadamente à luz da experiência na presidência portuguesa, em 2002. Quem quiser ir um pouco mais além neste assunto, pode procurar também aqui.

Na sua história de cerca de 35 anos, a OSCE teve poucas cimeiras, uma das quais em Lisboa, em 1996, num momento importante do complexo percurso desta organização de segurança. Vale a pena notar que Portugal apoiou, desde o início, a pretensão do Casaquistão de assumir esta presidência anual e, mais tarde, a própria organização desta cimeira. 

Muitos se interrogaram sobre se haveria novas circunstâncias que justificassem que a OSCE fizesse agora uma cimeira - originalmente, as cimeiras deveriam ter lugar a cada dois anos, mas cedo se verificou que isso era algo insensato; não seria por acaso que há 11 anos elas não tinham lugar. Não estando maturadas as condições para promover novos saltos qualitativos em matéria de objetivos no seio da OSCE, atentas as profundas divergências que subsistem entre os seus Estados, houve quem legitimamente se perguntasse sobre se a realização de uma cimeira que viesse a terminar sem grandes resultados não seria mesmo contraproducente para a própria organização.

A importância específica desta Cimeira de Astana residia, a meu ver, no facto dela consagrar o culminar, não apenas uma inédita tentativa de mobilização da OSCE por um grande Estado da Ásia Central, mas, em especial, pelo facto de se tratar da primeira presidência anual exercida por um país "a leste de Viena" - como se costuma dizer no jargão da OSCE. A circunstância de caber a um antiga república soviética essa responsabilidade representava uma certa mudança de paradigma dentro da organização, por muito que, em termos práticos, pudesse não trazer algo de substancialmente novo no tocante às linhas divisivas que marcam, no essencial, as suas duas últimas décadas de história.

Lendo a "Declaração Comemorativa de Astana", acordada no dia 2 de Dezembro, constata-se que a "agreed language" ficou bastante perto da dos princípios constitutivos da OSCE, se bem que com dois ou três interessantes sublinhados de contemporaneidade. Deliberadamente, essa linguagem fugiu a encarar algumas das linhas mais divisivas no seio da OSCE, notando-se, por omissão, óbvias cedências mútuas. Era natural que assim acontecesse, até porque é ainda muito cedo para se poderem refletir na OSCE, em termos de segurança cooperativa, os possíveis efeitos do novo partenariado estratégico que ficou desenhado na cimeira da NATO, em 24 de Novembro, em Lisboa. Refiro-me, naturalmente, à posição russa. Aliás, o título do artigo que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, publicou no dia 1 de Dezembro, no "Le Figaro", não deixava qualquer dúvida sobre o "estado da arte", na visão de Moscovo: "A OSCE deve deixar de dar lições". Por esse título, e por ora, a Leste nada de novo...

A OSCE vai assim fazendo o seu caminho possível, num ambiente geopolítico complexo e, por ora, ainda muito pouco claro. Realisticamente, há que concluir que talvez não possa fazer mais do que atualmente faz. Pode ser um defeito de perspetiva de quem andou pela organização, mas eu continuo a ter a sensação de que, se determinadas condições vierem a alterar-se, a OSCE pode ainda ter um papel importante em matéria de prevenção de crises e de geração de medidas de confiança, quem sabe se num cenário de "regionalização" de tarefas delegadas pela ONU. E quem sabe se, nesse contexto, não interessará especialmente a Moscovo revitalizá-la. A ver vamos.

segunda-feira, novembro 29, 2010

Coscuvilhices

A prática da diplomacia tem como um dos seus pilares a garantia da confidencialidade naquilo que os profissionais dizem aos seus governos, e vice-versa. Na guerra como na paz, os serviços de “cifra” procuram assegurar a possibilidade de transmitir, com total franqueza e discrição, a apreciação de perfis de personalidades, a avaliação crítica de factos ou o desenho de cenários, tidos por relevantes para os interesses dos respetivos Estados. Não é por acaso que este tipo de comunicações só costuma ficar oficialmente disponível para escrutínio público algumas décadas depois.

A questão suscitada pela divulgação de centenas de milhares de documentos pela “WikiLeaks” configura uma quebra grave nesta relação de confiança. Ela coloca políticos e profissionais em elevado risco, nalguns casos com potenciais consequências funestas, podendo também induzir um ambiente de gratuita tensão entre Estados.

Com exceções muito raras, a diplomacia portuguesa não sofreu, até hoje, problemas desta natureza. Isso não significa que o que agora ocorreu não possa, subliminarmente, vir a retrair-nos no modo como, de futuro, venhamos a atuar.

O “voyeurisme” pateta de alguns setores sente-se deliciado com o acesso àquilo que deveria permanecer num registo discreto. É um belo teste de caráter, idêntico ao que qualifica quem revela conversas ouvidas nos locais públicos ou promove a divulgação de escutas telefónicas de natureza privada. Que se há-de fazer? São os novos “bufos”, as modernas comadres da eterna coscuvilhice.

(Texto de um artigo que hoje publico no "Diário Económico")

domingo, outubro 31, 2010

Dilma

Quando cheguei ao Brasil, em 2005, Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia, uma área decisiva dentro do executivo brasileiro. Dos mais de trinta ministros que o Governo brasileiro então possuia, Dilma Rousseff era talvez a única personalidade que combinava uma comprovada capacidade técnica com uma história política pessoal significativa, da qual fazia parte a prisão e a tortura, de que fora vítima durante a ditadura militar.

Embora não pertencesse ao centro do poder dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), a sua eficácia técnico-política e a crescente confiança que o presidente Lula nela claramente depositava foram-lhe garantindo o prestígio que lhe permitiu, na crise que envolveu a saída de José Dirceu da chefia da Casa Civil, o estatuto necessário para ascender ao lugar que é como que o de um "primeiro-ministro" -  embora, neste caso, no sentido de um "primus inter pares". Ironicamente, pode dizer-se que terá sido o facto de não fazer então parte do "hard core" do PT, que o processo do chamado "mensalão" tinha fortemente debilitado, que lhe deu a vantagem comparativa para assumir o cargo que, como se veio a provar, seria a rampa de lançamento para o processo que iria culminar na sua eleição.

quinta-feira, outubro 28, 2010

Tarek Aziz

Reconheço que pode haver algo de "corporativo" na forte impressão que me faz a condenação à morte de Tarek Aziz, o antigo chefe da diplomacia de Saddam Hussein. Para além de ser, por princípio e como é óbvio, adversário feroz da pena de morte, em qualquer circunstância.

Aziz foi, durante muitos meses, uma das caras mais "apresentáveis" da ditadura iraquiana. Circulava nos meios diplomáticos, jogava todas as manobras dilatórias possíveis face às pressões da comunidade internacional, e assegurava, perante a incredulidade de muitos, que o Iraque não tinha armas de destruição maciça. E não tinha, como se veio a provar... 

Não sei se Aziz tem todas as responsabilidade que se lhe assacam. Algumas terá. Mas nenhuma delas justifica que venha a passar por essa prova de medievalismo judicial que é a forca.

A União Europeia vai inaugurar, daqui a um mês, com pompa, circunstância e ambição o seu Serviço Europeu de Ação Externa. Sobre ele falaremos em breve. Gostava de dizer que seria um gesto de grande dignidade - e de mostra clara de princípios - se a nova cúpula diplomática bruxelense fosse capaz de obter autoridade para dizer aos iraquianos, alto e bom som, que a Europa irá retirar todas as necessárias consequências, no relacionamento bilateral com Bagdad, se o seu regime prosseguir com bárbaras execuções, nesta lenta "révanche" política em que se está a transformar o processo condenatório dos antigos líderes do país.  Muitos europeus morreram em solo iraquiano para ajudar a implantar o seu atual regime. Alguma autoridade a Europa tem para se pronunciar sobre as práticas bárbaras que o mesmo regime leva a cabo.

Vale a pena recordar que, se acaso se tratasse de um pobre país da Convenção de Cotonou e não do Iraque, a "voz grossa" de Bruxelas há muito que já estaria no ar. Mas como o Iraque atual é, para a Europa, fonte de petróleo e negócios, o caso muda de figura. Além disso, os eurodiplomatas sabem que Bagdad tem, na matéria em causa, as "costas quentes" de Washington, onde a pena de morte se mantém, sem vergonha nem escândalo, apenas sob a tibieza de umas burocráticas declarações bruxelenses em "caixa baixa".

Um diplomata é a última pessoa que deve mostrar-se surpreendido pelo exercício da realpolitik, eu sei! Mas, às vezes, também devemos poder exprimir o nosso direito à indignação. Ele aqui fica.

sábado, outubro 09, 2010

Direitos do homem

O que mais me impressiona na reação chinesa à atribuição do prémio Nobel da Paz a um seu dissidente interno é aquilo que pode ser lido como uma "overreaction" de uma das maiores potências mundiais. As autoridades chinesas não podem desconhecer que, ao reagir como o fizeram, não estão minimamente a mobilizar parceiros que partilhem a sua indignação, estão simplesmente a magnificar o facto e a dar-lhe um relevo que, objetivamente, não serve os seus interesses. O que nos deve levar a uma outra constatação: a de que essas autoridades não estão a agir por calculismo e que, verdadeiramente, acreditam na legitimidade intrínseca das medidas repressivas que aplicaram àquele cidadão. A assim ser, como tudo parece indicar, há que concluir, sem hesitações, que a "emergida" e cada vez mais importante China vive, definitivamente, num outro mundo de valores e que a tese da universalidade dos Direitos Humanos, bem como da convergência a prazo de todas as sociedades para esses mesmos padrões, é apenas um grande mito, de que todos temos que ter plena consciência.

sexta-feira, outubro 08, 2010

G20

As perturbações que estão a ser sentidas nos mercados cambiais internacionais, e que estão a afetar fortemente a competitividade das produções do países da zona euro em terceiros mercados, são um testemunho da fragilidade do sistema financeiro internacional e, muito em especial, do nível de compromisso político à escala global que resultou do "susto" de 2008, no quadro do G20.

Para a Europa, será muito importante o modo como a França exercerá o seu papel futuro como presidência do G28 e do G20. Em especial, interessa-nos a forma como este país procurará compatibilizar algumas das preocupações que legitimamente se refletem no quadro europeu, relativas a disfunções provocadas por políticas "egoístas" de terceiros, com a necessidade de fazer "pontes" com as ambições dos países emergentes, que não quererão deixar de aproveitar a presente conjuntura, durante a qual o seu crescimento diferenciado os pode ajudar a colmatar o "gap" face ao mundo mais desenvolvido.

Os meses que se seguem vão obrigar a um teste múltiplo.

Por um lado, ficará claro se o G8 continuará ou não a considerar-se no centro do processo de coordenação, não apenas política, mas igualmente económico-financeira à escala global. Como aqui disse no passado, as notícias sobre a morte do G8 sempre me pareceram muito precipitadas, espalhadas que foram por quem, fora do G8, tinha ambições de o condicionar, tentando garantir uma afirmação política à luz de ambições que não conseguia consagrar nos quadros institucionais de natureza multilateral.

Por outro lado, e também potenciado pela presente tensão financeira, vamos seguramente ver melhor esclarecido o limite de competências que o G20 se atribui. Neste ponto particular, a atitude da China, recusando ir mais longe do que o estabelecimento de normativos indicativos no campo económico-financeiro, serve a nossa perspetiva.

É que, sendo Portugal um país que não tem assento no G20, onde apenas pode ter (quando tem) as suas preocupações refletidas pela mão de terceiros, nunca será demais reiterar o nosso interesse em que este tipo de instituições de natureza cooptativa tenha a maior transparência, limite de forma clara o âmbito das recomendações que pretenda refletir sobre terceiros e, em especial, cuide sempre em manter a sua atividade compatível com a das instituições multilaterais, onde repousa a única legitimidade política que a todos vincula.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Conselho de Segurança

No dia 12 de Outubro, decide-se a sorte da candidatura de Portugal a um lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU, para o biénio 2011-12. Como opositores, no grupo regional a que pertence, Portugal tem a Alemanha e o Canadá.

Esta eleição implicou um forte empenho de toda a máquina diplomática e política portuguesa. Muitas centenas de diligências foram feitas por todo o mundo, contactos múltiplos executados, imensas promessas de votos foram recebidas, grande parte em troca de apoios noutras eleições, no âmbito da ONU ou não. Imagino a quantidade de horas que o meu colega embaixador na ONU, Moraes Cabral, terá passado no "Indonesian Lounge", o lugar das conversas "onusinas", a tentar convencer colegas a votarem em nós, bem como os incontáveis almoços e jantares realizados. Sei do muito que se fez, através de todo o sistema internacional, para promover esta candidatura. Julgo, com toda a sinceridade, que melhor seria impossível.

Esta eleição é, porventura, das mais difíceis de todas aquelas em que Portugal esteve envolvido. Lutamos contra dois "gigantes", dentro da máquina das Nações Unidas e fora dela, dois países ricos, membros do G8, detentores de uma forte rede diplomática, com atividade muito intensa em várias áreas relevantes para a máquina multilateral e, por isso, com muitos "argumentos" de peso para convencerem os eleitores. 

Perder ou ganhar faz parte da vida internacional. Seguro, cómodo, seria não concorrer, não correr riscos. Assim, de facto, nunca perderíamos.

Nós decidimos "ir a jogo". E bem. Temos todas as razões para disputar esta luta, temos todo o interesse em, estar presente nesta competição, temos motivos de sobra para podermos ambicionar o lugar. Porquê? Leiam o que escrevi aqui, há alguns meses.

Entre 1997 e 1999, Portugal esteve presente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Foi uma vitória brilhante, numas eleições conduzidas politicamente por Jaime Gama e, no terreno e com mão de mestre, pelo então representante diplomático português na ONU, Pedro Catarino. Durante o biénio da nossa presidência, Portugal foi representado em Nova Iorque, com grande profissionalismo, por outro excelente diplomata, António Monteiro. Vim a suceder-lhe no lugar, como, por coincidência, também ocorreu aqui em Paris.

À época, estive ligeiramente envolvido na "guerra" de conquista de votos, em encontros múltiplos com governantes e diplomatas, em visitas a alguns países europeus. dadas as funções que então ocupava. Passei muitos dias de avião e em  ações de lóbi, da Estónia à Croácia, da Lituânia à Bósnia-Herzegovina.

Na noite da eleição, em Outubro de 1996, recordo-me que estava em casa do representante permanente austríaco junto da União Europeia, num jantar de trabalho no âmbito da negociação daquele que viria a ser designado como o Tratado de Amesterdão.

A certa altura, recebi um telefonema: a Suécia e Portugal tinha sido eleitos, a Austrália - o terceiro "challenger" - fora derrotada, de forma esmagadora. Com falsa naturalidade, interrompi a discussão e voltando-me para os presentes e, em especial, para o meu colega de governo sueco, Gunnar Lund (hoje, como eu,  embaixador aqui em Paris), disse: "Proponho um brinde, para comemorarmos a entrada da Suécia para o Conselho de Segurança". Todos me acompanharam. Um segundo depois, Gunnar lembrou-se: "E quem mais foi eleito, no grupo ocidental?". Aí, magnânimo, retorqui: "Portugal, claro, mas isso já era óbvio, ninguém estava à espera de outro resultado..."

domingo, setembro 19, 2010

27 de maio

Há mais de um ano (como o tempo passa!) falei aqui do 27 de maio de 1977, uma data trágica para a história de Angola, que consagrou o início de uma espécie de "guerra civil" no seio do MPLA, a qual conduziu a milhares de mortos e a um traumatismo que ainda hoje atravessa muitos setores da sociedade angolana.

A história recente de Angola, queiramos ou não, constitui também um capítulo da nossa própria história. Não se pode compreender o 25 de Abril, e tudo quanto lhe sucedeu, sem se ter em conta o efeito recíproco dos fenómenos ocorridos nos territórios que, então, abandonavam a tutela da colonialismo português. Isso é válido para o 27 de maio, como o é para a relação entre o MPLA e a UNITA.

Por uma mera coincidência, cheguei a Angola, colocado na nossa Embaixada, no dia 27 de maio de 1982, isto é, precisamente cinco anos depois do 27 de Maio de 1977. Sabia pouco do que se tinha passado em 1977, isto é, tinha apenas os impactos mediáticos do acontecimento, em muitos casos sob a luz distorsora das ideologias. Recordo ter-me sempre defrontado com um imenso muro de silêncio quanto inquiria sobre os eventos ocorridos meia década antes. Poucos queriam falar disso e os que tal ousavam faziam-no num registo de contenção que muito me impressionou. Ainda hoje, com alguns amigos e conhecidos da realidade angolana, continuo a ter uma estranha dificuldade em abordar o tema, que parece ter-se convertido em tabu na memória coletiva.

Há dias, vi e comprei em Portugal um livro publicado sobre a figura de Sita Valles, uma pessoa da qual a maioria dos leitores deste blogue nunca terá ouvido falar. Sita Valles foi uma militante política, ligada à UEC (União dos Estudantes Comunistas), a organização estudantil do PCP (Partido Comunista Português). Nascida em Angola, filha de pais indianos, foi estudar medicina para Portugal, tendo-se tornado numa figura importante do movimento associativo universitário de então. A sua fase de maior atividade coincide com um período em que eu próprio estava já a ter uma menor ação nesse movimento, pelo que tenho dela apenas uma memória pessoal muito remota.

Após o 25 de abril, Sita Valles decidiu regressar à sua terra natal, para participar na vida do novo país independente. A sua ação no seio do MPLA foi marcada por um forte radicalismo, que a tornou, desde cedo, numa personalidade bastante controversa. Terá tido uma particular responsabilidade na formação de uma tendência política que era protagonizada na figura de Nito Alves, um prestigiado guerrilheiro em torno do qual se criou um movimento que, em 27 de maio de 1977, tentou forçar, de forma violenta, uma mudança no poder político angolano, pondo em causa ou pretendendo condicionar o presidente Agostinho Neto. Sita Vales foi então presa e, mais tarde, terá sido executada, como vários outros milhares de pessoas, alegadamente implicados naquele golpe político-militar. De notar que houve também alguns cidadãos portugueses que apareceram envolvidos naqueles acontecimentos.

O livro agora escrito por Leonor Figueiredo traça-nos um retrato inédito de Sita Valles, das suas relações familiares e afetivas, bem como da sua variada, mas sempre muito empenhada, atividade política. Fala-nos também um pouco do 27 de maio, acrescentando alguns dados mais à escassa bibliografia existente sobre essa data, a qual permanece muito pouco estudada e sobre a qual continua a imperar um grande desconhecimento público. O livro, em si mesmo e como biografia humana e política, tem o valor que tem, mas tem, essencialmente, o grande mérito de abrir mais uma porta para um dia se poder vir a saber, em detalhe, o que se terá, de facto, passado em Angola, nesse período. Talvez então possamos conhecer algumas coisas mais sobre o 27 de maio: as posições do Partido Comunista Português, a real atitude da União Soviética perante a aproximação e o desenrolar dos eventos, o verdadeiro papel desempenhado pelos diplomatas e pelas forças armadas cubanas, etc. Tudo isso é importante para a história de Angola, mas é igualmente vital para se perceber melhor um tempo decisivo no processo de relação política de Portugal com esse país. 

quinta-feira, setembro 16, 2010

SEAE


Noutros tempos, a sigla SEAE significava apenas, entre nós, "Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus". Agora, também quer dizer "Serviço Europeu de Ação Externa". Mas nada de confusões: uma coisa é a política externa europeia, outra coisa é a nossa política nacional para a Europa! 

Ontem, foi anunciado o primeiro grupo de nomeações para a chefia das novas "embaixadas europeias" pelo mundo, no quadro desse SEAE. Alguns comentaristas  lusos parecem algo desiludidos pelo facto de candidatos de nacionalidade portuguesa não terem "ganho" lugares nos paises de expressão portuguesa. Confesso que não acho que isso tenha uma importância decisiva, embora perceba que possa haver quem veja nisso algum simbolismo.

O importante - e que não vi referido com suficiente ênfase - é que esta evolução da política europeia não conduza, entre nós, ao aparecimento de peregrinas ideias no sentido de um ainda maior subdimensionamento da nossa rede diplomática. A Europa criou estruturas para representar os interesses comuns aos (por ora) 27 Estados membros. Mas as "embaixadas europeias" não estão lá para tratar das relações externas de cada um dos países, da promoção da nossa língua e cultura, da ajuda aos nossos empresários ou da preservação das nossas alianças históricas ou estratégicas. Que isto fique bem claro!

Para a chefia deste SEAE, a "ministra dos negócios estrangeiros" europeia, sra. Ashton, aceitou um excecional diplomata francês, Pierre Vimont (na foto), até agora embaixador da França em Washington. Vimont é um bom amigo pessoal, há bastantes anos. É um homem de uma extrema delicadeza pessoal, que vai de par com uma notável eficácia e pertinácia. Estou seguro que vai fazer um lugar à altura das expetativas de quem o escolheu. "Bon courage", Pierre!

terça-feira, setembro 07, 2010

Bélgica

Por uma qualquer razão, ligada ao que julgo dever ser a esperança num bom-senso residual, não me apetece acreditar na possibilidade de irmos assistir a uma partição da Bélgica e à emergência de duas entidades nacionais autónomas, dela resultantes. Para além da tristeza que causa ver a desaparição de um país que tinha ganho uma forte identidade à escala global e, em especial, dentro do projeto europeu, entendo que essa divisão, se acaso vier a ter lugar, terá um efeito muito nefasto em toda a Europa. A Bélgica não é a Jugoslávia, com todo o respeito que esta me merecia. O efeito de contágio (Escócia, Catalunha, Padania, etc) não é de excluir. E o rei dos belgas (que, por alguma razão, não é constitucionalmente o rei da Bélgica) onde ficará, em tudo isto? Volto a dizer: espero que o bom-senso ainda prevaleça.

sábado, setembro 04, 2010

Ainda Israel

Na primeira metade de 2001, estive presente num jantar anual organizado por uma associação de amizade Estados Unidos-Israel, cujo nome exato não posso precisar. Por uma qualquer razão, um grupo restrito de embaixadores junto das Nações Unidas era convidado para esse evento. A cada um competia a presidência de uma das mesas, com cerca de uma dúzia pessoas, pelas quais se desdobrava o imenso jantar, num local luxuoso de Nova Iorque. A bandeira portuguesa, tal como a americana e a israelita, figurava no centro da nossa mesa.

O convidado de honra desse jantar era Shimon Peres, então vice-primeiro ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros de um governo israelita chefiado por Ariel Sharon. Peres teve uma intervenção de grande sensatez, com elevado sentido de compromisso, sublinhando os riscos que havia se se viesse a provocar o isolamento de Yasser Arafat e da Autoridade Palestiniana. O futuro, aliás, veio a dar-lhe completa razão.

O ambiente que recebeu as palavras de Peres, nesse encontro que juntava uma elite da comunidade judaica americana, foi de um progressivo gelo. Passados os primeiros minutos do discurso, as palmas que tinham começado por sublinhar algumas das suas frases esmoreceram, até desaparecerem por completo. No final, notei que, na minha mesa, eu tinha sido o único a aplaudir. Na cara e nos comentários secos dos meus vizinhos senti a rejeição profunda da mensagem de Peres. Ouvir alguém falar de perspetivas de negociação com os palestinianos, com cedências na política de expansão dos colonatos, na lógica do "land for peace", era um visível sacrilégio para aquelas pessoas, que aparentemente consideravam que, das suas "trincheiras" de Manhattan, defendiam melhor os interesses de Israel do que um seu líder histórico. Nessa noite, confirmei muito do que pensava sobre o papel da comunidade judaica americana na questão israelo-palestiniana.

Lembrei-me ontem desta história, ao ler notícias de que o comissário europeu do comércio foi alvo de fortes críticas e de acusações de anti-sionismo por ter lamentado que o lóbi judaico americano estivesse a condicionar a posição do seu governo e acabasse por limitar Washington na sua possível pressão sobre Tel-Aviv, para a conclusão de um novo acordo de paz.

Cada vez mais me convenço que a atitude radical de alguns dos amigos externos de Israel, que induzem o país a políticas que contribuem para o seu progressivo isolamento, acaba, muitas vezes, por ajudar à estratégia dos seus piores inimigos. Provavelmente, também isto não pode ser dito. Mas eu digo.

sexta-feira, setembro 03, 2010

Ainda o Iraque

Vale a pena notar o que hoje escreve, num artigo publicado na imprensa internacional, o antigo MNE alemão, Joschka Fischer, a propósito do Iraque, após a saída das tropas norte-americanas:

"Nenhum dos problemas políticos urgentes originados pela intervenção americana - a repartição do poder entre shiitas e sunitas, entre curdos e árabes e entre Bagdad e o resto do país - foi verdadeiramente resolvido. O Iraque continua a ser um Estado sem uma verdadeira nação. Poderá, aliás, tornar-se num campo de batalha para os interesses opostos dos seus vizinhos. O combate entre o principal poder sunita, a Arábia Saudita, e os shiitas do Irão, pelo controlo do golfo Pérsico ameaça transformar de novo o Iraque num campo de batalha, cumulado por uma nova guerra civil. As vizinhas Síria e Turquia seriam provavelmente aspiradas para um tal conflito. Esperemos que o vazio deixado pela retirada americana não produza uma implosão de violência".

Não deixa de haver algo de tragicamente irónico nesta perspetiva, que é partilhada por muitos analistas. Quem, como Fischer, foi abertamente contra a intervenção americana, reconhece agora que, tendo-se ela produzido, tinha a obrigação de ter levado mais longe a sustentação da situação que acabou por criar.

quarta-feira, setembro 01, 2010

Iraque

O presidente Obama anunciou ontem o fim das operações militares americanas no Iraque. As forças armadas dos EUA permanecerão, a partir de agora, naquele país, apenas para ações de formação, até ao termo de 2011.

Em 2003, o governo americano decidiu invadir o Iraque e derrubar o regime dirigido por Saddam Hussein. A sombra dos ataques terroristas cometidos contra a América, menos de dois anos antes, estava bem clara por detrás dessa decisão. Contudo, o argumento então utilizado foi a existência no país de armas de destruição maciça, que ameaçariam a segurança internacional. Washington considerou, embora sem grande convicção, ter cobertura legal para promover essa invasão, à luz de uma anterior resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esta tese não foi, como é sabido, maioritariamente aceite pela comunidade internacional, que se dividiu entre a rejeição e o apoio à iniciativa americana, fratura que acabou por se refletir dentro da própria União Europeia. As autoridades portuguesas de então optaram por transformar Portugal num sujeito ativo nessa polarização, adotando, na circunstância, uma atitude que afetou o tradicional consenso político interno em matéria de ação externa.

Veio a verificar-se, entretanto, que não havia no Iraque quaisquer armas de destruição maciça, que tudo não havia passado de uma invenção para criar fundamentos para a invasão. Muitos de quantos haviam apoiado a intervenção à luz daquele argumento acabaram, sem surpresas, por reconverter o pretexto, sublinhando depois a importância de eliminar um regime ditatorial e instaurar um sistema político democrático. Tomando o mundo por ingénuo, evitam lembrar que romperam, dessa forma, as regras mínimas do direito internacional e que, por alguma razão, não mostram idêntico zelo face a outras ditaduras cuja sustentação estrategicamente lhes convem. Alguns, entre nós, fazem patéticos atos tardios de contrição, alijando as graves responsabilidades que tiveram na aventura em que envolveram o nome de Portugal, atitude que só não foi mais trágica porque lhes não foi permitido o envolvimento dos nossos militares.

O que se passou depois pode ajudar, cada um de nós, a fazer a avaliação do saldo político e humano desta intervenção: mais de 100 mil mortos entre a população iraquiana, um regime político frágil instalado em Badgad e, muito particularmente, uma indireta contribuição para o imenso reforço do regime iraniano, visto agora, por grande parte da comunidade internacional, como uma real ameaça à segurança coletiva.  Mas, mais do que isso, a invasão acabou por favorecer a consolidação da máquina de terror montada pelo extremismo islâmico, que passou a poder apresentar a agressão externa ao Iraque como tendo sido feita sob uma falsa base.

Nos últimos anos, a questão iraquiana esteve no centro de um debate que os Estados Unidos tiveram consigo mesmos, sobre o seu papel no mundo e sobre o modo como este os passou a olhar. A eleição de Barack Obama foi também, de certo modo, um reconhecimento do erro da estratégia seguida a partir da aventura no Iraque.

A história não volta atrás, mas é hoje muito claro que não são apenas os Estados Unidos quem está a expiar os seus erros passados. A instabilidade acrescida induzida naquela zona do mundo - e que tem, repita-se, a invasão americana do Iraque no seu eixo - é um dado com que todos temos agora de contar, no desenho da nossa segurança coletiva.    

sexta-feira, agosto 20, 2010

Ciganos

Na segunda metade dos anos 90, Pedro Bacelar de Vasconcelos era Governador Civil de Braga e, nessa qualidade, protagonizou a defesa de uma comunidade cigana que estava a ser diabolizada, na sua totalidade, por virtude de crimes cometidos por alguns dos seus integrantes. Tratou-se de um caso muito mediático em que a atuação de Bacelar de Vasconcelos foi fortemente criticada por alguns setores, não tendo então sido apoiado pelos dirigentes locais do seu próprio partido.

Uns tempos mais tarde, Portugal teve de designar um representante para o Observatório Europeu para o Racismo e Xenofobia, com sede em Viena. Não hesitei, contra muitos ventos e claramente contra todas as marés prevalecentes, em designar Pedro Bacelar de Vasconcelos para esse lugar - onde, como era de esperar, fez um excelente trabalho.

Ele ajudar-me-ia, mais tarde, durante a presidência portuguesa das instituições europeias, em 2000, a dar corpo à ideia de organizar em Lisboa, em articulação com o comissário europeu Gunther Werhaugen, uma jornada de reflexão sobre a condição das populações ciganas - uma iniciativa até então inédita nos programas das presidências comunitárias, no quadro do debate sobre os problemas das minorias no futuro alargamento.

Lembrei-me ontem disto ao ver notícias sobre a situação dos ciganos romenos em França. Este é um tema complexo. As culpas nunca estão só de um lado e não vale a pena esconder que há questões de segurança pública que, por vezes, têm de ser ponderadas. Mas vale a pena atentar no facto de que, como dizia ontem, no "Diário de Notícias", Pedro Bacelar de Vasconcelos, "houve retrocesso na opinião pública em relação aos ciganos". Em Portugal e na Europa em geral. Os ciganos sofrem, como outras minorias, de uma subida exponencial da intolerância no continente europeu e da busca, por parte dos seus governos, de alguns bodes espiatórios para procurarem mostrar que não estão indiferentes às legítimas inquietações sociais das suas populações.

É triste constatar que esta Europa que temos, tão atenta ao financiamento dos aspetos materiais da sua modernidade, se revela incapaz de pôr em prática algumas políticas públicas eficazes, especificamente dedicadas à promoção social das suas minorias. É que, no fundo, e salvo alguns preconceitos que não nos devem merecer o menor dos respeitos, tudo isto se reconduz a meras questões de desenvolvimento.

segunda-feira, julho 26, 2010

O futuro da CPLP

O pedido de ingresso da Guiné-Equatorial na CPLP, evidenciado na cimeira de Luanda, tem a virtualidade de lançar um debate identitário no seio da organização e de, por essa via, vir a potenciar e a clarificar alguns dos seus alinhamentos internos de forças - que são uma real floresta por detrás da árvore de retórica que sempre tem de envolver este tipo de cimeiras. 

Todas as eventuais clivagens que este processo possa vir a revelar devem ser encaradas com naturalidade, porque elas são apenas o salutar sintoma de que a CPLP começa a ter uma crescente relevância na projeção estratégica de alguns dos seus Estados-parte.

quinta-feira, julho 01, 2010

Vivo

Um dia, quando for contada a história da presença portuguesa na economia brasileira, o caso da Portugal Telecom (PT), e da sua parceria com a Telefónica de Espanha, na empresa Vivo, líder do mercado de telefones portáteis, fará parte de um capítulo principal. É uma história complexa, como o são todas as sagas em que o dinheiro está no posto de comando das decisões. É uma história de ambições, de rivalidades e de estratégias cruzadas. É também uma história através da qual o Brasil talvez venha a perceber, finalmente, que perdeu a hipótese de se colocar, com a PT, na liderança de um grande projeto no quadro da lusofonia, com a África incluída. Uma história que, repito, há-de ser bem contada. Um dia.

Da pequena história dessa história faz parte a Assembleia Geral da PT, ontem, onde o Estado português, através da sua "golden share", rejeitou a proposta de compra da parte que a PT tem dentro da Vivo, numa demonstração de grande coerência com a linha que sempre seguiu, no sentido de manter a PT como um instrumento de afirmação empresarial estratégica à escala global. O voto do restante capital dito nacional foi também imensamente coerente: com o lucro. 

quinta-feira, junho 24, 2010

Carta ao Mathis

Olá, Mathis

Soube há pouco, por um jornal, que não te deixaram entrar na escola, aqui em França, porque levavas vestida a camisola da seleção portuguesa. Os teus pais, ao que parece, ficaram aborrecidos com isso.

Queria dizer-te que não deves ficar preocupado com o que aconteceu. Pelos vistos, o objetivo da direção da tua escola foi evitar a possibilidade de outros meninos, de várias nacionalidades - a começar pelos franceses -, poderem meter-se contigo e criar alguma confusão. Se calhar, na tua escola, há meninos da Coreia do Norte...

É muito bom que tenhas sentido orgulho em usar a nossa camisola. A França é o país onde vives mas, como se viu, Portugal é o país que trazes no teu coração. É aqui que, provavelmente, irás fazer a tua vida, no futuro, mas isso não te torna menos português. A França é uma terra onde há muita gente que veio de outros países, como de Portugal, à procura de oportunidades para trabalhar. A França deu-lhes essa possibilidade e os portugueses retribuíram com o seu esforço, com a sua seriedade e a sua honestidade, para a riqueza da sociedade francesa. E aqui estão, também em sua casa. Ninguém deve nada a ninguém. E tu és a melhor prova do sucesso da integração dos portugueses em França, com a tua mãe francesa e o teu pai luso-descendente.

Os portugueses que aqui vivem devem ser sempre leais para com a França que os acolhe, da mesma maneira que a França tem de aceitar que tu, tal como os outros meninos que se sintam ligados a Portugal, possam mostrar isso, nas ruas ou nas camisolas. Pode discutir-se se a escola é o lugar mais indicado para andar com as camisolas da nossa seleção, mas, aos teus amigos de cá, deves lembrar que foi a Revolução Francesa, aquela que está na bela "La Marseillaise", que ensinou o mundo a lutar pela liberdade, a defender a igualdade entre todos e a demonstrar a nossa fraternidade perante os outros.

Para ti, caro Mathis, quero deixar-te um abraço bem lusitano e um convite para, um destes dias, vires, com os teus pais, visitar a Embaixada. E também espero que, qualquer que seja o resultado que a seleção portuguesa venha a ter no Mundial, tragas vestida a camisola das quinas. É que nós, os portugueses, temos por tradição ser muito orgulhosos do nosso país, tanto nos bons como nos maus momentos.

Francisco Seixas da Costa

Em tempo: leiam também o que o Tintin no Tibete escreveu. E vejam e ouçam a história, contada com fluência pelo próprio Mathis, aqui.

sexta-feira, junho 18, 2010

A nova ordem europeia

Confesso que não impressionam muito algumas reações de cariz nacionalista que contestam os modelos de coordenação das políticas orçamentais que ontem foram desenhados em Bruxelas. Não se pode ter "sol na eira e chuva no nabal", isto é, reivindicar o "chapéu" de proteção europeia quando as coisas correm mal e, ao mesmo tempo, pretender ter as mãos nacionais completamente livres para o desenho de decisões em matéria de agravamento do défice público, para satisfazer nichos de mercado eleitoral interno.

Não ignoro que o caminho que a presente crise obrigou a seguir comporta, em si mesmo, alguns riscos em matéria de legitimidade política, à escala nacional. Mais cedo do que alguns gostariam, a questão do conflito de competências entre as instituições políticas dos Estados e as estruturas (noto que não escrevo "instituições") europeias vai colocar-se, com grande acuidade. O assunto pode estar a ser menos sublinhado neste período em que todos estão ainda um tanto aturdidos pela crise, no qual as lideranças europeias demonstram que não conseguem mais do que ser reativas face aos mercados, mas estou convicto de que acabará por ser objeto de uma análise mais fria e mais fina, dentro em breve.

Porém, devo dizer que o que mais me preocupa, em todo o cenário que atualmente se vive, é que toda esta aparente "federalização" da gestão financeira europeia começa a assentar, já não nas instituições regulares, mas apenas nos arranjos, um tanto "ad hoc", impostos pela Alemanha e aceites pelos restantes parceiros como inevitáveis, cujo controlo democrático, a nível europeu, é hoje mais do que discutível. Haveria outra solução? Provavelmente não, mas isso não significa que não devamos pensar o problema, porque a democracia não é um conceito instrumental, mas sim uma condição "sine qua non" para a aceitação das soluções pelas pessoas. De certo modo, estamos, nestes dias, a assistir, no seio da Europa comunitária, a uma reprodução do novo modelo G20 à escala global, com a subalterinzação das instituições multilaterais regulares e a fixação de regras casuísticas ditadas pelos "powers that be".

Alguns, talvez com um realismo à flor da consciência, poderão, um tanto cinicamente, ser de opinião de que, se acaso as instituições decorrentes do Tratado de Lisboa fossem aplicadas em pleno como eixo de gestão das medidas para fazer face a esta crise, o resultado acabaria por não ser muito diferente. Para esses observadores, os desequilíbrios demográficos aceites e projetados por esse  tratado no processo decisório europeu, bem como a "subversão" interinstitucional que decorre do acordo que leva o nome da nossa capital, já haviam criado um dulcificado modelo de "diretório". Não sei se esses "realistas" têm ou não razão, apenas é evidente que já nem esses mecanismos são aplicados... A Europa está perigosa.

(Este texto foi publicado no jornal "Público" em 19.6.10)

Não nos desiludam!

Já há abaixo-assinados contra a decisão sobre o novo aeroporto? E providências cautelares? Então e as objeções ambientais, de invejas locais...