terça-feira, dezembro 31, 2019

A Maria



Não faço ideia da idade que ela possa ter. Mas já deve ter bastante. É uma mulher magra, de cara sofrida, desdentada, de cabelos ralos, que há muito vejo passar, curvada, num passo hesitante, em trajes de evidente pobreza, pelas ruas de Vila Real. Cola-se a algumas paredes, à espera de poder ter a sorte de um gesto franco de alguém. Anda, há anos, “a pedir”. Desconheço que tenha algo para fazer, talvez alguns recados. Não posso sequer imaginar onde vive. 

Habituei-me a ver a minha mãe, que desapareceu há quase duas décadas, a dar uma esmola à Maria, sempre que a encontrava. Nos Natais, ela ia mesmo lá a casa, tocava à campaínha e havia um sensível reforço daquilo que levava de volta. 

Desde então, quando cruzo a Maria pelas ruas da cidade, para honrar a atitude que era a da minha mãe, dou-lhe sempre “alguma coisa” - que já passou, há muito, de moedas para papel sonante. A Maria, mal me vê, aproxima-se logo, com a esperança segura e um esgar que passa por sorriso.

Por estes dias, ainda não vi a Maria. Alguém me disse que ela anda por aí, mas não a encontrei. Custar-me-ia muito regressar a Lisboa sem lhe dar “alguma coisa”, em especial pelo Natal. Não sinto estar a ser generoso, apenas obrigado a respeitar uma saudável generosidade que herdei.

2 comentários:

Maria Isabel disse...

É bonito!!!!
Bom ano para toda a família
Maria Isabel

Arber disse...

FELIZ ANO NOVO, Sr. Embaixador, na mesma medida da sua generosidade.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...