sexta-feira, junho 01, 2018

Cinco notas sobre a Espanha



1. O voto que afastou o PP do governo de Espanha foi mais do que merecido. Rajoy foi incapaz, no seu longo mandato, de travar a endémica corrupção que atravessava o seu partido, a vários níveis. Ele e o PP deram mostras de uma arrogância que cansou os espanhóis. É isso que faz com que a sua saída, substituído por um partido menos votado, seja aceite sem qualquer sobressalto no país.

2. O apoio heteróclito à moção de censura que derrubou Rajoy, permitindo a Pedro Sanchez subir a presidentre do governo, nada tem a ver com uma alternativa sob base programática coerente. Não se trata de uma Geringonça, é apenas uma expressão de descontentamento contra o PP e Rajoy.

3. Num parlamento espanhol com 350 lugares, o PSOE, cujo líder vai agora ser primeiro-mnistro, apenas tem 84 deputados. Este é talvez o governo potencialmente mais frágil da história democrática espanhola, desde que, em 1978, entrou em vigor a atual constituição.

4. Depois de Rajoy, em quem a direita espanhola sempre viu um "genérico" de Aznar, vai ser dificil ao PP reinventar-se. Se o Cuidadanos souber explorar em seu favor alguma debilidade do PSOE no poder, pode vir a ter a sua "chance" nacional. Mas será difícil: ainda há "duas Espanhas".

5. Tal como na questão catalã, o silêncio de Lisboa é a mais sensata postura a propósito da vida política espanhola. Tentar cavalgar cumplicidades políticas é um erro. As mais frutuosas relações democráticas bilaterais foram tituladas por Cavaco-Gonzalez e Guterres-Aznar.

4 comentários:

Anónimo disse...

Ah, como eu gostaria de viver num mundo onde lhe pudesse ler comentários às declarações do nosso PR: "Viva a Espanha una e eterna", "O que é bom para a Espanha, é bom para Portugal".

Anónimo disse...

Parece-me que o assunto político em Espanha é muito mais sério do que se pode pensar numa primeira abordagem.
Espanha não é nem Portugal, nem Itália com as trapalhadas do Sul com as camorras a desestabilizarem a ordem.
Em Espanha se chocalham muito aquilo ainda dá muito que fazer aos partidos e gentes em conflito.
Sei que para socialistas e republicanos quanto pior...... melhor, para conseguirem fazer as suas reformas para bem das populações, nem que seja por meio de uma guerra civil mas em Espanha já houve uma no século XX, não se queira outra no XXI.
Do resultado da primeira sabemos como foi.

Luís Lavoura disse...

o silêncio de Lisboa é a mais sensata postura a propósito da vida política espanhola

Pois eu concordo completamente com o Francisco, Portugal deve estar silencioso. Mas, infelizmente, não tem estado. O ministro dos Negócios Estrangeiros portou-se pessimamente ao abrir a boca desnecessariamente para dizer que Portugal não iria reconhecer a independência da Catalunha (para que precisava de dizê-lo, porra??? Portugal também não reconhece a independência da Somalilândia, mas não abre a boca para o dizer!). E o Presidente da República também se portou muito mal com mais do que uma frase.

O silêncio é a postura mais sensata, mas silêncio é mesmo silêncio!!!

Francisco Tavares disse...

Chamo aqui o apontamento "os limites da criatividade" sem dúvida certeiro, e estimulante. Há dias assinalei algo de parecido, a propósito de um artigo de A. Santos Silva (filhos de Kant e filhos de Hegel), e de um comentário de M. Nuti sobre os êxitos das políticas da Geringonça: os limites à continuação dos sucessos do governo português em virtude das suas políticas estarem balizadas pelos sacrossantos princípios da austeridade. Em questões fundamentais, não havendo soluções políticas, não há soluções técnicas que valham. E aí está agora mais um caso, o de Itália, que apenas o confirma. Os princípios da austeridade necessários para cumprir os sagrados défice dos 3% e limite da dívida em 60% dos Tratados, são assim uma espécie de rochedo de Gibraltar. Os princípios da austeridade (o Rochedo) têm por soberanos Comissão/Conselho/Eurogrupo. Os que questionam os princípios de austeridade têm por soberanos ou países (vd. Grécia e Itália) ou grandes camadas das populações da UE atingidas pelas políticas de austeridade. E estes últimos, que não controlam o poder na UE, têm que ter muita criatividade para manobrarem dentro dos limites impostos pelo "Rochedo". Como se tem visto no caso da Geringonça. Estes limites são uma barreira que, a manter-se inalterada, não vejo que seja ultrapassável. O que significa que a atual solução política geringonciana não pareça sustentável.
Mas vamos a Pedro Sanchéz. Será que a questão da criatividade se põe apenas a propósito do novo governo de Pedro Sanchéz? O governo Rajoy esteve 6 anos no poder, que medidas criativas apresentou?
O tema territorial em Espanha exigirá soluções políticas. Já se viu à exaustão que as soluções "técnicas" de Rajoy e do PP não abrem vias de solução. O caminho poderá ser aberto por um governo minoritário? Porque não? O assunto requer uma maioria qualificada, será um governo maioritário o mais indicado para o conseguir? Além deste caso de Gibraltar, certamente a sua experiência como diplomata e também como integrante (1999 a 2001) de um governo minoritário foram um acervo de ensinamentos sobre "limites da criatividade" em política. Mas se governar apenas fosse possível com base numa maioria absoluta de um partido ou forças políticas com programas semelhantes, isso descartaria várias das soluções governativas em vigor pela Europa. No contexto dos gravíssimos problemas sociais existentes, é apenas de ganhar tempo que se trata?
É um governo frágil, desde logo na medida em que é minoritário. Mas também o governo do PP era um governo minoritário (PP, Ciudadanos e uns "queijos"). Ainda agora, para aprovar o orçamento, o PP tinha andado a negociar mais uns dinheiros para obter o apoio do PNV. Não assenta numa negociação com as forças que o apoiaram. Mas a Geringonça tão pouco se pode dizer que seja uma alternativa sob base programática coerente. O que foi a Geringonça à nascença senão uma expressão de rejeição de um desastre chamado "governo Passos Coelho/Portas/Troika"? No caso espanhol há semelhanças: afastar um governo sem soluções, numa situação de deterioração institucional e descrédito da (na) democracia liberal. E um partido (PP) assolado por casos de corrupção. Certamente, há diferenças. É expectável que o governo tenha de assumir posição de permanente negociação, em que as possíveis soluções estão altamente constrangidas pelas regras da eurozona, e a sempre presente questão territorial. O caso Catalunha não será candidato a uma cura milagrosa, é problema que levará muitos anos a resolver. E Pedro Sanchéz avisou: negociar sim, no quadro constitucional existente. A haver descompressão irá em prejuízo de Ciudadanos que aumentou o número de votantes fundamentalmente na base do confronto sobre a questão da Catalunha.
Quanto à posição de Lisboa, sim a não "cavalgar cumplicidades políticas". Em política externa os interesses de cada país estão (devem estar) à frente das amizades dos seus governos.

Os amigos maluquinhos da Ucrânia

Chegou-me há dias um documento, assinado por algumas personagens de países do Leste da Europa em que, entre outras coisas, se defende isto: ...