quarta-feira, dezembro 18, 2019

O arbóreo do Natal



Disseram-me, há dias, que tinha morrido. O nome não vem ao caso. Mas logo me surgiu à memória a última conversa que tive com ele, há uns bons anos, numa rua de Vila Real, por esta altura do Natal. 

Eu vinha dos lados da Gomes, pastelaria que é o lugar geométrico da cidade de quantos ali são do meu tempo. Avistei-o e tive, já perceberão porquê, uma reação de imediata precaução. É que estava perante um conhecido praticante da chamada conversa "arbórea".

Tenho o assunto, de há muito, bem estudado. A conversa "arbórea" é um estilo de expressão oral que se carateriza por uma deriva temática obsessiva e recorrente, sem pausas, que segue como os ramos de uma árvore, de onde surgem novas ramificações, as quais, por sua vez, se subdividem, quase sem fim. Fala de um assunto, passa a outro e é como as cerejas...

Lembro-me de que o meu interlocutor não desiludiu:

- Então, disseram-me que já saiu de Paris? Deixou-se de embaixadas, não é? Era tempo! Bela cidade, Paris! Sabe que tenho lá uma prima, que trabalha num banco. Nunca a encontrou? É de Justes, está casada com o Meireles, você é capaz de conhecer, é um homem da Régua que esteve num gabinete num governo do Soares. Você é amigo do Soares, não é? Como é que ele está de saúde? Tenho grande admiração por esse homem. Desde os tempos da oposição ao Salazar. Isso é que foram anos difíceis! Na oposição, trabalhei muito com o doutor Otílio, um grande democrata cá de Vila Real. Conheceu-o, não? Dizem que o filho dele faz agora um vinho muito bom, numa quinta que tem lá para o Douro. Por falar em Douro: você, que anda lá por Lisboa, sabe o que é que se passa com a Casa do Douro? É que não se percebe nada daquelas confusões! É como na política! Você acha que o Passos Coelho se aguenta? Olhe! Ainda ontem estive com o pai dele, uma jóia de pessoa, não desfazendo...

Um "arbóreo" raramente fecha o discurso, As mais das vezes, prossegue na sua imparável viagem pelas palavras, sem limites nem contenção. Só raros "arbóreos", no delírio quase intravável do seu curso verbal, regressam ao princípio de conversa.

Naquela tarde, com o frio do Marão a apertar, na esquina entre o ourives e o Euclides (só um vilarrealense sabe o que é isto), em frente ao Santoalha e ao antigo Rafael (já houve por ali um sinaleiro!), apenas o surgimento oportuno de outro conhecido me salvou. E o "arbóreo" lá desandou, em direção ao que, noutros tempos, foram o Zeca Martins e o Teixeira Pelado... 

Mas isto já parece conversa de “arbóreo”! Boas Festas para todos!

3 comentários:

Anónimo disse...

Lembrei-me do Jaime Nogueira Pinto. Quando o ouço falar irrita-me sempre como a meio das frases começa outras :)

Luís Lavoura disse...

Anónimo

Lembrei-me do Jaime Nogueira Pinto. Quando o ouço falar irrita-me sempre como a meio das frases começa outras :)

Exatamente. Concordo consigo. Ele começa uma frase e, quando está a pontos de proferir o vocábulo crucial, que explica a ideia que ele quer transmitir, interrompe a frase e começa outra. Resultado: raramente se percebe uma qualquer das ideias dele!

Anónimo disse...

Senhor Embaixador,

Feliz Natal

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